segunda-feira, 13 de novembro de 2023

HÁ QUE FORMAR DIFERENTE

Com uma segunda derrota consecutiva em jogos em casa — a primeira num jogo que não se deveria ter realizado por razões óbvias da brutalidade de violação dos direitos humanitários na guerra Hamas-Israel — os Lusitanos, ao perderam com os georgianos dos Black Lions por 22-0, colocam-se em difícil posição para terem acesso às meias-finais do Rugby Europe Super Cup 2023 porque terão, na última jornada da fase de grupos, que jogar em Valladolid contra os Castilla y Leon Iberians. E a dificuldade principal surgirá superior se a equipa não fôr constituída com um cuidado maior do que aquele que estas duas equipas aparentaram.

Neste jogo contra os georgianos, os Lusitanos apresentaram uma equipa formada por 23 jogadores de 8 clubes — 3 de Direito (1º DHonra),1 do Benfica (2º DHonra), 4 do CF Belenenses (3º DHonra), 4 do CDUL (4º DHonra), 3 de Agronomia (5º DHonra), 5 do Cascais (9º DHonra) e 1 do Stade Auralliac (PROD2, França). O que mostrou o esperado: com uma base onde muitos jogadores não mostraram ter a preparação/formação técnico-táctica necessária para as exigêncas deste nível competitivo a equipa mostrou-se pouco coesa e com pouca articulação entre sectores mas muita incapacidade para resolver os problemas do jogo de forma colectiva. E assim, sem um mínimo de ferramentas, não é possível ganhar a pretendida experiência de que necessitarão para atingir outros vôos de maior responsabilidade.



De facto como é possível perder um jogo pela diferença de 20 pontos tendo a vantagem da posse com 60% sobre 40% do adversário, realizando 183 passes contra 94 do adversário, criando 7 rupturas da linha defensiva sem que o adversário rompesse alguma vez, para, no fim, sofrer 4 ensaios e uma transformação a somar 22 pontos e a que se podiam juntar mais 7 se o pontapeador georgiano não tivesse deitado fora 3 pontapés. A estes domínios negativos junta-se ainda a má conduta  disciplinar com diversas faltas nas formações-ordenadas (pilar direito)  e no jogo-no-chão. Umas e outras por óbvias falhas na preparação técnica mas que possibilitaram “penalti-touches” que foram bases de ensaios.


Mas com esta vantagem na posse que proporcionou uma vantagem de 89 passes e de 7 quebras-de-linha como foi possível não marcar pontos? —diga-se que houve uma jogada que terá praticamente possiblitado um ensaio que foi anulado por falta no último momento, mas, mesmo assim, foi muito pouco. 


O que aconteceu foi evidente: incapacidade para ser eficaz com as conquistas de bola obtidas. E porquê? Porque temos a ideia errada que o importante é jogar bonito — traduzido muitas vezes em passes laterais sem conquista de terreno — quando, pela necessidade absoluta de avançar, se exige a eficácia da ultrapassagem da linha defensiva com conquista da linha-de-vantagem. Mas os números dizem que rompemos por 7 vezes a defensiva adversária — e, perguntará quem não viu o jogo, como é que assim não conseguiram marcar? Porque o apoio, por falta de sentido colectivo e capacidade de antecipação, nunca chegou em tempo útil para encadear.


E nestas aparências de um jogo tido por bonito fica a dificuldade de um futuro risonho se não houver a formação necessária que transforme o jogo português. Porque no Rugby ganha-se avançando e marcando pontos para o que é necessário ser eficaz de acordo com o objectivo pretendido. E por isso os princípios a cumprir: conquista, avanço e apoio para pressionar a defesa.


E é necessário alterar o conceito defensivo! Os georgianos fizeram 161 placagens e os Lusitanos apenas 77 com 81% de sucesso contra 91% dos Black Lions. E então, tem algum significado especial o facto da equipa que ganhou ter placado mais do dobro da derrotada? Tem! A equipa portuguesa continua agarrrada à ideia da defesa deslizante  — a que já não pertence a este tempo como diz o analista neozelandês Nick Bishop — enquanto que os georgianos — e o seu treinador assim o disse — já estão num patamar superior da defesa utilizando a versão contemporânea do “rush”. Ou seja, a equipa portuguesa defende com a preocupação do posicionamento dos adversários atacantes que tem na sua frente cedendo terreno e, ao deslizar  — defendendo assim ao homem — para evitar placadores ultrapassados ou fixados por corridas interiores dando, portanto, tempo ao ataque adversário, enquanto que os georgianos defendem à bola, atacando o portador e subindo tão rápido quanto possível e de forma invertida — pelo avanço externo do 2ºcentro — fechando os espaços de circulação e procurando placar o portador da bola, obrigando-o a ir ao chão, parando o movimento e, numa placagem mais ofensiva, possibilitando a recuperação da bola por um dos companheiros defensores mais próximos ou, ainda, pela pressão imposta com diminuição do terreno de acção e do tempo de execução, procurando levar o adversário a correr riscos em passes difíceis, levando a um mau controlo da bola ou a fazer adiantados com a consequente conquista da bola. Isto sem falar que, quando portadores da bola, continuámos a ignorar a lição de Nun’Álvares Pereira que ensinava que “a manobra precede a colisão”. E no jogo português existe uma tendência para, do nada, tentar impôr a colisão no que, normalmente, resulta a paragem do movimento com ida para o chão com a consequente reorganização defensiva.


