terça-feira, 30 de dezembro de 2014

ALTO RENDIMENTO E ESTRATÉGIA

O Alto Rendimento desportivo constitui o patamar mais elevado da competição desportiva em qualquer modalidade. E neste patamar a eficácia das acções, o seu resultado, constitui o indicador fundamental de análise da qualidade da prestação desportiva. 
O Alto Rendimento, tendo características próprias e tendo o resultado - o que não significa apenas vitórias - como determinante da sua condição, tem regras próprias que o distinguem da expressão de outras formas de competição desportiva. E este facto determina posturas distintas e formações diferentes de jogadores e de equipas.  
No Alto Rendimento todos os factores contam para o resultado final: a organização e logística, a preparação, o ambiente e envolvência da competição, a qualidade técnica, táctica e mental do grupo que forma a equipa, a forma de disputa da competição, os objectivos em vista e a adaptação ao curso e decurso dos acontecimentos. Adaptação que pode ir desde as viagens e tipo de transporte ao tipo de alimentação, aos novos horários e clima, às condições meteorológicas, aos terrenos e tipos de espectadores dos jogos, às vitórias e derrotas, etc. etc. e, factor decisivo, à sequência de jogos que o sorteio ditou. E para tudo isto é necessário encontrar respostas adequadas que potencializem as capacidades individuais e colectivas dos jogadores. 
Não é fácil o Alto Rendimento que, encontrando-se muitas vezes em patamares bastante superiores aos hábitos das competições internas, não pode ser encarado de ânimo leve. E, naturalmente, exige características próprias aos participantes. - não basta querer lá chegar... é preciso muito treino e preparação adequada.
O carácter dos protagonistas é decisivo para a boa prestação desportiva neste elevado nível competitivo. A cultura desportiva anglo-saxónica estabelece, dando de barato a existência de competências técnico-tácticas adequadas e numa trilogia de expressões de fácil entendimento, o tipo de carácter que se espera de protagonistas deste nível: fighting spirit, team spirit, killer instinct. Ou seja, ser de antes quebrar que torcer, de ter o "nós" muito acima do "eu" e ser capaz de, qualquer que seja a situação, antecipar a acção para garantir a vantagem sobre o(s) adversário(s).
E se a existência de um grupo de jogadores com esta atitude competitiva é parte do caminho do sucesso, falta ainda e para resolver as questões envolventes - no Alto Rendimento os pormenores marcam as diferenças - estabelecer uma estratégia que defina o caminho a percorrer.
A participação do VII de Portugal nas duas últimas etapas - Dubai e Port Elisabeth - da Sevens World Series é um bom exemplo demonstrativo da construção da estratégia. O principal objectivo da selecção portuguesa de sevens na World Series - uma vez que se reconhece a impossibilidade prática de classificação num dos quatro primeiros lugares que possibilitariam o acesso aos Jogos - é a de garantir a permanência como equipa residente. O que exige uma permanente atenção aos pontos de classificação geral a conquistar por cada etapa. 
A selecção portuguesa, no contexto actual das equipas residentes da World Series, é, fora o Japão, a equipa com menos torneios (76) disputados de todas as outras concorrentes - Gales com 97 e Estados Unidos com 94 são as mais próximas. Portugal, na época passada, classificou-se em 14º lugar com 26 pontos - os Estados Unidos em 13º lugar obtiveram 41 pontos e a Escócia, 12º lugar, obteve 61 pontos. A análise destes dados permite perceber que, salvo raríssimas excepções, a selecção nacional de sevens pertence ao grupo de equipas classificáveis entre as meias-finais da Shield e final da Bowl. O que permite estabelecer como objectivo mínimo a conquista de 5 pontos - 1/2 final da Bowl - por torneio para um total final, que se admite seguro, de 45 pontos.
