quinta-feira, 24 de abril de 2014

HÁ 40 ANOS

Não fosse lembrar-me que o meu amigo Dario gostava de bares e não se faria rogado a telefonar-me a "dar parabéns" a altas horas e teria, com aquele telefonema das 4 da manhã - hora a que nasci -, apanhado um enorme susto. Do outro lado da linha a voz suave e serena da minha amiga Maria João: "É agora! Liga o Rádio Clube! De que lado?", perguntei receoso de alguma aposta desesperada que, depois do 16 de Março, os duros do regime procurassem. "São dos nossos! passa palavra!"
Passei e entre saídas à proximidade do Rádio Clube Português a ver os soldados armados a perceber que estava dominado pelos revoltosos e as notícias da rádio e da televisão até ouvir: aqui Posto de Comando do Movimento das Forças Armadas, preparei-me para ir até ao Carmo onde assisti ao que foi importante - a saraivada de balas no muro do quartel e a saída dos governantes depostos com as mais variadas peripécias pelo meio. Uma festa! A terminar e com os amigos de sempre e a horas mais de jantar do que outra coisa, acabámos na tasca do Galego a deitar abaixo um branco de estalo que o homem lá tinha numa comemoração única de aniversário. Que dia! 
No dia seguinte, o caminho indicava Caxias na exigência da libertação dos presos políticos.
Tínhamos jogo, a 27 de Abril e em Praga, contra a então Checoslováquia. Como se imaginará naquele início de malta na rua, numa anarqueirada louca, linda de morrer, naquela forma de ser, por dias, poder absoluto à moda de cada um, nunca mais me lembrei que havia jogo da Selecção com uma viagem pelo meio. Numa das passagens por casa - não havia telemóveis - um recado: não há jogo! o aeroporto está fechado.
Pronto, resolvido! o mundo estava na rua e abre-se na nossa frente! Mas guardei a camisola com o número 9 - é verdade, iria jogar a médio-de-formação - e ainda hoje a tenho na gaveta das memórias.
O CDUL, onde jogava e era capitão, não tinha um formação disponível e eu tive, capitão obriga, que ocupar o lugar. Treinei o suficiente e não me saí mal - fomos campeões nacionais e fui convocado para jogar, nessa posição, na selecção nacional. Por não ser esta a minha posição habitual e também pelas razões da sua não utilização, esta camisola 9 tem um valor especial. Está guardada e lembrar-me-á, para sempre, os momentos épicos e generosos do 25 de Abril.
Também não imaginei que esse inexistente Checoslováquia-Portugal seria - embora ainda tivesse sido convocado e nomeado capitão de equipa para a digressão a Inglaterra que uma lesão, num último treino, impediu - a minha última possibilidade de internacionalização. E foi assim porque surgiu a ignorância de uns mandantes federativos que, limitados à visão dos que, não conseguindo entender e resolver o presente, se refugiam nas fábulas do futuro, resolveram inventar: terminaram com a participação internacional sénior. Levamos, ao contrário do que acontecia  então nas mais diversas actividades do país, cinco anos a voltar à cena internacional sénior. E sete às competições da FIRA.
Ficou-me a camisola 9...


quarta-feira, 23 de abril de 2014

O QUE QUEREMOS?