É vital, como os jogos de cada fim‑de‑semana vão mostrando, alterar a formação do jogador português, começando por fornecer aos seus treinadores os instrumentos necessários.


Entretanto, neste mesmo fim-de-semana, duas vitórias das selecções de U18 — vitória sobre a Roménia por 22-15 e da U20 que derrotou a Polónia pelo resultado de 122-0. Este último resultado demonstra mais uma vez o pouco cuidado que a a Rugby Europe tem em relação aos princípios da competição desportiva. No Desporto existem categorias para garantir um equilíbrio competitivo que não permita vencedores antecipadamente certos. Um jogo com esta diferença de resultado não serve para nada a qualquer das equipas…não testa ninguém e não dá experiência nem conhecimento, seja a quem fôr. Uma perda de tempo.




segunda-feira, 6 de novembro de 2023

CARTA ABERTA DE CAPITÃ PARA CAPITÃO

Olá Tomás, 

Eu sou a Daniela, capitã da Seleção Nacional Feminina de Rugby XV. Tal como tu, represento um grupo de atletas que nutre uma grande paixão pela nossa modalidade e que, apesar de ter pouca expressão no nosso país, não se deixa desmotivar. Aliás, estou certa de que a motivação poderá ser mesmo a grande impulsionadora de muitos feitos e conquistas, uma vez que ambos sabemos como é difícil ser atleta de Rugby em Portugal, representar o país e ter de gerir de forma exímia os vários papéis que desempenhamos na vida. Já para não falar na gestão e investimento financeiro que nem sempre corre a nosso favor. Ambos sabemos disto, mas talvez existam algumas outras coisas sobre as quais eu precise de te falar.

Há uns dias acordei inundada de partilhas e publicações sobre um podcast onde terias estado. Fui ouvir. De início ao fim. E a verdade é que não posso esconder alguma desilusão e, mais do que isso, incompreensão. Esta carta não pretende ser um pelourinho de castigo. Apenas me voluntario como porta-voz de uma comunidade, cada vez maior, para mostrar o nosso desagrado (sendo que não nos revemos nem nos identificamos com algumas das tuas afirmações) e poder deixar a perspetiva de quem vive e joga rugby no feminino. 

Depois de algumas das tuas palavras é legítimo que os comentários sobre o rugby feminino sejam algo parecido com “É de loucos como elas vão para dentro de um campo no meio de cabeçadas, placagens e com lesões sempre à espreita”. Mas as tuas próprias palavras são também capazes de nos ajudar a explicar algo que nos parece óbvio no meio desportivo, já que “se calhar, para nós, não é assim tão arriscado porque treinamos muito aquilo”. 

A certa altura falavas sobre as diferenças físicas entre a Seleção Portuguesa e outras equipas presentes no Mundial de Rugby. Dizias “Não vamos jogar como se tivéssemos a capacidade física das Fiji, ou da Geórgia...” e continuavas explicando de forma simples o modelo de jogo da seleção. Nesse momento, para mim foi inevitável transportar-me para o panorama feminino e para todos os argumentos que tendem a não validar o rugby para as mulheres: Uma  mulher também não procura jogar como se tivesse a capacidade física ou a estrutura de um homem. Usamos as nossas características e jogamos o nosso rugby. Simples... mas, aparentemente, pouco atrativo. 

Mas o que é que define, na realidade, um jogo atrativo? Um jogo bonito de se ver, que entusiasme, que nos deixe presos ao ecrã e que levante estádios? Certo, mas então o que seria de tantos outros desportos se esta fosse a premissa de encorajamento? E como poderá um desporto crescer e tornar-se atrativo com esta “publicidade”? Difícil de responder talvez... “Mas por outro lado tu pensas, quando chegas a (...) finais e etc, tu queres é ganhar”. E embora joguemos bonito também, nem sempre estamos lá para isso, queremos é ganhar, e nisso posso garantir que somos tão acérrimas e competitivas como vocês. 

