quarta-feira, 19 de setembro de 2018

E O PONTAPÉ DE RESSALTO?

Num dos muitos artigos referentes ao Nova Zelândia - África do Sul, alguém escreveu que “a Nova Zelândia é a única mundial que não tenta o pontapé de ressalto numa situação destas.” De facto não se percebe como, com o domínio territorial dos últimos dez minutos e à distância de 2 pontos, não houve qualquer preparação para um pontapé de ressalto vitoriosa. Esqueceram-se?! Falta de confiança de Beauden Barrett? Exigência de ensaio do capitão, Kieran Read? Arrogância alicerçada nos notáveis resultados dos últimos anos?
Como perderam os AllBlacks um jogo em que tiveram a superioridade que as estatísticas demonstram? Como foi possível?
A resposta simples é a de culpar Beauden Barrett pelas suas falhas nos pontapés ou a precipitação do irmão Jordie ao lançar, tão longe, uma bola num alinhamento rápido que deu todo o tempo de mundo para Willie Le Roux interceptar a bola enquanto Rieko Ioane, em vez de “entrar no passe” esperava que a bola chegasse às suas mãos ou ainda que Lienert-Brown não tivesse permitido a intercepção de Kolbe.
Claro que estes erros, que na sua maioria constituem riscos do jogo que fazem dos AllBlacks a melhor equipa do mundo, são a face imediatamente visível da derrota mas não representam a verdadeira face da derrota. Porque no Rugby quem ganha ou perde é a equipa. que tem que saber, colectivamente, ultrapassar os erros individuais.
A verdadeira face da derrota está, portanto, nos erros defensivos colectivos que permitiram a marcação de 36 pontos pelos sul-africanos até porque, de facto, os neozelandeses marcaram 6 ensaios que deveriam chegar e sobrar para garantir a vitória.
Portanto as causas da derrota — a dar razão ao actual treinador dos Crusaders Ronan O´Gara que considera que em termos defensivos os europeus estão muito mais avançados do que os neozelandeses — foram os erros defensivos que a percentagem de apenas 80% de sucesso nas placagens demonstra. E as causas da vitória estiveram na capacidade defensiva inexcedível — 235 placagens tentadas para 196 conseguidas - e na coesão colectiva dos sul-africanos — os últimos dez minutos foram defensivamente épicos. No fundo a permissividade defensiva de uns e a coesa capacidade defensiva colectiva de outros como razão fundamental deste resultado surpreendente.
No final do jogo, o treinador neozelandês Steve Hansen dando como principal razão da derrota os 36 pontos permitidos e lembrando permissividades defensivas considerava que esta derrota, pelo que ensinava, iria permitir que a equipa se tornasse mais forte. Agora, garantiu, irão, no tempo de treino de que dispõem, trabalhar os factores que se mostraram demasiado fracos para o nível internacional. 

O ciclo de análise, avaliação, correcção e execução está lançado. E, estou certo, o recurso ao pontapé de ressalto, com a preparação devida e em situações idênticas à deste jogo não será esquecido.