Dado o posicionamento descrito, este objectivo pontual define como elemento estratégico crucial o primeiro jogo do segundo dia de competição. Vencê-lo, independentemente dos outros resultados, constitui a garantia de atingir o objectivo mínimo de 5 pontos.
No caso do Dubai, o VII de Portugal calhou num Grupo constituído por um "tubarão" - a África do Sul - e outras duas equipas próximas e equilibradas, Gales e Canadá. O que fazia supor, como aconteceu, que o segundo lugar que daria acesso à Cup - e ao mínimo de 10 pontos de classificação - seria decidido pela diferença de pontos marcados e sofridos. Situação que faria do jogo com os campeões África do Sul o jogo-chave, isto é, o jogo que iria definir em termos da soma de resultados a equipa que se classificaria em segundo lugar. O 36-0 então sofrido, se impediu o acesso à Cup, não impediu o 3º lugar que permitiu, no estratégico primeiro jogo do segundo dia, defrontar a equipa convidada e com menos experiência, o Brasil, e assim garantir o acesso à meia-final da Bowl e aos desejáveis 5 pontos.
Já em Port Elisabeth a situação apresentou-se de outra forma. O Grupo era constituído por dois "tubarões" - Austrália e Argentina - e outra, Zimbabue, equipa convidada e com menos experiência. O que dava a este jogo uma significativa importância porque, de novo, nos abriria a porta de acesso aos pretendidos 5 pontos. Infelizmente, o pior classificado do Grupo de cruzamento foi a França que utilizou este jogo na procura da sua redenção, vencendo uma irreconhecível equipa portuguesa. E assim, de pouco valeram os melhores resultados conseguidos comparativamente com os outros anteriores Torneios, os mais ensaios marcados e menos sofridos e o igual número de vitórias e derrotas: no final apenas 3 pontos de ranking, abaixo, portanto, do objectivo pretendido. Disfarçou a incapacidade a conquista da Taça Shield, esse óptimo factor de marketing mas de nulo valor desportivo. A uma evidente melhoria - ressalvando o "jogo estratégico" - correspondeu um pior resultado... 
Na próxima etapa de Wellington na Nova Zelândia, o VII de Portugal tem outra difícil tarefa numa série de dois "tubarões" - Austrália e Fiji - a que se junta Gales que, embora próxima, está a atravessar um bom momento (10º lugar com 25 pontos). Para garantir a possibilidade de compensar os 3 pontos da última etapa é necessário vencer Gales para defrontar nos 1/4 de final a equipa menos experiente da Papua Nova Guiné e procurar atingir a final da Bowl. O que significa que os resultados obtidos contra a Austrália e Fiji só têm importância naquilo que possam influenciar o jogo-chave com galeses. Tarefa nada fácil, mas não impossível para uma equipa com mais treino e já maior adaptação aos níveis elevados de competição.
Numa época de apuramento para os Jogos Olímpicos a gestão estratégica do VII de Portugal apresenta-se com dificuldades acrescidas: para garantir a maior capacidade competitiva no final da época para as fases de apuramento olímpico o ideal seria que a nossa manutenção no World Series estivesse garantida antes da disputa das duas últimas etapas - Glasgow e Londres. O que não sendo uma tarefa impossível é uma tarefa difícil que exigirá, para além do apoio focado e permanente de todas as partes que constituem o corpo do rugby nacional, o eficaz aproveitamento - traduzido em pontos - de qualquer sorteio favorável durante o decorrer da época.  Sendo ainda bom lembrar que em Fevereiro/Março se disputa a época internacional de XV onde o objectivo mínimo exigível será o da manutenção no Grupo com vista à disputa do apuramento para o Mundial de 2019. 
Frentes de exigência - em VII e XV - que não permitirão distrações ou outros argumentos que não sejam os fundamentos do Alto Rendimento. Que, aliás, devem ser aplicados quanto antes ao campeonato interno de XV para garantir que a sua competitividade - fraca como traduziu a recente derrota do CDUL na Taça Ibérica - se aproxime o máximo possível do nível internacional onde Portugal compete.
É difícil e complexo o Alto Rendimento...