Mas não deixamos de ser mulheres, e sendo o rugby um desporto tendencialmente caracterizado como masculino talvez seja preciso uma maior divulgação e incentivo para que mais meninas e mulheres conheçam o rugby e possam elas decidir se gostariam de jogar ou não. Talvez a evolução e crescimento do desporto, no geral, passe por este pequeno detalhe incluviso, tão particular.  

Compreendemos que as questões culturais, no nosso país, também influenciam a visibilidade do rugby. Mas sabemos também que esta é uma modalidade em constante evolução, que se adapta e reinventa, como bem referiste na entrevista. O rugby tem acompanhado os novos tempos e as necessidades dos atletas, por isso, a questão é: queremos mesmo ficar para trás e olhar apenas para o desporto masculino?

A cultura é tudo aquilo que a humanidade acrescenta à natureza, e a natureza do rugby está assente em valores muito convictos. O respeito ajuda-nos a aceitar e ver a diversidade como um acrescento necessário: existirão certamente poucos desportos tão inclusivos como o rugby, onde basta olhar para uma equipa para ver como há lugar para diferentes corpos e habilidades. Não será dificil então perceber que a estrutura feminina pode facilmente adaptar-se à exigência do desporto, como em outra qualquer modalidade. Indo mais longe, talvez faça mais sentido falar em resiliência e paixão, ao invés de masculinidade, quando nos impressionamos com “cabeçadas” e “narizes partidos”. E poderia continuar a listar mais valores, que encaixam tão bem em homens como em mulheres, porque para além do que o “rugby traz ao corpo” é sobre tudo isto que o rugby traz à mente... Mas tenho a certeza que os conheces bem, por isso a minha questão é, porquê? Bem sei que o momento apelava às tuas opiniões, num ambiente descontraído e sincero, mas saberás tão bem quanto eu que enquanto capitães, líderes, representantes de algo maior do que nós, o que dizemos tem impacto e pode gerar consequências. Num momento tão importante para o Rugby, no momento com mais visibilidade dos últimos anos, foram aquelas as melhores considerações que decidiste partilhar sobre o rugby feminino? Numa altura onde todos os holofotes apontam para os Lobos, foi aquele o contributo que quiseste dar ao rugby feminino? Sabemos que foi uma pergunta muito concreta e que, a par disso, na resposta reservavas-te claramente ao direito de dizer o que realmente pensavas, mas sendo tu também atleta deste desporto pouco valorizado por cá, tendo também passado por provações e desafios para jogar e representar o país, esperava um pouco mais. Um pouco mais de empatia por quem ama a mesma modalidade, se sacrifica por ela e que, no fundo, só quer o mesmo que tu: jogar. 

Nunca ninguém vai gostar de ver rugby feminino se nunca tiver tido essa oportunidade ou se nem sequer souber que existe rugby feminino em Portugal. Da mesma forma que ninguém vai querer ver rugby se essa cultura não existir em Portugal, e assim permanecerão as bancadas da DH intervaladas de espectadores. A proporção, as massas, o investimento, o retorno são tudo palavras importantes neste jogo da visibilidade, mas a responsabilidade também é nossa, que somos da casa, que somos do rugby. 

Num país onde sabemos qual é o desporto rei, torna-se inevitável a comparação. Nunca ninguém gostou de futebol feminino, não se conheciam as equipas nem os calendários: “Não é igual”, “Não é atrativo”, “É lento”... No último verão houve quem acordasse mais cedo para ver a Seleção Nacional Feminina de Futebol jogar no Mundial. Ouviram-se fartos elogios e abusou-se da preposição simples “até” antes do verbo “gostei”. Uma abordagem bem analítica para que percebamos com rigor que a aposta e a divulgação fazem crescer. Trazem responsabilidade e compromisso também e, no limite, as atletas tornam-se melhores e os jogos... atrativos. Hoje emitem-se jogos nos canais generalistas e até já se sabe o nome de algumas jogadoras. Porquê? Porque houve interesse e oportunidade.

Não querendo fazer publicidade ao patrocinador oficial que acompanha o futebol feminino, não poderia dar mais razão ao slogan que escolheram: “O Mundo já está a mudar o Mundo”. E o mundo somos nós, Tomás. Sou eu, que jogo rugby há 15 anos e que me dedico à modalidade para deixar um legado para as novas gerações; é a Joana de 14 anos que treina todas as semanas com as seniores sabendo que não vai jogar no fim-de-semana, porque não tem idade, nem no seu escalão porque no clube não existe, mas ela não desiste;  é o irmão que leva os primos e os amigos a experimentar um desporto “diferente”; é o professor que leva uma bola “estranha” para a aula para que todos, rapazes e raparigas, conheçam o rugby; és tu, que podes falar sobre o nosso desporto com câmaras e microfones apontados a saber que te vão ouvir, pensar sobre o que vais dizer e, quem sabe, influenciar alguém. 