quarta-feira, 12 de setembro de 2018

EXIGE-SE PERSPECTIVA ESTRATÉGICA

Num fim-de-semana desenhado para passar o tempo com os olhos nos ecrãs ora da televisão, ora do computador, foi possível ver o rugby dos jogos da Championship Nova Zelândia-Argentina (46-24) e Austrália-África do Sul (23-18) - os jogos de Portugal no Europeu de Sevens a procurar uma classificação para o apuramento da World Series de Hong-Kong, o jogo de Portugal para o 3º lugar, Medalha de Bronze, do World Rugby U20 Trophy - Mundial B - ou a final do mesmo torneio entre Fidji e Samoa e arbitrada pelo nosso Paulo Duarte. A que se juntava ainda a chegada ciclista aos 1100 metros de Lagos de Covadonga da 15ª etapa da Vuelta 2018 ou as duas finais tenísticas do US Open e que me relembraram o tempo, num resquício dos entendimentos da aristocracia inglesa, em que, no rugby, os treinadores não podiam contactar com os jogadores ao intervalo.
O jogo mostrado pelos AllBlacks — que utilizou sete jogadores diferentes do jogo anterior —mostrou à evidência a qualidade da formação e da competição interna dos neozelandeses. Sob a formação vale a pena lembrar que o desenvolvimento da técnica individual dos brasileiros que, durante anos espantou o mundo do futebol, se fazia com base em dois pontos: liberdade e divertimento possibilitado pelos jogos de rua de equipas e campo reduzido - o hoje dito futsal. Não é assim por acaso que a primeira etapa do programa Long Term Athlete Development (LTAD em que os irlandeses substituíram o A pelo P de “player” para um LTPD, mostrando a sua preocupação pela aplicação do programa às modalidades colectivas) se designa por FUNdamental, apontando para a sua essência de divertimento contra o exagero de grelhas controladoras e imposições de cartilha.
E é essa noção de divertimento organizado com objectivos controlados e com liberdade de experiência quer na tomada de decisão quer no uso da bola a que se juntam noções tácticas individuais e colectivas – a posse da bola tem como objectivos marcar ensaios! ou a equipa está primeiro! – onde a repetição individual muito elevada dos gestos técnicos  leva à facilidade de execução e à capacidade conjunta de leitura simultânea, transformando o espaço do jogo – como se diz do futsal brasileiro – num laboratório do improviso mas aproveitado para desenvolver o culto da camisola que se pretende deixar sempre em melhor posição. Ou seja, não é o talento individual da sorte de meia-dúzia mas o sistema de formação que fazem dos AllBlacks a melhor equipa do mundo. E nós portugueses deveríamos olhar para a formação rugbística dos antípodas com outra atenção e uso. Procurando copiar-lhe o modelo e o processo.
Também com sete jogadores diferentes dos utilizados na última etapa de Exeter a equipa nacional de Sevens – agora comandada pelo experimentado antigo jogador e anterior Director de Equipa, Diogo Mateus – conseguiu a melhor classificação da época, obtendo um terceiro lugar com vitórias sobre a Inglaterra e a França mas não conseguindo ultrapassar o adversário principal Alemanha. No entanto a equipa jogou de forma muito interessante, abandonando o cómodo movimento da bola de um lado ao outro para, procurando ultrapassar a linha de vantagem como de forma a libertar o espaço exterior e conseguir vantagem numérica, atacar os intervalos da defesa adversária – alguns dos ensaios foram de grande qualidade quer pelo jogo de passes permitido pela disponibilidade do apoio em tempo, direcção e linhas de corrida, quer pela leitura eficaz dos pontos fracos da organização defensiva adversária. 

QPM - Quota de pontos marcados- Percentagem dos pontos marcados sobre a totalidade de pontos marcados e sofridos
Esta equipa de Sevens mostrou que, havendo interesse e organização capaz, é possível colocá-la de novo em posição competitiva que possa permitir o retorno à World Series e olhar para a classificação olímpica de uma forma minimamente realista.
O terceiro lugar dos U20 na versão B do Mundial da categoria etária é um excelente resultado. E melhor resultado é se consideramos o jogo conseguido na maioria do encontro contra a Namíbia. E também aqui – coisa pouco vista quer nos jogos internos, quer noutras selecções portuguesas – a equipa tinha, na sua organização atacante, a preocupação permanente de atacar a linha de vantagem, reduzindo a largura e a profundidade da linha de defesa e conseguindo os intervalos de penetração necessários para a obtenção dos 11 ensaios para um resultado final de 67-36. A coesão da equipa, demonstrada na sua capacidade defensiva, permitiu a necessária confiança ao correr de riscos que dominou o movimento atacante da bola. Interessante de ver e eficaz na construção dos resultados. 
Principalmente o que esta equipa U20 – na sequência de outras equipas de Luis Piçarra – nos vem mostrar é que temos qualidade competitiva enquanto jovens. O que significa que a distância competitiva a que, na equipa principal, nos encontramos é motivada pela má organização e competitividade internas e ainda pela despreocupação sobre a importância dos resultados internacionais. Ora estes resultados vêm exigir à comunidade rugbística portuguesa que se mostre capaz de se integrar na lógica do desporto de rendimento, sabendo separar águas e não misturando mais interesses e propósitos distintos. No Desporto os resultados contam e são base da expansão, do interesse e da notoriedade. Aquilo de que o rugby português precisa para garantir a sua afirmação internacional.
Destas duas participações portuguesas em Sevens e Quinze, uma estranheza, dado, principalmente a importância relativa das duas provas: António Aguilar tido como treinador principal da selecção portuguesa de Sevens deslocou-se com o quinze dos U20 para a Roménia, ficando a equipa de Sevens, na Polónia, entregue ao anterior Director de Equipa, Diogo Mateus. E a estranheza resulta do facto da evidente prioridade dos Sevens — modalidade olímpica e que exige, por razões de adaptação competitiva, a presença de novo de Portugal na World Series —sobre a participação dos U20 no Mundial B onde a procura de um 1º lugar que permitisse o acesso ao WR U20 Championship se mostrava naturalmente de enorme dificuldade e sem maiores consequências imediatas para o futuro do rugby português. Não estando em causa a competência de Diogo Mateus – experiente antigo internacional com 75 internacionalizações em “quinze” e diversas em “sevens” e treinador qualificado de 3° grau e com enorme experiência no mundo competitivo dos Sevens enquanto Director de Equipa da selecção portuguesa – não se percebe a inexistência de uma explicação oficial das razões da mudança. Porque as exigências e responsabilidades da competição internacional não se compadecem com decisões voluntaristas. Tão pouco a organização que se exige a uma federação desportiva.
A final do Trophy entre Fiji e Samoa – vitória dos fijianos por 58-8  – teve como árbitro o internacional português Paulo Duarte que teve uma excelente prestação. Foi exigente, sereno, atento, focado, amigável e possibilitou aos jogadores presentes o clima ideal para a sua expressão rugbística. Num importante momento da sua carreira, Paulo Duarte que faz parte do grupo de árbitros sob observação para participarem nos Sevens dos Jogos Olímpicos do Japão, marcou pontos ao não deixar, agora no Quinze, os seus créditos por mãos alheias e demonstrando a necessária confiança e capacidade que distingue um árbitro de nível internacional.