Tenho enorme dificuldade em perceber o que quer - que futuro pretende - a comunidade rugbística portuguesa. Formada por diferentes interesses, perspectivas e objectivos, a comunidade rugbística portuguesa tem em comum duas coisas: o gosto pela bola oval e a coligação negativa de interesses enquanto processo de oposição conjunto sem capacidade de solução comum. Com ambos os elementos a uni-los, os membros da comunidade rugbística, fugindo ao exercício da democracia inteligente, pretendem-se fiéis depositários da verdadeira identidade do rugby e do seu carácter. Procurando impôr a sua visão sem cuidar das vantagens e inconvenientes na relação com o sistema mais amplo que representa o mundo da modalidade.
No entanto, se o mundo em geral mudou, o mundo rugbístico mudou também e muito. O que obriga a uma adaptação como factor essencial de sobrevivência. 
Perderam-se os tempos clássicos de uma modalidade que, sem descurar vitórias e derrotas, se mostrava como um combate entre tropas de uns e de outros para terminar num social encontro de ambos os lados que, entre cervejas, comentavam as peripécias dos seus rapazes dentro do terreno-de-jogo. Era o reinado do famoso "terceiro-tempo" que deixou as marcas que caracterizam a visão ética do jogo. Era o tempo da extensão do rugby social a todos cantos da bola oval entrecortados por um ou outro jogo internacional memorável e cujas referências chegam até hoje.
Tudo foi mudando, tudo mudou. O lado da componente desportiva de rendimento foi crescendo e dos "magníficos dias" ficou um conjunto de valores que caracterizam a modalidade mas desenvolveu-se, com a passagem de um "amateurisme marron" - como era designado por franceses - para um profissionalismo claro e regulado, a componente rendimento, a importância do resultado em competições cada vez mais constantes, apertadas, atractivas e espectaculares. Conseguindo assim, directa ou indirectamente, as receitas necessárias ao pagamento de actores e encenadores.
Neste mundo transformado, nem todos conseguem atingir os níveis estabelecidos pelos mais avançados. E muitos daqueles que para lá tentam caminhar nem sempre o conseguem fazer nos mesmos prazos ou pelos mesmos percursos. Mas, o sinal dos tempos impõe-no, igualmente focados num mesmo objectivo: conseguir criar condições para que as suas equipas representativas obtenham resultados de bom nível internacional. E assim se alteraram as responsabilidades das organizações federativas numa evolução desportiva que passou dos aristocráticos "sportsmen" - os únicos que então dispunham de tempo livre - para um acesso generalizado e que, por via disso e do espectáculo que passou a proporcionar, exigiu reorganizações e adaptações às novas exigências de competitividade e resultados.
É isso que se passa também em Portugal ao procurar criar condições que permitam a obtenção de resultados internacionais de qualidade. 
E porque é essencial enfrentar essa realidade? Porque sem resultados internacionais qualificados não haverá dinheiro que sustente o rugby nacional: diminuirão os subsídios estatais ou da IRB e não haverá patrocinadores interessados se nos deixarmos reduzir a uma expressão sem notória dimensão ou relevância.
Daí a tremenda luta que o rugby português enfrenta no plano internacional, jogando com cada vez melhor preparados e mais profissionalizados adversários que colocam os nossos desafios em níveis muito elevados a que é necessário saber dar respostas através da melhor preparação competitiva.
Até agora Portugal tem, com sucessivas adaptações, conseguido manter-se num nível internacional reconhecidamente qualificado: pertença ao primeiro quarto - ultrapassando mais de setenta países - do ranking da International Board no rugby de XV; membro efectivo do grupo de quinze países da Sevens World Series. 
Mas os tempos estão cada vez mais difíceis e exigem atitudes cada vez mais adequadas ao nível do Alto Rendimento Desportivo - as equipas dos nossos adversários, seja no Union, seja no Sevens, promovem cada vez melhores programas de desenvolvimento competitivo. E quem não seguir a velocidade e souber integrá-la no seu cruzeiro, perderá o combóio e ficará no deserto da estação.
O desenvolvimento que o rugby conheceu em Portugal, a sua transformação, mostram-no muito diferente daquele que conheci, há meio século atrás, quando o adoptei como meu desporto. Vivi, como jogador, algumas mudanças e como treinador de clubes e de selecções vivi mudanças maiores que transportaram o "meu" jogo para níveis de rendimento desportivo que, sem perder a ética caracterizadora dos "magníficos dias", o transformaram na expressão excelente de um jogo colectivo de combate onde à força e velocidade se juntam técnicas de passe, de pontapé ou de finta em momentos que exigem a coragem de uma placagem, a inteligência de uma decisão, o empenho de uma conquista, o domínio de um território.
Chegado até aqui não gostaria de voltar ao retrocesso de um jogo de mero entretenimento social intervalado por um ou outro jogo julgado memorável a que, infelizmente, a velocidade da memória actual já não atribuiria qualquer estatuto relevante. E nós portugueses estamos, verdadeiramente, em risco de o ver acontecer...
Evitá-lo, se pretendemos mantermo-nos em consonância com o mundo que nos rodeia, é uma obrigação que se exige à comunidade rugbística nacional. Como? Mostrando-se capaz de interpretar a voz do tempo e perceber que os interesses de continuação na área do, digamos assim, "rugby social"  - o que pretende mais o divertimento do jogo do que as elevadas responsabilidades das exigências do treino - não é incompatível com o necessário e interessante mundo do Alto Rendimento. Apenas não são misturáveis no mesmo tempo e espaço e necessitam de campos distintos de expressão para que as adaptações exigíveis pelo Alto Rendimento não se arrastem com o demasiado peso de outras intensões. E nesta época de crise é essencial que a comunidade rugbística o compreenda e, rapidamente, aja em conformidade: separando o que é diferente e permitindo a expressão de cada uma das componentes no seu campo e espaço próprios.
Porque, de outro modo, voltaremos a um rugby assim-assim em torno dos eternos e consolidados oito clubes de sempre. E todo o esforço dos últimos anos como a formação de jogadores, criação de novos clubes, construção de novos campos, ampliação do número de treinadores credenciados, alargamento da modalidade ao espaço feminino irá, ao sopro da nossa incompreensão ou inércia, desabar como um castelo de cartas... ou como a casa dos três porquinhos.