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

NATAL 2014


quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

SIMPLICIDADE E EFICÁCIA


Brian "Aussie" McLean ajudado por Henrique Rocha na aula aos treinadores portugueses.
Foto jpbessa/ iPhone
O papel de um treinador é tornar simples aquilo que é complexo. Este o conceito inicial das diversas mensagens que Brian "Aussie" McLean, treinador assistente dos All Blacks, foi deixando ao longo da semana que passou em Portugal nos contactos que teve com jogadores e treinadores portugueses. Simplicidade foi o lema - fazendo-me lembrar sempre o célebre KISS (keep it simple, stupid) que se exige a quem queira a compreensão dos outros para aquilo que quer comunicar. Porque, como avisa, o rugby não é nada simples e é, pelo contrário, bastante complexo e nem sempre, com as suas 22 Leis, de fácil compreensão.
Ver jogar os All Blacks é perceber a importância decisiva na sua eficácia do domínio simplicidade: tudo é simples, as decisões são simples, as soluções adoptadas são simples. Tudo porque por trás do visível está um trabalho profundo de simplificação que, tendo como fundamento a aplicação constante dos Princípios Fundamentais do Jogo, é de permanente aplicação, começando desde logo pelo treino. Aliás este processo, alterando e adequando um ou outro aspecto, tem longa tradição no ensino e desenvolvimento do jogo neozelandês. Quando tive a sorte de estar uma série de dias com os All Blacks, durante a sua digressão por França ao tempo do treinador Laurie Mains, aquilo que me impressionou (e mais me ensinou) foi a simplicidade das formas de treino, sempre ligadas às situações de jogo e tendo como objectivo resolver questões do jogo - conseguindo como resultado, para além do domínio técnico, um domínio do conhecimento táctico que faz a diferença. Aí pude ver o que Aussie veio repetir: joga-se de acordo com o momento que o jogo dá. E portanto treina-se de acordo com o jogo que se pretende jogar - cumprindo aliás a verdade universal do treina-se como se joga, joga-se como se treina.
A habitual trilogia - três parâmetros por acção - foi também lembrada por McLean. Cada exercício deve ter como dominantes a clareza, a precisão e a intensidade. A clareza exige que toda a gente perceba o que se pretende, a precisão é necessária porque, como lembra outro treinador australiano campeão do Mundo, Bob Dwyer, no seu "só a procura da perfeita execução permite chegar á perfeição", só assim se atinge o objectivo pretendido. Por outro lado, a intensidade é a variável que exige um controlo diferenciado de acordo com as circunstâncias e objectivos momentâneos do treino.
As decisões tomam-se de acordo com a informação disponível mas no desporto em geral e no rugby em particular a pressão que a velocidade impõe exige, desde logo e mais do que noutros espaços, a diminuição do número de opções - se as opções forem muitas, as dificuldades de decisão aumentam e o tempo justo de intervenção perde-se numa encuzilhada de interrrogações. Daí que seja necessário recorrer a uma espécie de cábulas que permitam aos jogadores focarem no essencial - nos factores críticos transformadores, nos critical few - e não se distrairem com trivialidades.
Uma trilogia, diminuindo opções e com o aviso de Aussie de que mais de três opções não serão lembradas pelo jogador no momento da acção - voltou à cena e foi de novo utilizada como ferramenta para que os treinadores possam ensinar melhor os jogadores a encarar as situações de quebra no chão (breakdown). À aproximação do ponto de quebra provocado pela defesa adversária, o primeiro apoiador terá que se decidir por uma de três opções, perguntando-se - no clique de um olhar - por esta ordem e reagindo de acordo: o portador pode passar-me a bola? a bola está disponível? existem adversários ameaçando a posse da bola? Cada resposta deverá garantir que a decisão tomada mantém a posse da bola para continuar o movimento - cumprindo assim os Princípios Fundamentais de Apoio e Continuidade para poder levar a equipa a Avançar e a ampliar a Pressão, desequilibrando o adversário - e assim, preparar-se para a melhor linha de passe para receber a bola ou para apanhar a bola e continuar com ela ou, ainda, para limpar os corpos adversários e permitir que os seus companheiros apanhem a bola. Simples e eficaz com tudo a depender do tempo de chegada do apoio, mas sem dúvidas sobre a decisão a tomar, sobre qual técnica utilizar ou sobre o porquê das coisas. 
Dir-se-á que nada do que se ouviu é novidade ou desconhecido. Claro, que não! Novidade é a forma simples como todo este conhecido manancial se transforma em método a exigir, para que o desempenho atinja os resultados pretendidos, não apenas saber o que se pretende - o objectivo - mas, essencialmente, saber que caminho percorrer para lá chegar. E Brian McLean, em cada exercício, em cada explicação, deixou claro as exigências que se colocam aos treinadores para a eficácia dos seus treinos e desenvolvimento dos jogadores. E com uma garantia fundamental - os melhores do Mundo treinam assim. 

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