Este Trophy foi jogado com a aplicação de uma regra experimental na placagem que só permitia o contacto entre adversários abaixo da linha do peito. Das impressões que obtive o resultado não foi brilhante e não possibilitou a análise pretendida uma vez que o pouco tempo entre a decisão e a sua aplicação não terá permitido, quer a árbitros quer a jogadores ou treinadores, a adaptação necessária. E assim a tentativa de solucionar o grave problema do aumento das concussões pelo choque na zona das cabeças, ficou-se por uma enorme subjectividade de decisões sem a homogeneidade que se exige na competição desportiva.
Pode dizer-se que neste fim-de-semana o rugby português mostrou perspectivas de qualidade interessantes. Resta saber como o trataremos a partir daqui e qual a estratégia que pretendemos aplicar para garantir que o seu desenvolvimento se faz com o propósito de atingir o objectivo de resultados internacionais futuros consequentes com o melhor historial da modalidade.

sábado, 8 de setembro de 2018

DE PROPÓSITO NÃO SE FARIA MELHOR

A selecção feminina portuguesa de Sevens, ao classificar-se em 12º e último lugar no final das duas etapas - Marcoussis e Kazan - que compuseram o Europeu de 2018 da variante, desceu à 2ª divisão europeia.

Dir-se-ia que, se fosse propositado, não se faria melhor.

Porque ninguém parece querer saber de uma competição interna capaz e em condições de permitir às jogadoras uma aproximação à exigência internacional.

A equipa portuguesa feminina de Sevens — ao contrário da masculina   lutou até à última pela classificação para os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro de 2016, atingindo o ultimo patamar classificativo ao disputar a Repescagem Olímpica Mundial, em Dublin depois de ter conseguido, em Lisboa, o 3º lugar na Repescagem Europeia através de 4 vitórias nos seis jogos disputados.

Ou seja, a equipa feminina portuguesa de Sevens, não sendo uma equipa de primeiro nível europeu ou mundial, mostrou-se sempre com a qualidade necessária para competir no quadro europeu principal da variante. O gráfico seguinte mostra as classificações obtidas desde 2003, ano em que o Europeu, ainda numa só prova — as etapas múltiplas tiveram início em 2011 — se iniciou.
E não se pense que as dificuldades dos resultados se deviam à pequenez ou leveza - perfil morfológico - das jogadoras nacionais. O quadro seguinte mostra a proximidade dos factores físicos com espanholas ou francesas. Não foi, portanto, por aqui.

Tão pouco pela atitude ou espírito de luta — quem se lembra do seu comportamento na etapa de Lisboa da Repescagem Europeia para o Rio 2016, percebe a que me refiro. Elas são lutadoras e determinadas.
Compacticidade:  distribuição do peso pela altura
As razões são outras e dizem respeito à incompreensão, à ignorância, à irresponsabilidade e á indiferença — os 4Is — de quem manda ou mandou.

Ignorar que a entrada dos Sevens nos Jogos Olímpicos iria transformar a variante é ignorar o domínio mundial do Desporto. Com o anúncio da sua entrada para a área olímpica, diversos países começaram a olhar de forma diferente - principalmente no feminino uma vez que o masculino já tinha assente, com a criação das World Series, a sua competição internacional para o intervalo entre Mundiais — para a variante e o seu desenvolvimento. O que significava que a competição internacional iria subir, como subiu, de nível. Com a certeza da continuidade olímpica, o aumento competitivo de cada torneio, etapa, prova, subiu ainda mais. O que exigia análise e estratégia para atingir um propósito definido e realista como a manutenção na divisão principal europeia com o objectivo, a médio prazo, de conseguir entrada para o circuito mundial.

