terça-feira, 28 de julho de 2015

COMBINAÇÃO EXEMPLAR

Uma combinação é boa quando obriga o adversário a tomar decisões e o
coloca em inferioridade

Não é usual, tão próximo que está o Mundial, ver selecções a “mostrar” novas combinações como o fez a Nova Zelândia no recente jogo contra a África do Sul. Mostrando por um lado que a vitória em cada jogo tem, pelo aumento da confiança que  proporciona, grande importância para as futuras prestações competitivas da equipa e, por outro, que mesmo ao permitir o reconhecimento da combinação ela, pela qualidade e número de hipóteses que permite, manterá a sua eficácia. Negativamente apenas noto um ponto nesta apresentação: os adversários terão tempo suficiente para também as incluir no seu arsenal.

Uma combinação atacante é constituída por um determinado número de acções de diferentes jogadores que exigem uma tomada de decisão dos jogadores defensores, obrigando-os a sair da sua jogo de conforto e proporcionando assim a exploração eficaz da utilização da bola. Para o que é necessário que sejam colocadas dúvidas suficientes aos defensores e que, portanto, a combinação tenha mais do que uma solução de acordo com o movimento dos defensores. E a combinação no alinhamento All-Black que proporcionou o ensaio ao capitão Richie McCaw é exemplar.

Trata-se de um alinhamento a 5 metros da linha de ensaio sul-africana onde, por norma, o maul dinâmico é pesadelo recorrente. Mas o seu recurso directo - impondo um força-contra-força absoluto - é pouco inteligente e nem sempre é eficaz porque permite que a defesa se organize e contrarie. É necessário criar uma qualquer diversão para que a dúvida se instale nos defensores e, assim, respondam erradamente ou com atraso.

Os neozelandeses colocaram cinco jogadores no alinhamento com McCaw no lugar de “formação”, deixando pairar no ar a procura do maul dinâmico. E assim fizeram: no tempo definido quatro jogadores movem-se para o final do alinhamento e levantam um saltador. Simultaneamente, o seu primeiro jogador, um pilar, mostrava à evidência que queria receber a bola, pretendendo que o seu adversário directo mantivesse a regra do espelho. Naturalmente que a estes movimentos neozelandeses, os sul-africanos responderam cumprindo o esperado: mantiveram um jogador na frente a cobrir o pilar adversário e deslocaram, em cobertura do possível maul dinâmico, os quatro jogadores para o final do alinhamento. Ficou assim um espaço livre de defensores que foi eficazmente explorado pelo lançador e por McCaw para chegar ao ensaio.

Para ser eficaz, garantindo a dúvida permanente aos defensores, esta combinação exige que três jogadores estejam preparados para receber, em qualquer momento, a bola em condições da sua melhor utilização: o saltador (no final), o pilar (na frente) e “formação” (no meio). Exigindo ainda que os outros três jogadores cumpram a tarefa de deslocamento e levantamento do saltador em tempo útil e, depois disso, se aprestem a apoiar o portador da bola. Ao lançador - normalmente o talonador - caberá a decisão de colocar a bola no jogador que promete maior eficácia. Ou seja: a combinação exige técnica - lançamento variado e captação pouco ortodoxa, domínio táctico com leitura correcta, coordenação de diversos jogadores e atenção a “o que vai acontecer a seguir?” e focagem no objectivo comum, o ensaio.

Perante isto que podem fazer os defensores? Pouca coisa.

Se o defensor da frente vier fechar o intervalo entre o primeiro adversário e o bloco de salto, a bola será enviada para o pilar que terá uma corrida fácil para parar na área; se o defensor do meio ficar a fechar o intervalo e o primeiro defensor se mantiver, uma imediata superioridade numérica ficará criada no bloco de salto - 4 contra 3 a que se acrescentará o “formação” - permitindo um avanço em maul dificilmente parável; se o intervalo estiver aberto - o que aconteceu no jogo - a defesa ficará a cargo de um jogador parado contra outro em movimento. 

Jogadas desta natureza com diversas soluções que colocam dilemas de muito difícil resolução para os defensores, são as combinações que mais interessam procurar para uso das equipas. Obviamente que exigem, desde a sua criação até ao momento de utilização em competição, muito trabalho em treino, quer sem e com oposição, para garantir que as decisões tomadas e as técnicas utilizadas não “queimam” a oportunidade. O que significa responsabilidade individual e colectiva.
Pelas hipóteses de melhor decisão que coloca, esta combinação é melhor e mais interessante do que a que vimos a Gales com 13 jogadores no alinhamento e de que resultou um ensaio por maul dinâmico precisamente contra os All-Blacks. A combinação galesa, ao não deixar praticamente jogadores fora do alinhamento, mostra, desde logo, ao que vem. E permite adaptação defensiva do adversário. Por isso sempre preferi - e assim utilizei na selecção nacional - o alinhamento de 11 jogadores com 2 jogadores nas linhas atrasadas e no lado aberto do campo que, caso os defensores seguissem a “lei do espelho”, teriam uma largura de 50 metros para vencer os 15 metros que distavam para a área de ensaio. 
Combinação exemplar esta mas onde, como em qualquer outra combinação, tudo passa pela boa técnica individual, pelo domínio táctico individual e pela coordenação colectiva. E, é claro, pela decisão: objectiva, responsável e precisa. Grande ensaio!