Espero, honestamente, que o Mundial tenha sido um bom trampolim, não apenas de sonhos, mas de concretização, mudança e evolução. Espero que, tal como referiste, existam “milhares de miúdos” que comecem a jogar rugby por vossa causa. Mas espero também que as crianças, jovens e famílias consigam ver um bocadinho mais além. Pois acredito que um pai ou uma mãe, depois de ouvir as tuas palavras , dificilmente considere que o rugby poderá ser um bom desporto para os seus filhos, pois em tenra idade as diferenças não são gritantes e o que não será benéfico para uma menina, dificilmente será para um menino também. 

Apesar das dificuldades, e da pequena janela de oportunidades e recrutamento, o rugby feminino vai continuar a lutar pelo seu lugar, que tem vindo a ganhar cada vez mais visibilidade, tanto nacional como internacionalmente. E ambicionamos, sim, percorrer o caminho do rugby masculino, que para nós têm sido uma referência. Mas precisamos de tempo, ajuda, investimento e, sobretudo, uma boa publicidade!

De capitã para capitão, espero que esta carta tenha sido útil para criar, pelo menos, uma reflexão sobre o impacto que as tua palavras poderão ter no desenvolvimento do rugby. 

A todas as meninas e mulheres que queiram experimentar o rugby, a porta está aberta.

Tomás, a ti, fica feito o convite para assistires a mais jogos de rugby feminino.

Daniela Correia

domingo, 5 de novembro de 2023

50 ANOS DO RUGBY CLUBE DA LOUSÃ


 Muitos parabéns José Redondo pela excelente obra! 



sexta-feira, 3 de novembro de 2023

VITÓRIA DA DEFESA


Uma final de uma competição desportiva é isto: tensão, dramatismo, resultado indeciso até ao fim. E o título mundial, pela quarta vez (1995,2007,2019,2023) em oito presenças, foi conquistado — num 12-11 sufocante — pela África do Sul que mostrou resiliência, força mental, organização, disciplina e vontade de ganhar que os tornou capazes de resistir aos ataques dos neozelandeses que tiveram a posse da bola em 60% e o domínio territorial em 53% do tempo de jogo e ainda com 66% de posse nos últimos 10 minutos do jogo. Mas, ao jogarem 63’ com 14 jogadores por amarelo a Shannon Frizell (3’) e expulsão do capitão Sam Cane (27’) contra 17’ com 14 jogadores do lado sul-africano por amarelos ao capitão Siya Kolisi (45’) e a Cheslin Kolbe (73’), os neozelandeses acabaram por diminuir a eficácia da utilização adequada dos seus pontos fortes.


E quando o árbitro Wayne Barnes — formando equipa com os seus assistente, um TMO e um Bunker, que não formaram um conjunto propriamente brilhante — deu o jogo por terminado, o meu pensamento foi directo para Nelson Mandela que, com a sua estratégia de inclusão em 1995 conseguiu a primeira conquista de um Mundial e estabeleceu os princípios que transformaram uma equipa dominada pelo segregacionismo racial do pensamento africander numa equipa representativa e reconhecida por todo o povo sul-africano, permitindo a presença efectiva de jogadores negros, chegando, em 2019 e até hoje, a entregar o capitanato ao negro Siya Kolisi. O Desporto, mesmo se de Alto Rendimento onde acima de tudo conta o resultado, é tão inclusivo que permite situações que noutros momentos parecem improváveis ou mesmo impossíveis como o facto de, no final do jogo, adversários em cavaqueiras de amizade a que juntavam a apresentação de filhos uns aos outros numa clara demonstração de que a ética desportiva se constrói e vive dentro dos terrenos desportivos.  


