sexta-feira, 30 de outubro de 2015

PALPITE FINAL

A regra da aposta para esta final Nova Zelândia- Austrália é fácil: se não se quer correr riscos mas também não se pensa em prémios elevados, aposta-se nos neozelandeses; se se pretende um maior risco mas a hipótese de um prémio mais elevado, aposta-se nos australianos.
Como mostra o quadro que segue, as vantagens da produção neste Mundial, salvo em "erros de manuseamento" pertencem aos neozelandeses.
Comparação entre os resultados estatísticos dos dois finalistas do Mundial 2015

Mas são valores que não definem um vencedor - as distâncias não serão tão grandes que permitam falar-se de vencedores antecipados. E mesmo que os valores fossem superiores para um dos lados, trata-se de de uma final de um Mundial. E numa final todas as previsões podem mudar por um pequeno pormenor que poderá afectar uma equipa de maneira imprevisível. Ou seja e por definição: uma final tem resultado final imprevisível. Para mais tratando-se do 1º classificado, Nova Zelândia, do ranking da World Rugby com 93,67 pontos, com o 2º classificado, Austrália com 91,75 pontos.

Ambas as equipas defendem muito e bem - 85% sensivelmente de eficácia - e ultrapassam a Linha de Vantagem em mais de 50% das vezes que têm a bola disponível. Para marcarem ensaios a Nova Zelândia precisa, em média, de 13 bolas disponíveis enquanto a Austrália necessita, também em média de 16 bolas disponíveis. O que, como cartão de visita, qualifica o jogo que iremos ver.

Diversas batalhas entre unidades adversárias vão dar uma particular intensidade a este jogo final: entre as terceiras linhas de McCaw, Read e Kaino pelo lado neozelandês e Hooper, Pocock e Fardy do lado australiano - e que luta se prevê nos breakdowns onde, aliás, há uma proximidade média de conquista entre ambas as equipas. Depois, ver se o título oficioso de "melhor formação do mundo" serve ou não a Aaron Smith que terá no australiano Genia um adversário de respeito. Carter, o abertura neozelandês considerado o melhor estratega mundial - para além da sua capacidade de chutar aos postes - terá na frente, não um, mas dois adversários: Foley e Giteau que fazem, em constantes adaptações às circunstâncias, o papel de abertura da Austrália. E pode-se ver a poupança a que são sujeitos para garantir a melhor das suas capacidades sempre que venha a ser necessário, com Giteau, nos alinhamentos adversários, a ser poupado do choque e colocado no corredor de 5 metros, enquanto que Foley se refugia muitas vezes na posição de defesa. Mas outro dos aspectos que terá interesse será o combate dos centros Ma'a Nonu/Colin frente-a-frente com Giteau/Kuridrani. E aqui, no melhor interesse neozelandês, vai haver choque. Como também será possível ver pontapés altos sobre Foley perseguidos pelo excelente Ben Smith - que serão mais ainda se Folau não puder jogar. Está visto: o combate dos dois meios-campos vai influenciar o vencedor. E o combate aéreo - onde se inclui a luta entre os pares Retalick/Whitelock e Douglas/ Simmons - será também um dos pontos sensíveis. E ainda falta saber como se comportarão as duas formações-ordenadas: para quem a vantagem? E o pequeno número de formações permitirá alguma importância no desenrolar do jogo?

O favoritismo, embora não muito elevado, está do lado dos All-Blacks que são, portanto, mais fortes. Que poderão fazer os mais fracos australianos para inverter a tendência?

Sabe-se da estória que David, o mais fraco, derrotou Golias, o mais forte, com recurso a tácticas e acções diferentes das usuais. 

Os designados mindgames, neste caso, estarão a passar-se no privado, na frente dos vídeos a tentar prever a estratégia adversária para escolher e montar a contra-estratégia - e o conhecimento mútuo da personalidade de cada um dos líderes, ajuda à montagem. Qualquer das duas equipas técnicas, comandadas por Hansen e Cheika, tem as competências suficientes para desmontar analiticamente as equipas adversárias, os seus pontos fortes e pontos fracos e as possibilidades de novas combinações e encontrar a forma de surpreender o adversário.

Marcar primeiro vai colocar problemas ao adversário que verá psicologicamente diminuída - numa quase proporção directa do aumento do adversário - a sua margem de sobrevivência... porque é de um verdadeiro combate que se tratará.

Palpite final: vitória da Nova Zelândia por uma diferença de 4 pontos.

MEIAS-FINAIS: DIÁRIO DE BORDO (II)


Twickenham foto iPhone JPB
No dia seguinte, domingo, o mesmo percurso com a vantagem do já conhecido: almoço de hamburgueres, metro e combóio - desta vez encontrei o também neozelandês Mannix (treinador do Pau) com quem falei do Samuel Marques - mais andarilhar rodeado pelo excitamento argentino e a confiança australiana com encontro obviamente marcado para a estátua do alinhamento à entrada do estádio. Por quem torce? perguntou um vizinho: pela Argentina do meu amigo Daniel. Mas não tinha uma fé por aí além. A experiência australiana era superior e as suas linhas atrasadas são muito boas. E os pés, direito e canhoto, de Foley e Giteau são capazes de manter a pressão territorial necessária. 