terça-feira, 8 de abril de 2014

PERDER JOGOS GANHOS

O realismo necessário aos treinadores fá-los encarar com muita atenção o aviso: as derrotas ensinam, as vitórias escondem. Neste mesmo sentido avisa Bernardinho, o treinador brasileiro campeão do Mundo e Olímpico de voleibol, com a necessidade de evitar as armadilhas do sucesso. Distrações a que as vitórias nos podem levar.
É um facto: das derrotas, porque o entusiasmo das vitórias, retirando lucidez, mascara muita coisa, se pode aprender e perceber a causa, a verdadeira causa, das coisas. Para que seja verdadeiro o conceito de John Wooden, prestigiado treinador americano de basquetebol: pode-se ganhar, perdendo.
O rugby português, depois das recentes derrotas em quinze e sevens, deve analisá-las, percebê-las e utilizá-las para, atingindo a causa das coisas, poder evoluir e avançar para resultados competitivos positivos. De forma objectiva. Sem preconceitos ou ilusões. Sem lamúrias ou desenganos que não fazem campeões.
Os factos são estes: nos dois últimos jogos de quinze ou sevens a equipa de Portugal era vencedora: ao intervalo contra a Espanha em quinze, apostava-se, nas bancadas, numa diferença de trinta pontos; contra a França, em sevens e em Hong Kong, a vitória esteve segura até ao último segundo. Porque perdemos? Como foi possível deitar fora vitórias adquiridas? Que conjugação de factores transformaram as vitórias em derrotas? Que podemos aprender com isto? Que partido podemos tirar dos erros para emendar caminho e acertar na estrada do sucesso? Não fomos suficientemente ambiciosos? Ou fomo-lo demais? Não tivemos determinação suficiente num e noutro caso? Ou, pura e simplesmente, aliviamos cedo de mais e não respeitamos o adversário?
Sempre que ouço falar em espírito de equipa, em solidariedade colectiva, lembro-me dos irlandeses: oriundos de países diferentes, com religiões diferentes, não serão, provavelmente, os melhores amigos do mundo no seu dia-a-dia fora do campo de jogo. Mas dentro de campo ninguém deixa um companheiro para trás, todos se batem por um e pelo outro, por uns e pelos outros. Vivem e articulam-se no que chamam o fighting spirit. Solidariamente e garantido um todo maior do que a soma das partes. Soubemos nós fazer o mesmo no tempo em que entregámos a vitória? 
Primeira questão a aprender ou, melhor dizendo, a reaprender: ser empenhadamente solidários, ser uma equipa de mais quebrar que torcer, 
Suficiente, não! mas um bom princípio que exige humildade, conhecimento dos limites e capacidades de cada um e de todos e reconhecimento que um desporto colectivo de combate como é o rugby se resolve com o nós resultante de subordinados eus.
Cito Murray Kinsella: "Pouco importa quem é o treinador, quem quer que seja o presidente  e pouco importa a sorte que nos acompanha, se uma equipa não tiver a habilidade suficiente, não ganharão jogos". É para este campo, para o campo das habilidades - dos skills - que temos de olhar. E o passe e a placagem são essenciais, são técnicas básicas, são habilidades fundamentais. Sem as quais o jogo não é possível.
E nós portugueses passamos mal - temos dificuldades em estabelecer uma sólida relação passador-receptor: fixar adversários, passe na frente, abrir linhas de passe, entrar no passe, receber lançado numa panóplia de cumplicidades de linhas de corrida a surpreender adversários.
Placamos pior: muito braço em vez de ombros, preocupação demasiada com a bola em vez de ter o derrube do portador como objectivo - aliás só existe, legalmente, placagem se houver derrube do portador da bola - incapacidade de placagens ofensivas. Ao que deverá juntar-se um profundo conhecimento da interpretação internacional das Leis do Jogo - fazemos demasiadas faltas - nomeadamente no jogo no chão. E, na realidade, são os árbitros que definem o correcto, não os jogadores ou treinadores...
O nosso jogo ao pé, segunda prioridade mas de total importância, falha táctica e tecnicamente: cria poucos problemas ao adversário e é curto para conquista sustentada de terreno.
E depois destes gestos fundamentais há toda uma cultura táctica que tem que se traduzir no ataque, na conquista de terreno, impondo os nossos pontos fortes aos fracos dos adversários. Com bola e sem bola. "O rugby é isto: ganhar a corrida pela linha de vantagem", define Graham Henry o treinador All Black campeão do mundo. E essa corrida diz respeito a todos, de forma organizada, empenhada e articulada. Solidariamente.
Tudo isto, que temos falhado, resolve-se no treino. Transformando os treinos em espaços de prática e de repetição - "Repetição, repetição, repetição. Não quero saber quão bons se julgam os seus jogadores, eles não serão com certeza suficientemente bons.", como diz Eddie Jones, australiano e agora treinador do Japão - com objectivos claros de melhorar pontos fracos em diagnósticos permanentes de referência com o avanço do adversários - benchmarking, diz-se.
O salto qualitativo - com o pensamento longo em 2019 e o próximo em ultrapassar, no ranking IRB, a Espanha (será ela, não nós, quem estará presente em Junho na Tiblisi Cup com os Jaguares, Itália Emergentes e Geórgia) - que necessitamos, exige reflexão nas formas como vamos treinar os jogadores dos nossos principais clubes e como vamos enquadrar os jovens talentos nas Academias. Programadamente e com objectivos claros.
Reflexão, pensamento e criatividade, precisam-se. Com humildade na procura das soluções.

