quarta-feira, 14 de junho de 2017

E AGORA, FPR?!

José Manuel Delgado in A Bola, 12/6/2017
Dados os erros que as evidências colocaram a nu - à derrota com a Alemanha por 50-27 deveriam ter soado todas as trombetas de alarme - a frase de José Régio que José Manuel Delgado utiliza em A Bola para o seu Duque de Ouros deveria ter redacção ligeiramente diferente e mais adequada à situação:  Não sei por onde vou, mas sei que não deveria ter ido por aí…”. No mínimo, embora só com emenda futura, que a lição tenha sido aprendida e que não se cometam mais os mesmos erros. E principalmente que nos lembremos do aviso de Einstein de que continuar a fazer o mesmo, esperando resultados diferentes, é uma forma de insanidade...
Sinto-me desapontado e apreensivo. Desapontado porque tenho mais de cinquenta anos de ligação ao rugby e começo a duvidar do seu futuro português. Apreensivo porque sei que os actuais caminhos se traduzirão em cada vez menor interesse de patrocinadores e, portanto, numa cada vez menor capacidade de intervenção. Mas não surpreendido: os sinais eram legíveis e só uma cegueira baseada na troca da comunicação pela propaganda auto-elogiosa poderia transformar a realidade - eram só vitórias com sorrisos a substituir os desenganos que um aumento de pontuação do ranking de 4,19 pontos ajudava a encobrir. 
E a realidade é conhecida com um campeonato principal que perde constantemente competitividade e jogadores que estão mal preparados e que não dispõem dos gestos técnicos necessários ao nível do rendimento internacional: passámos mal, recebemos em demora e usámos um jogo ao pé sem propósito. E não sendo suficientemente predadores nas placagens, deixamos que a atitude dependa do acaso.
Perceber isto não é difícil mas necessita de experiência e conhecimento.
Já em 1506, Duarte Pacheco Pereira, no seu Esmeraldo de Situ Orbis, ensinava que “A experiência, que é a madre das cousas, nos desengana e de todas as dúvidas nos tira.”. E para jogar ao nível do rendimento desportivo é necessária a experiência suficiente quer do lado da organização envolvente, quer no interior do comando da equipa. Porque cada preparação, cada momento faz-se daquilo que se compreendeu, articulou ou treinou. 
Sabe-se também que qualquer treinador adopta a forma que acredita lhe possibilitará a vitória no maior número de jogos com os jogadores que tem à sua disposição. O que significa que os modelos são adequados às capacidades dos jogadores que o compõem e têm que ser adaptáveis às formas de jogo propostas pela oposição - não são, não podem ser, modelos abstractos baseados em conhecimentos teóricos de outras experiências. Nem pretensões de modelos pessoais que nenhuma evidência confirma.
Antes do jogo contra a Alemanha, o então responsável Ian Smith, deixou num jornal o conceito: “não irei preparar especialmente este jogo”. Viu-se o resultado da prosápia no único jogo que Portugal não podia perder - e no caso, não perder significava até admitir a derrota até 7 pontos de diferença. Daí para cá foi o jogar cheio de vitórias contra equipas de fraco nível e cair na ilusão de que o bom caminho estava ao pé da mão.  
Os erros cometidos na Bélgica no jogo decisivo de uma temporada já se tinham mostrado noutros jogos mas nada se quis aprender: no primeiro jogo contra a Bélgica em Novembro do ano passado em Setúbal, à marcação de 21 pontos na primeira parte correspondeu a nulidade na segunda com os belgas a não chegarem à vitória por mera inépcia; contra o Brasil, em Dezembro de 2016 em Taveiro, já tinha havido aviso de um final de partida difícil.
No jogo de Bruxelas o 2º e 4º ensaios foram dádivas inadmissíveis de uma equipa que pretende marcar posição ao nível internacional. No primeiro deles e numa demonstração de desconcentração desorganizada, o ponta belga correu junto à linha dezenas de metros sem oposição… no segundo e depois de um indisciplinado cartão amarelo, numa formação ordenada do lado esquerdo do campo houve a decisão (correcta) de colocar os 96 quilos de Foro a equilibrar os pesos dos dois blocos, mas com o tremendo erro, porque o menos experiente no lugar, de o colocarem na posição crítica que teria de responder directamente ao mais que expectável movimento adversário. E mesmo assim os belgas mostraram-se naquilo que são: uma equipa trivial que quase não conseguia marcar ensaio de uma enorme vantagem conseguida. No Brasil foi terrível assistir ao desbaratar de um resultado de 15 pontos de avanço em 3/4 minutos de final de jogo. Explicações?! As mesmas de Bruxelas, desconcentração por preparação desadequada e desorganizada com falta de rumo e de comando.