Como irão os argentinos, sob a vista do fabuloso Maradona, conquistar e ocupar terreno?

Aconteceu o que temia, apesar do muito maior domínio, os argentinos não conseguiram mais do que marcar penalidades. A usar o já referido sistema galês, o resultado final seria de 32-10 favorável aos australianos apesar de pertencer aos argentinos o domínio estatístico: 55% de posse da bola, 54% de território, 144 transportes de bola para 577 metros contra 100 transportes para 358 metros australianos, superioridade nas formações ordenadas. O que não deixa de ser estranho. Como é possível tal domínio e perder sem apelo? Razões do resultado? servirá a maior eficácia defensiva australiana com 83% contra 78% para explicar tudo? Creio que não.

O que terá tornado o jogo argentino ineficaz foi o seu conceito de jogo de ataque e, nomeadamente, o seu jogo ao largo. Mas a principal razão da derrota esteve na errada estratégia defensiva utilizada.

A Argentina saiu do balneário com uma ideia: marcar primeiro e pôr os australianos atrás do prejuízo. Situação onde serão, pensa-se, mais vulneráveis. Mas esta ideia, mista de confiança absoluta e risco, provocou o primeiro erro: a intercepção de Simmons para o primeiro ensaio. Jogar uma combinação nos primeiros minutos de jogo com passe interior à saída da área de 22 é muito risco para uma meia-final. É tentar o diabo, principalmente se o mundo inteiro já tinha percebido que esse movimento tinha criado dificuldades aos neozelandeses. E os australianos também o tinham percebido e fizeram o trabalho de casa: Simmons teve o prémio de ter cumprido o papel que o treinador lhe tinha destinado.

Meia dúzia de minutos depois uma defesa longe da lição das duas equipas do dia anterior que foram exemplares no cumprimento da regra defensiva de primeiro igualar e só depois subir, os argentinos preferiram uma defesa pressionante - blitz defence - que, pretendendo contrariar a circulação da bola à largura do campo, não conseguia igualar o número de atacantes nem ocupar todos os corredores e permitia assim que Foley, com um passe longo, abrisse caminho para um novo ensaio. Para, mais à frente e numa repetição simétrica, um passe longo de Giteau permitir novo ensaio. Resultado final: 4 ensaios sofridos contra nenhum marcado. 
Twickenham foto iPhone JPB

A ideia dos argentinos de ataque permanente pelas linhas atrasadas estava tão entranhada que pudemos assistir, após notável formação ordenada no limite da sua área de 22, que empurraram, dominaram e rodaram, afastando a 3ª linha australiana de qualquer possibilidade de intervenção e que fizeram? saída de nº8 sem sequência de 6 e 7 para atacar o canal livre e, em vez disso, passe para a linha de 3/4 que se viu, como seria natural, confrontada, sem qualquer vantagem, com o equilíbrio numérico. E assim se perdeu a última oportunidade para aproximar ou igualar o resultado.

A Austrália mostrou também ao que vinha em cada pontapé de recomeço: pontapé para a entrada dos 22 adversários com uma linha à largura do campo a subir rapidamente (quanto Foley pontapeia a bola passam por ele uma organizada linha de onze jogadores em alta velocidade) para pressionar - em superioridade numérica - os defensores argentinos, levando-os a chutar ou a cometer erros. Ou seja: colocar o jogo dentro do território argentino para tirar, como aconteceu, partido do risco.

Ao contrário dos neozelandeses que atacam intervalos em grande velocidade, procurando juntar defensores para abrir maiores intervalos, mas continuando a circular a bola sempre que a defesa fecha, os argentinos procuraram sempre a penetração em qualquer situação - mas sem capacidade de escalonar ou criar a profundidade necessária para garantir velocidade atacante e eficaz ultrapassagem da linha defensiva - a que faltou depois o apoio, a convergência, para garantir a continuidade para exploração do desequilíbrio. E assim as suas 56 ultrapassagens da linha de vantagem (contra 43 dos australianos) de nada serviram para chegar à área de ensaio.

A Argentina tinha enormes esperanças na vitória mas sobreviveu apenas através das faltas que conseguiu provocar e graças às excelentes qualidades de pontapeador do abertura Sanchez que lhe deu sequência pontual.

No final, as lágrimas de Daniel mostravam a enorme desilusão do campo argentino. Mas fica, pelo muito que se viu nos jogos efectuados, a certeza que, limadas arestas e com a maior experiência que o Super 18 lhes vai proporcionar, a equipa para 2019 será uma séria candidata. Como Daniel quer e apostou.

Retorno à cidade, desta vez de comboio. Jantar em restaurante italiano - óptima sopa - dormir e levantar às seis para, de novo, hora e meia de viagem para o aeroporto. No aeroporto de Stansted uma quase hora para ultrapassar as medidas de segurança aeroportuárias. Depois o habitual: ter que percorrer o prepositado caminho que passa por todas as montras da free-shop e deparar com um aviso: a porta para o voo para Lisboa está à distância de 12 minutos a pé. Sete horas depois da alvorada, chegamos a casa: Lisboa.  

quarta-feira, 28 de outubro de 2015

MEIAS-FINAIS: DIÁRIO DE BORDO (I)


Twickenham foto iPhone JPB
O despertador tocou às 4 da manhã. Noite lá fora. Às 5 chega o táxi. No aeroporto é preciso pôr tudo à vista, tirar o cinto, segurar as calças, abrir a mala para colocar os produtos de tuálete no saco de plástico e atrelar a uma fila de gente para mostrar o cartão de cidadão. Para onde vai? Londres, respondi. Faça o favor e devolveu-me o cartão de cidadão. 