Como se esperava, esta final foi um excelente espectáculo demonstrativo de estratégias e tácticas diferentes mas ambas altamente efectivas como foi a superdefesa que as duas equipas mostraram — os Springboks realizaram 209 placagens com uma percentagem de sucesso de 80% contra 92 placagens e uma percentagem de sucesso de 78% dos neozelandeses. Com estilos diferentes — a África do Sul a defender (rush defense) com grande velocidade de saída e muita intensidade (e alguns fora-de-jogo…) mas com a necessária interligação para cortar espaço e tempo e que lhes permitiu conquistar 7 turnovers contra apenas 2 dos adversários, provocando ainda um atraso superior a 3 segundos na disponibilidade da bola em 63% dos 115 rucks conquistados pelos neozelandeses. E até pela inferioridade numérica em que estiveram na maior parte do tempo os AllBlacks, defenderam com subida mais lenta, dando tempo ao movimento adversário mas garantindo que se podiam adaptar ao movimento dos atacantes sem bola e deslizar em tempo para colmatar a falta de um jogador. E se houve, para os dois lados, possibilidades de ensaio, ambas as defesas foram capazes de resolver qualquer dos problemas criados. E nem os neozelandeses foram capazes de garantir, para além do ensaio de Beauden Barrett (58‘), a exploração eficaz que tinham demonstrado na marcação dos seus 49 ensaios mundiais. E isso aconteceu devido à forte presença da defesa sul-africana que, ao encurtar os espaços de manobra neozelandesa, obrigou a riscos, levando a assintonias e aos consequentes falhanços. O que, no entanto, não impediu os AllBlacks de fazerem as despesas do jogo, proporcionando, apesar da chuva e frio intensos, a alegria e os aplausos das bancadas por diversas vezes. 

 

Do lado sul-africano viu-se o esperado: correndo um único risco no recurso à composição do banco em 7-1 — sem médio-de-formação e talonador suplentes — o constante — usando o factor colisão praticamente só quando dentro da área-de-22 adversária — foi o uso do jogo ao pé na procura da ocupação do campo adversário com a consequente conquista de território que convidava os neozelandeses — sabendo que são confiantes para isso — a lançar o ataque desde a sua área de 22, obrigando assim os AllBlacks a um enorme desgaste físico que lhes permitia à medida que o tempo passava, uma mais fácil organização e eficácia defensiva ou até a recuperar a bola dos possíveis pontapés a que os AllBlacks eram obrigados. E com menos campo a percorrer — no rugby o essencial é avançar, correndo para a frente porque o tesouro está lá ao fundo, na área-de-ensaio adversária — os Springboks voltavam ao seu território preferido: a área-de-22 adversária. 


Os sul-africanos souberam portanto e através de uma bem estudada táctica, colocar os seus pontapés (38, com 12 para fora, contra 34 dos AllBlacks que chutaram fora 16) nas alas laterais — Jordan foi um alvo óbvio — sobre os menos aptos captadores de bola neozelandeses, atrasando ou mesmo impedindo a temível organização ofensiva neozelandesa. 


Embora com um jogo mais agradável de ver — jogo atacante de movimento com os passes e apoio penetrante variável necessário à exploração de intervalos em linhas-de-corrida ora convergentes, ora divergentes— os neozelandeses foram encurralados de tal maneira que não conseguiram tornar a sua posse e domínio territorial em vantagem numérica de resultado. E talvez tenham cometido um erro — numa leitura pouco habitual do valor percentual de hipóteses (perdiam apenas por um ponto) — ao não terem chutado aos postes nas penalidades que trocaram por tentativas, que se mostraram falhadas, de penalti-maul… No fundo, uma final de cortar a respiração com um vencedor meritório e com muito para analisar sob o ponto de vista estratégico e táctico.


E é claro que, olhando o jogo do alto da bancada — que tiveram 80 065 espectadores — a defesa levou a melhor. Mas para que a defesa ganhe jogos é preciso que o ataque marque mais pontos do que o adversário. E o que torna possível que esta estratégia restritiva, mas inteligente dadas as forças em presença, dos Springboks acabe a vencer — num terceiro jogo pela diferença mínima mas derrotando 3 das principais candidatas e só perdendo para a Irlanda— é um pé como o de Handré Pollard que transforma a capacidade defensiva e o espírito competitivo colectivo dos seus companheiros em pontos vitoriosos, marcando as 4 penalidades conseguidas no meio-campo AllBlack. Havendo um pé como este de Pollard a defesa pode vencer. Como aconteceu e como vimos. Numa demonstração de coesão colectiva e disciplina cumpridora do plano de jogo.


Nota: Dada a actual situação de conflito — onde são mortas, numa brutalidade sem nexo numa violação bárbara do direito internacional humanitário, civis inocentes, nomeadamente crianças, num inegável mas desproporcionado direito de defesa — não me parece que o jogo de sábado, a contar para a Rugby Europe SuperCup 2023/2024, entre os Lusitanos e uma equipa israelita, deva ser realizado. Por respeito para com os mortos e numa demonstração de apoio a um cessar-fogo imediato. É de uma guerra que se trata e o Desporto não é, não pode ser, neutro.

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