O valor de 2017 está inflacionados pelos pontos obtidos em vitórias contra equipas de fraco nível
Na segunda etapa do Grand Prix Series da Rugby Europe em Lodz um também desastroso resultado com apenas um empate e vitória sobre a mesma Polónia a colocar-nos na 11ª posição (em doze) e a deitar fora toda e qualquer hipótese de apuramento para o Mundial de 2018 ou para a possibilidade de estar presente em Hong-Kong a tentar um regresso ao Rugby World Sevens Series. 
Que nos resta? Aprender, reflectir e mudar! 
Não há boa execução sem ter uma boa estratégia e não há resultados sem uma boa execução. Estratégia que, se existiu, esteve desfasada das realidades e assente numa espécie de fé que nunca foi posta à prova por se fazer crer que os resultados conseguidos eram de qualidade e que, por si só, garantiriam o objectivo de voltar à II Divisão - o lugar onde pretendemos estar e a que pertencemos desde 1986. Acontece que os adversários não eram de qualidade suficiente para garantir o teste - todos abaixo do 30º lugar com excepção da primeira Bélgica que tinha então a seu favor pontual o mesmo factor do Portugal de hoje: contar por vitórias o ter jogado contra adversários fracos.
O jogo de rugby, qualquer que seja a sua variante, rege-se por 4 Princípios Fundamentais (Avançar Sempre!, Continuidade, Apoio e Pressão) a que gosto de juntar mais 3 sub-princípios (Velocidade, Comunicação e Adaptação) e que, conjugados, constituem o enquadramento estratégico que os modelos-de-jogo devem perseguir. Se a isto juntarmos, para além de uma boa combinação de conquistadores da bola, de decisores, de transportadores e de finalizadores, os objectivos tácticos de opor o forte ao fraco, de surpreender, de utilizar a rapidez de leitura ou de gesto e de tomar a iniciativa, camuflando as intenções, então o jogo pode ser jogado de acordo com os jogadores disponíveis numa criativa transformação de aproveitar a assimetria como vantagem. Assim enquadrada, a invenção transforma-se numa eficaz dimensão de poder da equipa, permitindo, desde que atingida a necessária coesão colectiva, alargar horizontes competitivos.
A mudança é necessária e urgente! A fazer com clareza e sem sofismas! E assente na realidade dos factos e não numa qualquer propaganda - por favor, não se deixem embalar nas hipóteses de conseguir um lugar para o Mundial de 2019. Não é nada fácil e a mais que óbvia vitória que obteremos sobre a República Checa no Novembro próximo não deve ser utilizada como peneira para tapar os nossos campos - e por favor acabem com o enorme e pouco respeitoso desaforo de transformar aquilo que foi uma muito boa vitória numa conquista do Campeonato Europeu: a selecção Sub-20 conseguiu um excelente resultado que a coloca no 8º lugar europeu e lhe permitirá disputar a prova B de um Mundial cuja prova principal se disputa neste momento e onde estão presentes 7(!!!) equipas europeias.
As mudanças para colocar o rugby português na senda do rendimento que lhe permita fazer frente às equipas europeias de segundo nível são, sabe-se, observa-se, vê-se, absolutamente necessárias. E de nada serve chover no molhado de escassos recursos se nada se fizer que garanta resultados que tornem o rugby português atractivo.
A responsabilidade da decisão está na FPR.

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