Entrei no avião, mostrei de novo o bilhete e sentei-me. Calhou-me o lugar da meio. Nos low cost não há espaço, os joelhos vão nos queixos. Não consigo dormir. Quando, com duas horas de viagem a coisa ia acontecendo, dez minutos depois estava cheio de dores no pescoço. Lá fora, pela janela, via-se um tecto de nuvens que prometia os aguaceiros da meteorologia - que raio de azar. Azar para o jogo e azar porque não há - só uma mala pequena ou paga -se mais do que pela viagem - roupa para grandes mudas (o gajo do lado quer ler o que estou a escrever, está admirado porque escrevo com a ponta do dedo no telemóvel). ATERRAMOS! e a malta bate palmas.

Bilhetes de ida e volta para uma viagem de três-quartos de hora de comboio, compra do Oister para o metro e procurar a linha justa no mapa do tube londrino. Chegada ao hotel em Kensington e apanhar o ar impávido do recepcionista: Check-in só a partir das 2 da tarde. Lá conseguimos que nos guardassem as malas e ala! Burger King e descobrir o melhor caminho para Waterloo para apanhar de novo um combóio para Twickenham - Casa do rugby inglês, como se anunciam.
Twickenham foto iPhone JPB

Os mapas avisam: 15 minutos a pé da estação até ao Estádio. Rua fora uma autêntica manifestação de entusiastas a sermos cumprimentados pelos voluntários. Um deles, com ar de chefe, ao ler no meu casaco a origem, admirou-se: From Portugal?! So nice. It's unusual... sem perceber que à volta havia outros portugueses. E o magote de diferentes adeptos, de diferentes camisolas, caminha rua fora sem atropelos, provocações ou o que quer que possa perturbar aquele momento mágico de paixão partilhada. 
Twickenham foto iPhone JPB

Nas casas do alinhamento da rua a oportunidade traduz-se na venda dos mais diversos home made, desde comida até artesanato - na janela de uma delas a estranha presença de uma enorme bandeira dos All-Blacks. Fotografias de ocasião, encontro com conhecidos - encontrei o treinador neozelandês Aussie McLean que esteve em Portugal na época passada - passagem pela loja e parar para ver os candidatos a pilares a fazer força na máquina a tentar bater-se uns aos outros e a igualar a marca de um pilar internacional inglês. Também se podem escrever mensagens pessoais na cartolina onde normalmente se lê Try!

Lugar encontrado, tudo sentado, entram as equipas, cantam-se os hinos e à volta vai correndo a cerveja para aclarar vozes e, para os mais distraídos, passarem o tempo a atropelar espectadores para irem, mesmo no meio de uma jogada, à bear room despejar o que beberam...
Twickenham foto iPhone JPB

Se os hinos representam um momento de grande emoção - as lágrimas caem por milhares de caras abaixo - o haka neozelandês é um momento único. E visto ao vivo - mesmo se as expressões faciais ficam longe das vistas na TV - tem uma dimensão dramática impressionante a que as diferentes interpretações - desde o "agarrem-me senão mato-o", ao "acagassem-se com a nossa força e desapareçam" até ao mais provável de ser apelo aos valores colectivos ancestrais de combate para, juntos, enfrentarem o adversário - dão a representação iniciática do combate. 

O jogo foi óptimo: duro, desgastante, intenso. Um combate. Com domínio, apesar da proximidade do resultado (20-18), dos neozelandeses: 57% de posse da bola, 67% de domínio territorial, 117 transportes de bola contra 76 de que resultaram 387 metros percorridos contra 149 dos sul-africanos; do lado all-black apenas 3 placagens falhadas - 96% de eficácia - contra 20 - 87% de eficácia - da parte da África do Sul; com, mais significativo ainda, 53 ultrapassagens da linha de vantagem contra apenas 25; e 2 ensaios contra nenhum. Um domínio óbvio, mesmo se uma injustificada inadaptação à arbitragem provocou o exagerado número de 14 penalidades - aceita-se por média, 10 -  e permitiu um resultado apertado a que a adaptação da actual experiência galesa de pontuação (6 pontos por ensaio e tudo o restante a valer 2) traduziria num resultado mais condizente com o visto: 20-12.

