quarta-feira, 26 de outubro de 2016

À TERCEIRA FOI DE VEZ

Com a vitória sobre a Austrália (37-10), os AllBlacks conseguiram a sua 18ª vitória consecutiva e conseguiram - depois de terem conseguido 17 vitórias consecutivas em 1996 e 2014 (a África do Sul conseguiu o mesmo em 1998) - um novo recorde: dezoito vitórias consecutivas de uma equipa do 1º escalão. Feito brilhante e demonstrativo de diversas capacidades e de formas de entendimento do jogo do colectivo neozelandês.

Com uma média de posse de bola de 50% nos sete últimos jogos da série vitoriosa, os AllBlacks demonstram a regra - que o treinador de futebol Johan Cruyff também gostava de citar - de que mais importante do que a posse da bola é a capacidade da sua utilização. Ou seja: de pouco serve a posse da bola se não houver utilização eficaz. Nos últimos sete jogos - Championship e terceiro jogo da Bledisloe Cup - a dividida posse da bola conseguida permitiu no entanto 66% da totalidade de metros percorridos para marcarem 88% da totalidade dos ensaios, numa demonstração extraordinária de eficácia.
E se é verdade que a posse da bola impede que o adversário a utilize e assim não possa marcar, a importância crucial - como acentua Graham Henry com o seu “a posse da bola deve valer um ensaio” - está no uso que se possa fazer dessa posse e que constitui a primeira demonstração neozelandesa deste recorde: a posse da bola exige a sua utilização colectiva no sentido de ludibriar a defesa com o propósito de marcar ensaios.
Veja-se que este uso conseguido pelos All Blacks é de uma eficácia tremenda - repare-se na desproporção positiva como mostra o gráfico acima entre o valor da posse da bola, os metros percorridos e os ensaios marcados. E se estendêssemos a análise estatística aos dezoito jogos obteríamos valores similares.
Esta eficácia de utilização da bola assenta numa capacidade imediata de adaptação à defesa adversária - ler o que se passa na nossa frente, adaptar e reagir colectivamente e aplicar o forte sobre o fraco do adversário. Só assim - para além de uma excelente técnica de base, também ela adaptada às necessidades de jogo de hoje onde a defesa tende a superiorizar-se ao ataque - é possível atingir a média de 5,77 ensaios por cada jogo das dezoito vitórias conseguidas. Sean Fitzgerald, seu antigo capitão, considera ser esta a melhor equipa All Black que alguma vez viu jogar e não deve andar longe da verdade como os 751 pontos marcados contra 253 sofridos numa relação média por jogo de 41,7 pontos marcados para apenas 14 sofridos pode demonstrar. O que traduz uma capacidade defensiva notável dos 50 jogadores que foram utilizados durante este período iniciado em Agosto de 2015.
Estes aspectos da capacidade neozelandesa são ainda mais expressivos se olharmos (gráfico abaixo) para as estatísticas do recente jogo com a Austrália: com apenas cerca de 42% do número de bolas conquistadas e que representaram 35% de tempo de posse e de ocupação territorial os AllBlacks traduziram essa pequena vantagem em expressivos 6 ensaios contra apenas um sofrido. A base deste sucesso está naturalmente na execução colectiva dos Princípios Estratégicos Fundamentais - avançar, apoiar, continuidade e pressão - a que acrescentam velocidade. Velocidade de execução, de deslocamento, de posicionamento e de decisão que permitam as leituras necessárias à melhor e mais eficaz adaptação dos jogadores face às situações que enfrentam. Com, pela cultura táctica desenvolvida, adequada preparação anterior - o que fazer? como fazer? quando fazer? - como nos rucks onde, pelo posicionamento do corpo antes do contacto, o portador da bola garante a sua rápida utilização para que a defesa não tenha tempo para se reorganizar. Por outro lado, e também pela desenvolvida cultura táctica, existe uma compreensão colectiva permanente do que vai acontecer a seguir e que permite que o apoio pelas linhas e ângulos de corrida encontrados possa - como gosta de salientar Wayne Smith - garantir a continuidade, a posse e velocidade do jogo para poder então ser um constante jogo-a-quinze. 
E é este conjunto de conceitos, técnicas e tácticas que criando um sistema adaptável às circunstâncias do jogo ou do ambiente - e não a rígida estrutura que algumas correntes pretendem impôr - que permite aos AllBlacks uma constante e muito rápida reorganização colectiva que os torna letais, nomeadamente sobre as recuperações conseguidas.
Ver jogos dos AllBlacks é, para além do prazer de ver o jogo de rugby levado ao mais alto nível, uma permanente lição que nos deve levar a reflexões sobre processos, métodos, conceitos e propósitos do jogo e do treino. 
Vê-los e percebê-los constitui uma importante base de conhecimentos para o desenvolvimento técnico e táctico da capacidades das equipas e dos jogadores.

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