Nota: o Gonçalo Malheiro encerrou a sua carreira de jogador. Felizmente, para o rugby português e para os seus amigos, não irá abandonar a modalidade. Chutador exímio - o Maradona dos Clérigos - notável leitor da movimentação adversária, jogador de grande criatividade, Malheiro era, na sua posição de "abertura" uma enorme dor de cabeça para os adversários. Tinha a característica que Valdano considera como marca dos grandes jogadores: criava problemas aos adversários e encontrava soluções para os companheiros. A juntar a estas qualidades somava ainda excelentes qualidades de nobreza de carácter - conheço-o bem, fui seu treinador na selecção nacional. Um abraço.



quarta-feira, 22 de julho de 2015

DANIELA CORREIA, A DEOLINDA


A expectativa da Deolinda imediatamente antes da certeza
Portugal-Itália, Repescagem Olímpica Feminina
Foto, num notável instante decisivo, de Luis Cabelo

Com um monumental pontapé de ressalto do limite lateral direito do campo a Deolinda - uma das minhas afilhadas rugbísticas do Sport Clube do Porto - definiu a diferença para a Itália no jogo decisivo - o primeiro do 2º dia - que levou à classificação da selecção portuguesa feminina de sevens para a Repescagem Olímpica Mundial

sábado, 18 de julho de 2015

CARTA PARA O VII FEMININO DE PORTUGAL

Foto Rugby-Europe

Queridas jogadoras do VII Feminino de Portugal

Sei que não é fácil a vossa tarefa. mas sei também, porque conheço o vosso valor, que o vosso espírito guerreiro de antes quebrar que torcer vos vai permitir uma participação nesta Repescagem de Apuramento Olímpico Europeu de grande qualidade.

A vossa experiência não é tão grande quanta a de outras equipas mas a vossa vontade, o vosso sentido de responsabilidade, permitirá ultrapassar dificuldades e obstáculos.

O sonho com que encarámos as coisas em que nos metemos, nomeadamente os sonhos desportivos, passeiam nas nossas cabeças e é aí que começa a sua materialização. Sei que - e muito naturalmente - sonham com os Jogos Olímpicos, sonham em poderem estar presentes no Rio 2016. A materialização desse sonho está nas vossas mãos, na vossa capacidade colectiva de utilizar a bola e conquistar terreno, na vossa capacidade de marcar ensaios.

Tudo vai começar na decisão de não ceder terreno, de não falhar placagens, de serem assertivas, como aliás o são frequentemente. Tudo começa na vossa vontade de vencer.

Tudo - as transformações que nos fazem campeões - se encontra dentro da nossa cabeça. Ser capaz de transformar essas ideias meio soltas num factor de força convergente com as forças das companheiras constitui o primeiro passo para garantir a eficácia colectiva das acções, para tornar o todo superior à soma das suas partes. Traçando assim o caminho das vitórias que pretendemos.

A vontade, a determinação, a decisão atempada e a confiança nas vossas competências permitem-vos ir sempre um passo mais longe. E vocês, a jogar em Portugal, junto às vossas amigas e amigos, podem dar o passo que pretendem.

Joguem como sabem, confiem umas nas outras e não deixem que nada vos atrapalhe o querer que possuem.

Que os jogos vos corram bem, que marquem os pontos que precisam e que cada jogo tenha a alegria que nos conseguem transmitir.

Bons jogos, boas vitórias, bom divertimento!
João Paulo Bessa
São Jorge, Açores
Julho 2015