Muitas coisas ficam na memória do jogo como o passe NBA de McCaw para o ensaio de Kaino, o decisivo roubo de bola de Retallick num alinhamento sul-africano, a organização defensiva ou a capacidade de passe neozelandesa, esta última uma tradição que vem da constância, ao longo da carreira de jogador, do "catch and pass" - a jogada que deu o último ensaio na última hipótese da célebre vitória (24-22) de 2013 sobre a Irlanda, contou 25 passes. "Que outra equipa seria capaz de igual demonstração?" pergunta Graham Henry. Mas para a posteridade, para ver, rever e aprender é a jogada do segundo ensaio, a manobra atacante de Ma'a Nonu - ataque em velocidade ao intervalo, endireitamento da corrida com passada para dentro para fixar o defensor directo, continuação da corrida em ligeiro arco de círculo para chamar Petersen a vir fechar o espaço interior e aumento da largura do corredor exterior, por onde, lançado em velocidade, Barrett recebeu um passe preciso para marcar. Um 2x2 de excelência, manobrado com superior qualidade para ser transformado num mortal 2x1 a fazer jus ao velho conceito: como se lida com um 2x2? transforma-se em 2x1! Um tratado!

E de novo a qualidade de Carter, de Ben Smith, homem do jogo, ou do guerreiro capitão McCaw que voltou a demonstrar as suas capacidades de liderança - para além do exemplo, do combate, da obstinação vencedora - ao transformar a sua equipa para terminar como vencedora. Do lado sul-africano fica a enorme capacidade de luta, a força física e o pé de Pollard. De ambos os lados o rigor táctico no cumprimento do plano de jogo que oporia os pontos fortes e fracos de um e outro lado. Apesar da ansiedade dos minutos finais - dois pontos não são diferença - ganhou quem devia ganhar: a Nova Zelândia está na final, ganha o rugby de movimento e o prazer dos espectadores, perde a colisão. E a ideia da necessidade de bestas mecânicas para jogar rugby perde-se no espaço da técnica e da inteligência táctica.

A chuva aumentou. Fora do Estádio ouvia-se, pelos megafones dos voluntários, que existiam problemas na estação ferroviária de Twickenham e que devíamos apanhar os autocarros. Nunca mais saímos daqui, pensei. Bem organizados, com o plano treinado - por aqui, para tal parte, por ali para a outra - com dezenas de autocarros disponíveis saímos mais rápido do que supunha. Às oito e meia estava no hotel. Passagem rápida para marcar o ponto numa pint e ir jantar com amigos. Volta ao hotel e, já esgotado com as 18 horas de andamento, cama e dormir.

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

CASO JOUBERT


Austrália-Escócia: o minuto fatal
Se fosse escocês e fanático teria a certeza que a decisão de Craig Joubert de marcar pontapé de penalidade ao pilar Welsh foi um "roubo de igreja" e que só existiu para impedir que a "minha" Escócia chegasse às meias-finais e por isso é mais do que merecido o que tem passado e tudo aquilo que dizem dele. Mas não sou nem escocês nem fanático.

Se fosse membro da World Rugby (WR) não concordaria nem assinaria - por mais que pudesse agradar a escoceses - o comunicado que, publicamente, acusa Joubert de ter errado a decisão, trocando a devida, dizem, formação ordenada por penalidade. Porque não gosto de dar tiros nos meus próprios pés. Da auto-flagelação da WR haverá - com certeza - consequências nefastas para a generalidade da arbitragem. E, para além do mais, este tiro desacredita o tão badalado processo de procura da verdade desportiva uma vez que o caso Joubert resulta, directamente, da ineficiência ou mesmo incompetência da própria World Rugby.

Por todo o lado se pergunta: com tanta conversa sobre o vídeo-árbitro (TMO) e verdade desportiva do jogo porque é que não foi ouvido numa óbvia situação de incidência no resultado final? Porque o protocolo apenas admite o seu recurso para situações de jogo violento ou desleal ou para validar ensaios que ofereçam dúvidas da sua legalidade (jogada incluída). Então para um caso destes que tem absoluta influência no resultado final não pode ser utilizado? Não! E este não, por incompreensível, representa descrédito.

E não é possível porque a World Rugby, como a sua antecessora IRB, do alto do seu pedestal de pretendida herdeira do legado das Home Unions (federações britânicas), sente-se como único baluarte da tradição e da cultura do jogo, ouvindo mal e vendo pouco - mais ainda quando se enche de marketeers que só têm olhos para números mesmo se inflacionados (veja-se o quadro WR do número mundial de jogadores). Já há muito que diversas vozes, incluindo o antigo árbitro sul-africano Kaplan, têm proposto avanços na utilização do TMO como - de acordo aliás com o que se passa noutras modalidades que usam novas tecnologias - permitir que o "capitão" tenha a possibilidade, em número previamente determinado de vezes, de apelar à visão de um lance pretendido. Como em casos idênticos ao que se passou com a decisão de Joubert e que evitaria a dúvida, consolidava o árbitro e teria impedido o disparate do comunicado. E a formação ordenada ou o pontapé de penalidade seria uma mera circunstância do jogo e falar-se-ia mais daquilo que importa: como é que não houve uma voz de comando escocesa - que pensou Laidlaw? - para garantir uma boa solução de conquista - primeiro de terreno e depois da bola - que evitasse o sufoco final?

Mas não é só aqui que termina a responsabilidade da WR para o caso Joubert.