E que fizemos nós em Portugal para seguir a tendência? Nada para além de aumentarmos erros que retiraram qualquer possibilidade de aproximação à competição internacional por parte das jogadores portuguesas.

É, portanto, esta a razão principal da descida: as jogadoras portuguesas não têm competição interna com o nível necessário à participação internacional. Ou seja, os responsáveis federativos não quiseram saber do cumprimento da sua principal Missão federativa que assenta na promoção das condições internas necessárias ao equilíbrio competitivo internacional d/o/a/s jogador/es/as portugues/e/a/s.

Mas ninguém se preocupou com nada disso. Pelo contrário, aos 5 torneios anuais mais a Super Taça de Sevens juntaram 6 torneios de Tens a que se acrescenta um jogo da Taça de Portugal. Não há aproximação competitiva que resista a um calendário de 5 etapas... para mais se tão desequilibrado que em cada etapa apenas um jogo — no descanso de todos os outros — atingia o nível competitivo com a intensidade necessária num mesmo cenário: uma final Sporting-Benfica.

Por indiferença e ignorância acrescentaram aos Sevens essa aberração que dá pelo nome de Tens e que não passa de um entretém sem qualquer interesse - conheci-o há muitos anos em Hong-Kong jogado por trintões que gostavam de Sevens e que já não podiam, chamando mais três para tapar as lacunas.

A entrada do Tens — que não se percebe a lógica porque o Rugby joga-se Quinze ou Sevens - teve como justificação que seria o bom percurso para atingir o patamar do jogo a quinze. O problema é que não é!

O Tens não serve nem para desenvolver os Sevens nem para proporcionar condições de acesso ao Quinze! Por um lado —Sevens — porque diminui o espaço, reduzindo a área por jogador e diminuindo o intervalo — facilitando a tarefa defensiva — entre os jogadores da linha _ e diminuindo o esforço de cada sequência; por outro — Quinze — porque nada ensina dessa essência do jogo completo que dá pelo nome de 3ª linha — a unidade decisiva da movimentação geral do jogo. E que o Tens não tem nem a Lei deixa ter — as Variações das Leis impõem que a/o/s d/ua/oi/s jogador/as/es da segunda-linha formem nos pilares mas ligados entre si (se ainda pudessem jogar formados na perna exterior de cada pilar... haveria alguns princípios de asas/flanqueadores que podiam ser aprendidos como linhas de corrida atacantes e defensivas, tempo de apoio exterior e interior ou des/co/locação nos corredores externos para apoiar segundos/terceiros tempos. E o Tens não abre lugar a perfis morfológicos diferentes do Sevens e que serão necessários no Quinze. Dito de outra forma: as gordas necessárias e fundamentais à primeira-linha do Quinze também não têm aqui lugar...

Mas de pior, há mais no Tens: possibilitando intervalos maiores do que os que irão ser encontrados no Quinze, permite uma maior facilidade de evasão individual e é menos exigente na formação e na distância do apoio. Ou seja: o Tens não serve! Não serve senão para o espanto de, na passagem para o jogo completo, existirem 3 jogador/as/es que não sabem que tarefa lhes cabe ou outras 3 jogador/as/es que dificilmente adquirem a experiência necessária às formações-ordenadas — o que, para além de mau, é perigoso!

O desenvolvimento do rugby feminino português passa pela criação de etapas de Sevens mais equilibradas e com mais competição — melhores treinos para melhores conhecimentos técnico-tácticos exigem-se — e que possibilitem resultados internacionais atractivos.  

Também por outro lado é preciso colocar o rugby feminino a jogar Quinze, jogando Quinze. Clubes que não consigam juntar as jogadoras necessárias para completar uma equipa de Quinze, jogarão Sevens; os que conseguirem jogarão entre si independentemente do número total de equipas que o consigam.

No actual estado, baixado que foi de divisão, o que se pode fazer para recuperar? Que propósitos definir? Que estratégia estabelecer para voltar à I Divisão Europeia do Rugby Feminino?

No fundo, no fundo, trata-se de responder a isto: como estabelecer condições internas de competição que permitam o desenvolvimento competitivo das jogadoras com o objectivo de igualar internacionalmente competências?

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