sexta-feira, 17 de julho de 2015

ANALISAR, TRANSFORMAR E GANHAR


Posicionamento das equipas por etapas e Classificação Final do Europeu 2015
A prestação competitiva do VII de Portugal no 2015 Grand Prix Series - um misto de Europeu e de prova de apuramento para os Jogos Olímpicos do Rio 2016 - não foi brilhante. E disso resultou um 6º lugar no Europeu, um 5º no apuramento olímpico e um 3º para a repescagem olímpica de Lisboa. Repescagem europeia - única região a fazê-lo - organizada para permitir uma hipótese de classificação da Irlanda - que vem da terceira divisão - para a repescagem mundial - que outra justificação pode haver? - e que obriga, em total falta de sentido desportivo, a que três das cinco primeiras qualificadas - Rússia, Alemanha e Portugal - tenham mais uma prova para acederem à última hipótese de repescagem. 
Não tendo começado da melhor maneira na 1ª etapa de Moscovo - 5º lugar com vitória na Plate - para uma equipa com pretensões de qualificação olímpica, a prestação competitiva portuguesa foi piorando - limitada a uma presença na meia-final da Plate (7º lugar) e uma vitória na Bowl (9º) - nas restantes duas etapas. 
Por razões que se prendem com a última oportunidade de manter aberta a hipótese de acesso ao apuramento olímpico, é tempo de analisar o porquê dos fracos resultados e encontrar os meios e métodos de transformação das capacidades e eficácia da equipa para garantir as vitórias necessárias a, no mínimo, uma qualificação num dos três primeiros lugares da classificação geral e final do Torneio de Repescagem Olímpica Europeia de Lisboa. 
É claro que houve problemas, que houve lesões - algumas até demasiado prolongadas - que impossibilitaram a utilização continuada dos mesmos jogadores, que houve factores externos - como clubes estrangeiros - que impuseram os seus interesses junto dos seus jogadores profissionais ou, ainda, factores inerentes a um país com um sistema desportivo desconjuntado e com errada interpretação do conceito de "Desporto para Todos" - como se fosse o mesmo correr no paredão de Oeiras ou no Centro de Alto Rendimento do Jamor - de que resulta um sub-sistema de Alto Rendimento desfasado e de que são consequência a impossibilidade de participação por exames ou por trabalho ou por qualquer outras razão sempre mais valorizadas do que as oportunidades únicas que o Desporto permite. Mas, dir-se-á, fazendo parte de uma actividade pouco dignificada - excepto para o ajuntamento das fotografias finais - de um país que trata o Desporto como uma mera estatística, deve ser um dado a ter em conta desde a partida. E, porque de nada vale chover no molhado, são sempre exigíveis esforços suplementares que permitam transformar o que fôr necessário para garantir a eficácia dos resultados. Esforços que serão a principal responsabilidade dos jogadores que vestem a camisola portuguesa.
Neste campeonato europeu as dificuldades da equipa passaram pelas fraquezas defensivas dos jogadores, pelas dificuldades, individuais e colectivas, de ultrapassagem da linha de vantagem e inconsequente convergência para chegar ao ensaio - 28 ensaios na 1ª etapa, 12 na 2ª e 16 na 3ª -, pelos momentos de indisciplina táctica individual ou colectiva, pelas dificuldades de adaptação às capacidades dos companheiros portadores da bola e até mesmo pelos injustificados individualismos num jogo que se pretende eminentemente colectivo - também aqui, no Sevens, a bola não pode ser passada para a frente... Se destes erros colectivos e individuais resultou pouca eficácia terá sido, pelo menos visto de fora, a atitude pouco consentânea com os objectivos pretendidos de chegar ao Rio 2016 e com o nível da competição em causa, a maior responsável pelo, desde logo, afastamento da luta pela classificação automática.
Desfocagem, atitude competitiva nem sempre no limite desejável, sentido colectivo pouco eficaz em momentos decisivos, decisões pouco assertivas e inadequação aos níveis e capacidades dos companheiros - tempo e distância de passe, tendências atacantes, linguagem corporal dos companheiros de equipa ou solidariedade de uns pelos outros (é para isso que se treina conjuntamente) - são aspectos que os jogadores terão de transformar para continuarem, após Lisboa, no caminho dos Jogos.
O sonho comanda a vida, escreveu o poeta Gedeão. E se assim é, o sonho - único e para alguns irrepetível - de poder competir nos Jogos Olímpicos deve comandar cada entrada em campo e cada momento de cada jogo. E como sonho mostrar a rota do caminho real, visto e revisto, vezes sem conta na eficácia pretendida.
Portugal, das equipas presentes em Lisboa, é a única com hábitos permanentes da prova maior de Sevens - a Sevens World Series - uma vez que apenas e por uma só etapa, a Bélgica e a Rússia lá estiveram. Ora esta experiência tem que traduzir uma superioridade natural nos resultados de cada encontro e nos resultados finais. Para o que bastará que a "cabeça" dos jogadores se formate para fazer apelo às condições técnicas e físicas de cada um e que compõem o ramalhete necessário para que o colectivo - a equipa de Portugal de Sevens - obtenha os resultados esperados. Como já o fizeram por algumas vezes e em momentos altos de superação. A oportunidade é única, exigente e motivadora. Estejam, jogadores do VII de Portugal, ao vosso melhor nível e sejam exigentes, responsáveis, lutadores e ganhadores! 
Uma equipa capaz de empatar com a Nova Zelândia ou ganhar à Austrália como conseguiu esta época, que joga em casa e com apoio da comunidade rugbística portuguesa, não pode deixar-se levar por receios, por falta de confiança ou por qualquer tipo de desculpas. Uma equipa como a portuguesa, nas condições em que vai competir, tem a responsabilidade de garantir um único resultado: a classificação final num dos três primeiros lugares. Esta é, portanto, a hora de assumir as responsabilidades de jogadores internacionais. E a hora de mostrar o que querem e o que valem. Sem margem para dúvidas.
Que sejam suficientemente audazes para garantir a sorte dos vencedores.
  

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