Existe um princípio fundamental que se retira da Lei 11.1 b) e que se traduz genericamente por "nenhum jogador pode tirar qualquer vantagem da sua posição ilegal". O que significa que qualquer jogador que esteja em fora-de-jogo não pode participar no jogo até ser colocado de novo em jogo - por acção própria ou do adversário. Até aqui tudo bem.

Mas na  Lei 11.3 c) introduz-se um conceito em que se um adversário tocar intencionalmente na bola e não a agarrar colocará em jogo o jogador que, anteriormente, estaria em fora-de-jogo. E aqui é que a porca torce o rabo. Repare-se que com este conceito, um jogador que ficou para trás - dentro da área de 22 adversária, por exemplo - a apertar uma bota, pode ser colocado em jogo por um adversário que, ao carregar um pontapé, toque na bola e, satisfeito da vida, agarrar a bola e marcar ensaio. O que parece ser um rematado disparate porque para além de violar o princípio acima referido, faz com que o jogador que, legal, táctica e tecnicamente, procedeu correctamente corra um enorme risco. Ora a WR continua a fechar os olhos a esta questão que, aliás, é central no caso Joubert.

Na situação do jogo Austrália-Escócia, o árbitro Craig Joubert teve que julgar em milésimos se o australiano Phipps jogou ou não intencionalmente a bola. E em pior situação estava o pilar escocês Welsh que, no calor do combate, também tinha que resolver a mesma equação e decidir: agarro ou não a bola? E julga-se da intencionalidade com base em que critério? 

A pergunta: porque é que a WR mantém um conceito de excepção nas Leis do Jogo que abre portas ao subjectivo livre-arbítrio - teve ou não intenção? - e portanto a decisões que podem ser mal interpretadas mas com consequências graves no jogo? E se a esta situação juntarmos as múltiplas áreas cinzentas que se mantêm nas Leis do Jogo e que apenas têm um outro conceito subjectivo - a materialidade - para as resolver, fácil é perceber que, para bem do jogo e por respeito a jogadores e espectadores, deveria haver um movimento de simplificação e clarificação. Porque a interpretação subjectiva deve ser tanto quanto possível afastada da interpretação da legalidade. Para que haja equidade.

Apesar de ser, desde sempre, um jogo colectivo de combate, o rugby é cada vez mais rápido, com combates mais constantes e mais duros, decisões sob maior pressão e menos tempo e a complexidade das suas Leis do Jogo dificultam a sua execução e compreensão. O que contraria a pretensão da WR de desenvolvimento e extensão global.

Há tempos Steve Hansen, treinador principal dos All-Blacks, apelava para que se tornassem as regras do jogo mais simples sob pena de desinteresse dos espectadores. De facto inúmeras vezes os espectadores - e também os jogadores - não fazem a mínima ideia porque foi marcada determinada falta. E mesmo com conhecimentos do código gestual da arbitragem, ficam cépticos das razões.

Porque, repete-se, existem demasiadas áreas cinzentas que permitem o arbítrio subjectivo da interpretação do árbitro. O que em nada contribui para o crédito e prestígio do jogo ou para o respeito do papel do árbitro enquanto regulador. Papel que é essencial para que o jogo corra dentro do direito de igualdade de oportunidades e de comportamentos. 

Que este "Caso Joubert" em que o árbitro Craig Joubert é o menos culpado, possa levar a WR a assumir as suas responsabilidades, simplificando as Leis do Jogo para que haja uma maior clareza, simplificando o trabalho do árbitro e para que, assim, jogadores e espectadores possam dar total crédito às suas decisões. Para que o jogo da vitória e da derrota esteja no patamar da qualidade técnica, táctica e estratégica das equipas e não na arbitragem. Ganhava o jogo e os milhões de apaixonados do Rugby.



