terça-feira, 27 de junho de 2017

NOTAS DE UM FIM-DE-SEMANA

PRIMEIRA NOTA
Para que se possa perceber melhor o significado muito negativo da derrota com o Brasil - esquecendo por momentos a também muito má derrota com a Bélgica - basta ver o resultado conseguido pelos brasileiros neste fim-de-semana na deslocação à Roménia: perderam por 56-5, sofrendo 8 ensaios (a previsão era favorável aos romenos pela diferença de 38 pontos de jogo, foram 51).

Com este resultado, ficando desfeitas as dúvidas sobre o nível brasileiro, fica também a nu a absoluta necessidade de mudanças no rugby nacional e uma certeza absoluta: se nada for alterado e se continue a insistir na ideia de que as mesmas acções podem traduzir-se por resultados diferentes e sem querer perceber a evidência dos erros, o caminho será o do declínio acelerado com a certeza de um poço sem fundo como terminal.

OUTRAS NOTAS
Previsões 


Rugby Vision
XV CONTRA XV
Margem real
Samoa
Gales
-15
-14
-2
Fiji
Escócia
-9
-9
5
Austrália 
Itália 
31
33
13
Japão 
Irlanda
-22
-16
-22
África do Sul
França
11
13
23
Argentina
Geórgia
28
17
16
Diferença
69
63

Canadá
USA
-
-8
0
Roménia
Brasil

38
51
O sinal negativo significa previsão de vitória para o visitante

Usando rankings diferentes para obter as previsões aqui fica uma comparação entre as propostas da Rugby Vision e minhas para os jogos que se disputaram este fim‑de‑semana. A Rugby Vision utiliza um ranking próprio mas que só cobre os 20 primeiros lugares - daí que não se possa comparar os jogos Canadá/USA e Roménia/Brasil. O sistema que utilizo usa o ranking oficial da World Rugby. 

Pela análise do quadro percebe-se que a grande surpresa deste fim‑de‑semana foi a vitória de Fiji frente à Escócia (27-22) que, marcando 3 ensaios contra 2 fijianos, foi suficientemente indisciplinada para entregar 15 pontos em 11 penalidades concedidas. Os escoceses que haviam vencido a Austrália dias antes por 24-19, deixaram Gregor Townsend, o antigo internacional e novo treinador, “profundamente desapontado”.

No primeiro dos testes, os Lions - embora tivessem mostrado a espaços notáveis capacidades (o seu 2º ensaio percorreu o campo num superior lançamento de contra-ataque por Liam Williams) - não se mostraram adversário à altura da maré negra que conseguiu 10 turnovers e se oistrou muito mais eficaz na formação-ordenada do que se previa... assim possibilitando que Bauden Barrett pudesse pautar o jogo até ocupar o lugar de defesa para continuar um perigo permanente através da sua excelente visão de jogo.

Desastrosa foi a digressão francesa pela África do Sul. Três derrotas em três testes e uma única demonstração: o recurso ao desafio físico, à colisão, numa total demonstração de falta de qualidade técnica e táctica e sem soluções para interpretar o movimento que lhes deu fama e fez o mundo invejar o french flair. É um facto: em França joga-se um rugby que pretende fazer da força directa o seu primeiro motor, esquecendo a inteligência da leitura do adversário e a consequente adaptação. Ou seja, o uso da bola com adaptação aos pontos fracos da defesa é um desuso francês e o seu resultado é a perda de referências técnicas que se traduzem numa impossibilidade quase absurda de se impor ao adversário. Compare-se, na tabela seguinte, as estatísticas entre os neozelandeses que venceram os Lions pelo dobro dos pontos (30-15) e os franceses que perderam por 20 pontos de diferença (35-15). Curiosamente ambas as equipas tiveram superioridade em termos de posse de bola e de vantagem territorial. Mas os All-Blacks ganharam e os franceses perderam… Porquê? Comparemos as estatísticas do jogo de ambas as equipas.

Comecemos pela percentagem de eficácia de utilização da bola de cada uma das equipas - número de bolas disponíveis e nº de ultrapassagens das linhas de vantagem correspondentes: 52% para os All Blacks e 35% para os franceses. Se a estes valores juntarmos as 12 rupturas contra 4 conseguidas pelos franceses teremos uma boa perspectiva das razões da marcação de 3 ensaios pelos neozelandeses e de nenhum pelo lado francês.


Nova Zelândia
França
Posse
61%
54%
Território
63%
56%
Metros conquistados
559
383
Nº de passes
212
140
Rupturas
12
4
Placagens
83%
75%
Offloads
13
11
Turnovers conquistados
10
4
Rucks ganhos
127
73
AL ganhos
8
15
FO ganhos
8
1
Pontapés em jogo
26
14
Penalidades ganhas
11
14
Nº de Bolas
164
107
Passagens L Vantagem
86
37
Ensaios
3
0
Transformações
3
0
Eficácia B/LV
52%
35%
Eficácia E/LV
3%
0%
Resultado
30-15
35-15

Este dado da eficácia de utilização da bola definido pela ultrapassagem da Linha de Vantagem é significativo uma vez que para se chegar ao ensaio é necessário ultrapassar a linha de vantagem - linha imaginária paralela às linhas de ensaio e que passa pelo ponto da bola em cada momento de quebra da continuidade do jogo. Assim, a linha de vantagem desloca-se de acordo com o movimento ou transporte da bola e a sua ultrapassagem, representa uma superioridade numérica para a equipa que avança - o número de jogadores da equipa do portador da bola em condições de receber um passe é, ultrapassada que esteja a linha, superior ao número de defensores que o tentam evitar. Este parâmetro, ultrapassagem da linha de vantagem, define portanto a capacidade de utilização da bola por parte de uma equipa. 