quarta-feira, 2 de abril de 2014

DIA DAS MENTIRAS

A tradição do 1 de Abril manda que se transmita uma mentira. Dia dos enganos como também se diz, é dia para enganar os outros numa espécie de demonstração que, nos restantes dias, vivemos sempre com a verdade. É a segurança optimista da moral a funcionar.

Como é óbvio não sei de nenhuma desistência inglesa sobre o Mundial. O que seria até uma pena porque é um Mundial à distancia de um salto... e, pelo andar das carruagens que as equipas têm mostrado, terá jogos a não perder.

A quem, desconfiado, sorriu, a vantagem desta tradição.

Mais que uma associação desportiva

 Dois treinadores e amigos - Henrique Garcia e João Pedro Varela - estiveram agora na Nova Zelândia em estágio junto dos Crusaders. Para além do muito que trouxeram na bagagem - algumas coisas bem interessantes e que espero adaptem (para que servem os melhores senão para aprender com eles?!) tão breve quanto possível ao nosso rugby - tiveram a simpatia de me trazer uma garrafa de Sauvignon Blanc da Canterbury Rugby Union. Será convenientemente bebida.
Ao olhar para o rótulo da garrafa, embora com a distância das diferenças político-culturais abissais que fazem do clube parte integrante e activa da história da Catalunha, lembrei-me - porque a frase na sua simplicidade dá jeito ao tema - do lema do Barcelona de ser més que un club. Também esta associação desportiva regional de rugby se mostra mais do que uma associação desportiva: tem - pelo menos - vinho como uma das suas fontes de receita.

terça-feira, 1 de abril de 2014

INGLATERRA DESISTE DO MUNDIAL

A Inglaterra decidiu, depois de ter analisado a última versão das contas finais dos Jogos - ao que parece estarão muito para lá do controlo optimista de que tinham feito publicidade -  desistir da realização do Mundial.

Face a esta situação e embora ainda de forma muito discreta, os responsáveis máximos da organização decidiram - pelo que se ouve aqui e ali - começar a analisar outras possibilidades.

Tendo como primeira prioridade a realização do Mundial na Europa, a hipótese óbvia estaria do outro lado da Mancha, em França. Surpreendentemente os franceses não parecem estar muito para aí virados - a experiência de 2007 não terá tido os melhores resultados: os  jogos das fases de grupo, praticamente sem espectadores - com excepção da equipa da casa, dos All-Blacks e de Portugal, que encheu três estádios - deixaram facturas de difícil resolução. Aliás é curioso que Portugal, de acordo com fontes que têm participado nas discussões, foi até colocado como peça importante para ajudar à decisão positiva: se ao menos Portugal se tivesse qualificado, seriam mais três jogos de estádio cheio, assim..., terá afirmado um dos responsáveis franceses presente nas reuniões.

Ao que se sabe as conversações vão continuar admitindo-se até a possibilidade de ser um consórcio de países europeus a organizar o Mundial, distribuindo-se os grupos pelos países europeus que qualificaram as suas selecções. Ou seja, as equipas europeias jogariam em casa.

A seguir... E com a esperança que não tenhámos que atravessar toda a Europa para poder ver um jogo ao vivo.

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