segunda-feira, 19 de outubro de 2015

RUGBY CHAMPIONSHIP EM LONDRES

As quatro equipas que constituem o Rugby Championship do Hemisfério Sul qualificaram-se para as meias-finais do Campeonato do Mundo 2015 que se realizarão no próximo fim-de-semana em Londres e  demonstraram à evidência uma regra do Desporto de Rendimento: o nível habitual das competições define a capacidade dos jogadores.
Os jogos foram bons e de grande intensidade - mesmo o desequilibrado Nova Zelândia-França teve momentos de se lhe tirar o chapéu. Por parte dos All-Blacks, claro.
A Argentina surpreendeu pela facilidade - mais aparente que real - com que construiu o resultado para derrotar a Irlanda recente vencedora do Europeu das Seis Nações. Mas a maior surpresa surgiu na forma como os argentinos encararam disciplinarmente a pressão imposta pelo adversário, ficando-se apenas por um cartão amarelo - mesmo se o árbitro foi simpático ao não mostrar um segundo que se traduziria em vermelho. E esse comportamento esteve na base da sua vitória - não há vitórias a este nível sem disciplina individual e colectiva.
A vitória da Argentina foi merecida e o seu desempenho foi de grande categoria ao fazer jus ao conceito de que o ataque é a melhor defesa, atacando a bola, atacando o espaço e vencendo os duelos da colisão. Uma alegria merecida para o trabalho e convicções de Daniel Hourcade.
Os All-Blacks cilindraram os franceses e puseram a imprensa gaulesa em alvoroço. Alguns perguntam mesmo se as duas equipas jogaram o mesmo jogo. E não deixa de ser intrigante - ou pretensioso apenas - que Saint-Andre tenha preparado a sua equipa para desafiar os neozelandeses no âmbito do conceito do "jogo de movimento". Como os franceses, no dia-a-dia do seu campeonato, já há muito lhe perderam o hábito, foi o que se viu: fogachos sem consequências. E foi tão mau que melhor fora que continuassem com o equívoco do jogo à moda sul-africana...
De facto o conseguido pela França não estaria muito longe do esperado como resultado de um processo interno desajustado à competição internacional - foco apenas no interesse de cada clube, tornado espécie de feudo e indiferença pelo representação nacional. Que, no entanto, enche os oitenta mil lugares do Stade de France. Mas que vem perdendo capacidade competitiva ao longo dos últimos anos: na era Skrela/Villepreux teve 64% de vitórias, com Laporte 63%, com Lievremont 60%, para cair em 45% sob a responsabilidade de Saint-Andre. E com o cúmulo de, nos seus quase 300 000 federados, ter de utilizar jogadores estrangeiros - 3 sul-africanos e um figiano - para formar a selecção nacional. Muito provavelmente esta derrota - ou pelo menos assim esperam aqueles que se lembram da qualidade do movimento do "french flair" - irá obrigar a repensar a organização, os objectivos e a focagem do rugby francês e a sua inserção no espaço europeu. Se assim fôr, a derrota constituirá um novo princípio que o rugby europeu agradecerá.
Quanto aos All-Blacks, estou com Clive Woodward: é um prazer vê-los jogar. Tudo na sua acção se move de acordo com os Princípios Fundamentais que formatam o jogo. E, pela formação que recebem, mostram que de cada especialista que as posições na equipa exigem nasce um polivalente capaz de se adaptar a cada situação de acordo com a posição no campo que ocupa a cada momento. E assim transformam o jogo, numa constante demonstração de apoio e convergência, numa permanente surpresa para adversários e delicia espectadores levando-nos a aproximar dos processos em que se baseiam. Com a clara certeza de que a bola viva cria mais problemas aos defensores que uma qualquer queda seguida de ruck.
Os jogos mais equilibrados tiveram como adversários Gales e a África do Sul e a Austrália e a Escócia. E se no primeiro o equilíbrio era reconhecido, no segundo, a Escócia esteve a um passo de conseguir uma surpresa formidável, explorando muito bem as dificuldades australianas de, sob eficaz e agressiva pressão escocesa, desenvolver o seu jogo de fases à largura do terreno de jogo e à espera da desorganizar a defesa adversária para explorar os desequilíbrios. Quanto a Gales - que ainda não é uma grande equipa por demasiado dependente de uma estrutura previamente estabelecida que a impede de se adaptar em tempo útil (veja-se o 15 contra 13 no jogo com a Austrália) ao situação do adversário, não conseguiu, pese as oportunidades de ensaio, ultrapassar o poder corrosivo da equipa sul-africana. Um pouco mais de liberdade de movimentos e aceitação do risco de acções individuais - só Biggar parece, de momento, disso capaz - poderão trazer Gales de novo para o pódio do rugby internacional. Mas foram uns heróis na capacidade defensiva montada por Shaun Williams - a terceira linha fez 59 placagens a que se juntam ainda 19 do base Wyn Jones
Apesar dos erros dos árbitros que tiveram influência nos resultados - Barnes não viu os mergulhos de dois sul-africanos no ruck e entregou-lhes a introdução da formação ordenada, que permitiu o ensaio da vitória; Joubert não percebeu (para além do fora de jogo australiano num alinhamento rápido no final da 1ª parte) que a bola terá tocado em último lugar num australiano e portanto não terá havido fora-de-jogo escocês e a penalidade que permitiu a vitória não deveria existir - e admitindo que estes erros são sempre possíveis mesmo com TMO, os jogos terminaram com vencedores e derrotados. Uns seguem e outros voltam a casa. 
Facto, facto, é que, quer Gales, quer a Escócia, tiveram a vitória nas mãos e deixaram-na fugir por entre os dedos com erros grosseiros. Mas no final do jogo com o oxigénio a rarear para manter a lucidez cerebral e quando os jogadores já se encontram no limbo do modo piloto-automático, estes erros acontecem. E definem, quantas vezes, um jogo. 
Principalmente se - como também aconteceu com a Inglaterra que na última oportunidade de marcar pontos utilizou o primeiro saltador para captar a bola no alinhamento e assim facilitar a defesa galesa que empurrou o maul para fora - as coisas não foram previstas, conversadas e treinadas. A Escócia a vencer o jogo e nos minutos finais teve um pontapé livre que deveria ser chutado comprido e para fora, ganhando assim tempo, terreno nas costas e organização; chutou de facto comprido mas para dentro do campo permitindo que o contra-ataque australiano voltasse ao meio-campo escocês. Não satisfeita com isto ainda decidiu lançar a bola no alinhamento que se seguiu para o final e não para o seu melhor saltador para garantir conquista e controlo. E o resultado foi um falhanço, penalidade e derrota.
No 89 para a esquerda que se seguiu à rotação da formação ordenada sul-africana, o ponta galês Cuthbert em vez de se manter no seu corredor defensivo, dando tempo para a recuperação da organização defensiva da sua 3ª linha e uma vez que o seu médio Lloyd Williams mantinha o Nº8 Vermulen seguro por uma perna, impedindo-o de avançar, resolveu ir "ajudar" o seu companheiro num monumental erro de apreciação de que resultou um (brilhante) passe em carga, corrida de Du Preez em corredor livre, ensaio e vitória! E tudo poderia ser diferente se Cuthbert tivesse aguentado o seu tempo de acção onde já contaria com Tipuric ou Faletau a fechar o espaço.
Ou seja, mesmo que tenha havido erro dos árbitros e por mais que custe aos adeptos - a de Gales, custou-me - a derrota nos momentos finais, apenas resultaram de erros das equipas. Resultantes das vicissitudes do próprio jogo. Venham as meias-finais.

