segunda-feira, 8 de setembro de 2014

A ARGENTINA PROMETE


Dois dos "nossos" no melhor nível do rugby mundial
O Nova Zelândia-Argentina era uma jogo imperdível. Por diversas razões: porque vale sempre a pena ver a melhor e mais estimulante equipa do rugby mundial; porque havia uma enorme curiosidade sobre as reais capacidades argentinas; porque ainda - um ponto nada despiciendo -  neste jogo participavam dois dos "nossos", Daniel Hourcade - treinador principal dos Pumas e o único dos treinadores estrangeiros que deixou um verdadeiro legado ao rugby português - e Rohan Hoffman, jogador internacional por Portugal - excelente e de enorme carácter (tive a sorte de contar com ele nas selecções da minha responsabilidade) - e que, começando cá a sua carreira de árbitro, era um dos árbitros auxiliares do jogo.

O jogo não desmereceu. A Argentina - e quem conhece Hourcade sabe que as suas equipas se formam com guerreiros - demonstrou, com a sua capacidade de luta e organização táctica, o que já se suspeitava: a ideia de que será uma equipa a ter em contínua conta no panorama internacional - para Hourcade o "seu" Campeonato do Mundo será o de 2019. 

Apesar da chuva, os AllBlacks demonstraram a suas enormes capacidades na circulação da bola - o tempo de passe e de posicionamento do receptor são simplesmente notáveis e obrigam a repensar em métodos e processos de treino. Mas desta vez o conceito de que o uso do jogo-ao-pé - que Hansen frisou ter melhorado muito, quer na técnica, quer na oportunidade - foi uma realidade. Por um lado pela estrutura defensiva argentina que obrigou a muito jogo-ao-pé por parte dos neozelandeses, por outro porque existe uma confiança enorme na técnica de cada um e no cumprimento da regra-chave: a qualidade de um pontapé ofensivo depende da eficácia da perseguição. Daí a exigência da colocação dos pontapés - que possibilita a perseguição - e, nisso, os neozelandeses são tremendos. Veja-se o primeiro ensaio: pontapé-rasteiro de Beauden Barrett para Retallick captar e passe em pontapé-rasteiro de Conrad Smith para Savea marcar. Tudo feito com o propósito adequado: usar a posse da bola da forma mais eficaz possível. E não me lembro que algum dos muitos pontapés-na-caixa de Aaron Smith tenha permitido algum contra-ataque argentino.

Os argentinos conseguiram uma coisa notável: no final da primeira parte eram a equipa com mais posse de bola e superior ocupação territorial. O que, contra AllBlacks, representa um feito! Que só foi insuficiente porque do outro lado estava a equipa que sabe explorar como ninguém as oportunidades que o jogo lhe oferece. Na segunda-parte o segundo-empurrão dos Pumas nas formações-ordenadas foi formidável - apesar do segundo ensaio neozelandês, ainda na primeira-parte, ter nascido de uma conquista - "bola de ouro" na gíria - de formação-ordenada de introdução argentina com exploração imediata da colocação das linhas atrasadas. Provavelmente a maior dificuldade dos Pumas nestes jogos de primeiro nível, estará na ultrapassagem da linha-de-vantagem após a conquista nas fases ordenadas, onde dão demasiado campo com passe em ângulo muito aberto e facilitando a vida à defesa adversária - curiosamente nas fases espontâneas o ataque à LV é muito mais eficaz. 

Interessante, para além de algumas novas combinações neozelandesas - o seu quarto ensaio, próximo da área-de-ensaio argentina e sobre uma formação-ordenada numa divisão 4-2 dos três-quartos (os argentinos responderam com um inevitável e perdível  3-3) seguida de um desequilibrador 89, é uma demonstração da forma de colocar problemas, diria insolúveis, à defesa - as combinações de ambas as equipas nos alinhamentos, variando o suficiente para garantir a conquista da bola sem grande perturbação -  dos 31 lançamentos apenas 3 foram captados pelos saltadores adversários.

Com 4-0 em ensaios a vitória da Nova Zelândia não deixou dúvidas mas a Argentina começa a atingir um nível qualitativo internacionalmente muito interessante. E Daniel Hourcade tem na sua cabeça as ideias e conceitos para ainda lhe elevar mais o actual nível. Uma boa surpresa e, talvez finalmente, encontremos um sustentável desmancha-prazeres no rugby mundial... 

Preocupante é, no entanto e a um ano do próximo Mundial, o que se vai passando nas arbitragens. Depois do enorme disparate, com benefício evidente do infractor, da exigência do comando do árbitro na introdução da bola nas formações-ordenadas, parece haver de novo a tendência para os árbitros definirem os resultados dos jogos. Na final do Super XV a decisão sobre uma falta inexistente de Mc Caw, ditou o vencedor; no Argentina-África do Sul não consegui - eu e muitos outros - ver a falta do pilar direito argentino que determinou a vitória sul-africana.

Neste fim-de-semana o árbitro, o francês Pascal Gauzere, tirou um ensaio à Argentina sem que possa haver qualquer razão para o facto - carga sobre um pontapé, captação da bola do chão e corrida para o ensaio. No outro jogo - Austrália-África do Sul com dois excelentes ensaios australianos - a atribuição muito duvidosa - foi apenas falta por placagem alta mas que não se aproximou de jogo perigoso - de um cartão amarelo aos 65' a Bryan Habana - que cumpria o seu 100º jogo internacional - deu toda a possibilidade de vitória aos australianos (Curiosidade: Habana só não entrou em jogo antes do ensaio australiano porque o seu companheiro Morne Steyn falhou a saída da bola num pontapé de penalidade e, por isso, não houve paragem do jogo).

Como nota positiva destes erros - graves! - de arbitragem, a ética do comportamento de treinadores e jogadores. Desde "o árbitro tem sempre razão" até ao "não estou aqui para falar dessas coisas", nenhum dos intervenientes criticou publicamente os árbitros. Mais razão ainda para haver uma maior atenção - porque jogadores que respeitam o código do fair-play merecem todo o respeito - por parte dos árbitros e, principalmente, uma maior coerência global nas suas interpretações das Leis do Jogo.     

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