Por outro lado o número de passes correspondentes às 107 bolas disponíveis foi de apenas 140 (76%) , correspondendo a 33 passes para além do 1º transmissor - os AB’s apresentaram 48 passes para além do 1º transmissor. E isto apesar de terem, por decisão táctica, jogado muito pelos canais envolventes às formações. O que significa que os All Blacks criaram maiores dificuldades à defesa dos Lions - as dificuldades aumentam naturalmente pelo movimento dos jogadores que o número de mais passes significa - do que os franceses conseguiram fazer aos sul-africanos.

Se olharmos para a quantidade de metros conquistados na utilização da bola e os dividirmos pelo número de bolas disponíveis por equipa veremos que os All Blacks avançaram em média 3,4 metros por bola utilizada e os franceses avançaram mais no terreno com os seus 3,6 metros/bola. Juntando a estes valores o valor das rupturas conseguidas, poderemos concluir que a França se mostrou incapaz no capítulo da continuidade do jogo - situação que é agravada pelo facto de terem feito 11 offloads (os neozelandeses fizeram 13) - uma vez que isto poderá significar  que a França está a “passar pelo chão” de forma sistemática e limitada a bolas lentas. O que é todo o contrário daquilo que se pretende fazer: que a ida ao chão seja o mais limitada possível mas, se acontecer, que seja o mais rápida possível para impedir que o adversário defensor possa anular a vantagem posicional… e os franceses não mostraram ser capazes de o fazer. Muito provavelmente por razões do campeonato interno que, para além de estar cheio de estrangeiros, rege-se ainda pelo não perder. Ou seja, sem correr quaisquer riscos. O que significa falta de confiança nas próprias capacidades - confiança que os All Blacks têm em barda...

...e por isso jogam a correr riscos como mostraram contra os Lions. Um excelente jogo onde, mais uma vez, os neozelandeses demonstraram porque são os melhores do mundo mostrando que o passe e a recepção são interpretados de outra maneira - qualquer estilo é bom desde que eficaz!
E mostraram a sua eficácia contra uma equipa que tinha na subida rápida a sua melhor arma defensiva. Utilizando as alternâncias necessárias para não deixar os adversários estarem confortáveis - os All-Blacks continuam a ser uma das equipas que mais utiliza o jogo ao pé (26 neste jogo).

Os Lions não jogaram mal e honraram a ideia que o confronto era entre as duas melhores equipas mundiais mas ainda não apresentam (como poderiam fazê-lo?) a coesão necessária para transformar este excelente grupo de jogadores numa equipa capaz de derrotar os campeõs do mundo. Mas a ideia de desforra vai estar presente em Wellington no próximo sábado.

CONSTATAÇÕES
Os British & Irish Lions são - depois do XV da Irlanda que, neste aspecto, ultrapassa todas as expectativas - a melhor demonstração das possibilidades do Desporto que, com a sua linguagem universal, permite a integração eficaz de diferentes culturas, percepções ou estilos, com real contribuição de todos para os objectivos comuns.

O treinador principal dos Lions, o neozelandês Warren Gatland - treinador de Gales - tem feito um excelente trabalho. A sua maior dificuldade estaria em formar um colectivo de um grupo constituído por jogadores que, vindos de diferentes culturas e, na sua maioria, apenas conhecendo os nomes uns dos outros. E percebe-se que a qualidade da enorme dificuldade que a "coesão" representa, aumenta de jogo para jogo.

Esta digressão, com os jogos que temos vistos, tem demonstrado a importância dos segunda-linhas, normalmente com os números 4 e 5, na produção de cada equipa. Transportam bolas, placam que se fartam, empurram nas FO, conquistam nos alinhamentis, sabem passara bola e ainda limpam rucks. Por isso, porque são essenciais a uma equipa, gosto de lhes chamar "bases". O seu papel é tão importante que, vencendo por 14 pontos de diferença quando viram, aos 65', o nº 4, Iain Henderson, apanhar um cartão amarelo e passar 10' no banco dos pecadores, os Lions sofreram dois ensaios e empataram o jogo.

Os All-Blacks constituem uma constante demonstração do melhor nível que se pode atingir na expressão da técnica e táctica do rugby. Se assim é como mostra a evidência, porque é que não se copiam - adaptando o que for necessário - os seus métodos de fomação de jogadores? Que aliás são simples e objectivos.

O jogo Hurricanes-Lions (31-31) foi um jogo formidável - a recuperação dos Hurricanes é notável - e aumenta a curiosidade para a constituição da equipa dos visitantes para o 2º teste.

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