sábado, 17 de outubro de 2015

UMA APOSTA

Gráfico retirado do jornal francês Libération  que nos desafia a escrever o nosso prognóstico 

Os All-Blacks vão ser de novo campeões mundiais depois de vencerem a Austrália na final e de terem vencido Gales nas meias-finais.
Se assim for, Gales terá feito um notável Mundial depois de ter visto cair pelo caminho uma série de notáveis guerreiros que lhe limitam as capacidades.
Também, embora com pena, penso que a Argentina não ultrapassará a Irlanda - a agressividade dos irlandeses nos breakdowns - hoje em dia muito do ganhar ou perder passa por esta fase do jogo - vai levar os argentinos a cometer faltas e a, muito provavelmente, serem castigados com amarelos. E se a isto se juntar a atenção do árbitro a impedir a tendência argentina de sair em fora-de-jogo, o dia não lhes será nada fácil.
A Austrália, com uma "formação ordenada à argentina", umas linhas atrasadas admiráveis, com os reis do breakdown, Pocock e Hooper, e uma organização defensiva exemplar como mostrou contra Gales, não deverá passar por grandes tormentos para chegar à final, face aos adversários que terá pela frente.
Gales tem hipóteses de ganhar à África do Sul - pelo menos gostaria que assim fosse - porque, para além da sua capacidade colectiva de combate, tem ainda Dan Biggar, exímio chutador aos postes mas também excelente manobrador do jogo e com faro especial - 2º ensaio contra a Inglaterra - para fazer chegar a bola rapidamente ao companheiro com espaço aberto na sua frente. Provavelmente, na luta tremenda que vai acontecer, a precisão dos pontapés aos postes vão definir o vencedor num resultado muito apertado.
Já se sabe, a França é capaz de tudo: de um péssimo jogo de permanente colisão e de, num repente, abrir os livros da memória e conseguir espantar o mundo. É verdade mas com muita mitologia à mistura: hoje em dia o XV francês não parece mentalmente apetrechado para responder com "finesse" ao molde da força em que está inscrito. E assim sendo, os All-Blacks, sem memórias ou preocupações de 1999 ou 2007, mostrar-se-ão mais fortes.
Estas são as minhas apostas num despique Norte/Sul muito equilibrado cujos resultados finais resultarão muito mais de particularidades do jogo do que de análises às qualidades de uns e outros. São os quartos-de-final de um Campeonato do Mundo e o melhor, como propõe Ricardo Costa num excelente artigo publicado no Expresso on-line, é prepararmo-nos para um fim-de-semana de oito horas no sofá.

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

VISTO NO MUNDIAL

Terminada a fase de Grupos - excelente, aliás - a fase da verdade do "bota-fora" vai começar com muito boas perspectivas de interessantes jogos. 
Da primeira fase ficam-nos momentos memoráveis: a inesperada e notável vitória do Japão sobre  a África do Sul com a decisão-limite de ir à procura do ensaio e que marcaria, para o bem e para o mal, as decisões de outras equipas; a vitória de Gales sobre a Inglaterra numa demonstração de que o "fighting spirit" pode ser, mais do que uma particularidade irlandesa, uma característica celta e que Dan Biggar tem direito a fotografia, mantendo a tradição galesa de Barry John, Phil Bennett e outros, na galeria dos melhores aberturas mundiais; a derrota da Inglaterra com a Austrália com o melhor ensaio da fase e de que resultou a inesperada eliminação da organizadora Inglaterra; o jogo Austrália-Gales que possibilitou uma lição defensiva dos australianos (serão celtas?) que se baterem, diminuídos de 2 jogadores, "uns pelos outros" como disseram no final e conseguiram impedir que o sistema Warrenballs marcasse o ensaio decisivo - quem lá esteve disse-me que era impressionante o empurrão do público num walles!walles! gritado a plenos pulmões cada vez que havia uma formação ordenada; o terceiro-lugar, com apuramento para o Japão 2019 do nosso adversário europeu, a Geórgia, que, ao contrário da Roménia, mostra um rugby poderoso mas já capaz de utilizar a bola sem recorrer em permanência a colisões e procurando um alargado jogo de passes; o variado jogo de passes de algumas equipas com mudanças de sentido e retorno em cima da defesa para conseguir o intervalo de passagem numa exigência participativa que leva o sentido colectivo ao extremo. E na memória ficará também a escolha francesa, esquecida do "french flair", a comportar-se como sul-africanos incapazes de descobrir a porta aberta para bater permanentemente contra a parede - fisicalidade que o jogo de movimento dos irlandeses não temeu - pesem as lesões - e venceu.   
Fundamentalmente a primeira fase deste Mundial mostrou uma maior aproximação dos países vulgarmente designados por Tiers 2 dos mais poderosos. Aproximação que se viu quer nos resultados quer no jogo demonstrado. Esta aproximação teve ainda a enorme vantagem de não defraudar o público pagante - e são caros os bilhetes... - que acorreu em massa (o número de 1,9 milhões de espectadores é impressionante).
Do ponto de vista do que se viu nos jogos, nós portugueses, para continuar na cena internacional com resultados que nos possam garantir um lugar nos 25 primeiros do ranking mundial, podemos e devemos aprender, apetrechando-nos com as ferramentas necessárias, com a mostra que este Mundial proporciona. O que significa mudar o rugby a que nos gostamos de habituar, esquecendo estruturas demasiado rigídas e seguindo as tendências da adaptação ao adversário - e o jogo do Japão deve ser escrotinado ao mais infímo pormenor - "não somos muito grandes por isso nos alinhamentos contamos com a velocidade do salto.", dizem para explicar a adaptação do seu jogo às suas características e caoacidades. Porque a verdade é esta: pelo que se viu e embora se deva reconhecer que as equipas tiveram meses de preparação, Portugal não tem de momento condições de se bater vitoriosamente com nenhuma das vinte equipas presentes - embora quatro delas sejam do "nosso" campeonato. Razões? Acima de tudo a falta de competitividade interna que não nos deixa aproximar da intensidade necessária ao nível internacional. Esquecidos da lição de Séneca de há vinte séculos de que "um atleta não pode chegar à competição muito motivado, se nunca foi posto à prova" ou, como escreveu Duarte Pacheco Pereira à volta de mil e quinhentos, de que "a experiência é a madre das cousas, nos desengana e de todas as dúvidas nos tira", temo-nos afastado das exigências que a competição internacional impõe.
A intensidade dos jogos deste mundial tem sido enorme - a média das ultrapassagens das linhas de vantagem é de 60%, com uma média de 95 placagens e 3 ensaios por equipa e por jogo (as equipas do Tiers 2 - nossos adversários - ultrapassaram a LV em 55% da suas posses de bola, marcaram 1,4 ensaios por jogo e placaram eficazmente uma média de 94 vezes enquanto que Portugal, nos quatro jogos do último Europeu, não atingiu mais do que 40% de ultrapassagens da linha de vantagem, placando 88 vezes em média e por jogo e marcando 1 ensaio por cada jogo. Resultados obtidos sem que, ao contrário dos mundialistas, houvesse qualquer confronto com o Tiers 1).
O treinador All Black campeão mundial, Graham Henry, ensinou que o jogo de rugby era uma corrida pela linha de vantagem. E, porque assim é, o que vimos foi a rapidez de ataque à bola - os passes eram recebidos na linha da conquista apesar da subida das defesas (o rugby é também uma corrida de estafetas para que a conquista de terreno seja eficaz) a obrigarem os atacantes a jogar (e passar) na cara do placador - o que exige treino adequado na preparação e nas experiências competitivas. Ou seja, hábitos que só a competição possibilita.
Apesar da velocidade com que as acções eram realizadas, a convergência - o movimento da bola "comanda" o movimento dos jogadores - foi, ainda assim, possível. Ou seja: embora mais difícil por mais rápida, a capacidade colectiva de leitura da defesa e imediata adaptação, bem como a focagem no portador e seu movimento, permitiu convergências sobre o portador da bola e garantiu rápidas recepções ou "breakdowns" a não deixar a defesa reorganizar-se. E, quantas vezes, permitindo a manutenção da vida da bola - passes em carga, passes antes do contacto, passes antes de chegar ao chão ou, até "chestings" - mantendo a continuidade da sua circulação, garantindo a dificuldade de reorganização defensiva e, portanto, explorando os desequilíbrios conseguidos. Em sequências entusiasmantes a mostrar a beleza deste nosso jogo.
Mas para que este tipo de jogo -  de movimento que diversas equipas mostraram ser capazes de utilizar - seja bem sucedido, torna-se absolutamente necessário a disposição dos jogadores para "jogar sem bola". E essa preocupação foi constante dando-nos, a nós espectadores, a possibilidade divertida de ver movimento colectivo em cada jogada com o aparecimento em tempo útil de jogadores disponíveis. As equipas, sem excepção, mostraram, à saída dos balneários, que traziam um plano de acção elaborado e treinado para explorar com os seus pontos fortes, os pontos fracos adversários. Mas não um plano limitador ou castrador da assumpção de riscos e sim uma aposta no uso da bola para chegar ao objectivo ensaio. O que transformou o jogo e explica muito da qualidade do nível atingido. 
Neste fim-de-semana, num quase sessões contínuas, um tira-teimas Norte-Sul. Emocionante!

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