domingo, 21 de junho de 2020

O AOTEAROA SUPER RUGBY

Realizadas duas jornadas do Super Rugby Aotearoa (Nova Zelândia em maori) fica a certeza do notável trabalho de preparação realizado pelos responsáveis das equipas. Com dois meses de paragem e um de preparação e também sem quaisquer jogos de adaptação  — no fundo tal e qual o sucedido no futebol português — veja-se o elevado nível de intensidade e qualidade técnica atingidos (e compare-se com o futebol português em que os jogadores se mostram longe da forma habitual e em que o jogo parece desenrolar~se entre o parado e o quieto). A metodologia processual utilizada mostra-se eficaz e deveria ser analisada. Porque o resultado é eficaz: tempo útil de jogo elevado e intenso, resolução técnica dos problemas e demonstração de qualidade colectiva com o apoio a garantir, em bola para dentro, bola para fora, a continuidade do movimento. Muito interessante.
Tecnicamente os jogos aproximam-se do melhor nível: em quatro jogos a média de formações-ordenadas foi de 7,5 ( 6+9+10+5) com qualquer jogo abaixo do número habitual e com a curiosidade da primeira formação entre Chiefs e Blues ter acontecido apenas aos 25’ da primeira parte. O número de ensaios foi de 19 (5+6+2+6) para alegria dos milhares de espectadores que, encontrando-se a Nova Zelândia na fase I da pandemia, já puderam assistir aos jogos ao vivo. Como curiosidade o facto de os quatro jogos terem sido vencidos pelas equipas que tiveram menor posse de bola e menor domínio territorial. Como facto estranho — talvez que os ataques ainda não consigam desenvolver-se com a velocidade suficiente para não permitirem a desmultiplicação defensiva, o facto de as equipas derrotadas, com excepção dos Crusaders, terem conseguido um maior número de ultrapassagens da linha-de-vantagem. 
A maior dificuldade das equipas mostrou-se na adaptação ao rigor das arbitragens que receberam instruções para não facilitar nas situações de breakdown e de foras-de-jogo. E aí sim, houve um número exagerado de penalidades mas foi visível o facto de que, logo que este rigor esteja assimilado pelos jogadores, que o jogo vai ser mais fluído e por isso mais interessante. De facto a forma como os árbitros deixavam subir as defesas em nítidas posições de fora-de-jogo, não permitia desenvolver o jogo atacante — e já deu para perceber a diferença...
No jogo de ontem entre os Hurricanes e os Blues choveu o suficiente para dar cabo de qualquer jogo — não se notou, os passes tinham quase a qualidade habitual embora daí tivesse resultado um maior número de adiantados de todos os jogos das duas jornadas.
O obrigatório jejum começa a estar, com estes jogos, minorado e o prazer de ver bem jogar tem sido enorme.Pena é que a SportTV apenas transmita um jogo por semana, o de sábado — o que significará que apenas veremos os Crusaders daqui a quinze dias...      

quinta-feira, 11 de junho de 2020

PORQUE NADA ALTERAM AS ALTERAÇÕES?

"Só se deveria jogar quando fosse 100% seguro"
Rafael Nadal, tenista

Porque é que as alterações às Leis do Jogo propostas pela World Rugby nada alteram?

Por uma razão simples: porque não eliminam o risco de infecção — ou sequer diminuem — não passando assim de areia atirada aos nossos olhos para contrabandear uma outra coisa.

De facto estas propostas de alterações têm um único objectivo: aumentar o tempo de jogo útil. Porque o que realmente resulta não é mais do uma diminuição do número de repetições de FO — algumas atingem 3' — ou das possibilidades da sua escolha  e uma proposta de um outro tipo de Maul que permitirá um jogo mais dinâmico e, logo, mais interessante para os espectadores.

Então isso, só por si, não altera nada? Altera...

...mas não altera nada do que era suposto alterar: a criação condições para que o Rugby seja jogado na actual situação de pandemia do COVID-19.

Ou seja, a World Rugby — nunca clarificando que jogar Rugby representa um enorme risco na actual situação — serviu-se de um truque baixo para nos enganar.

Sabendo que todos nós — jogadores, treinadores, dirigentes, agentes —  estamos ansiosos por ver o jogo voltar, lançou-nos uma armadilha em que alguns, eventualmente mais distraídos, caíram.

Analisando as alterações propostas tendo como pano de fundo a pandemia COVID-19 e as suas consequências, percebemos que não valem nada porque não servem o objectivo principal que permitirá abrir os campos ao rugby: redução absoluta do risco de infecção.

E continua claro como água pura que o rugby não é jogo possível sem que os casos infecciosos atinjam, pelo mundo fora, o nível zero. Porque, para além da infecção por infectados existe o tenebroso inimigo dos assintomáticos — aqueles que, não fazendo a mínima ideia que estão infectados, são "transmissores clandestinos". Que sendo desconhecidos, são os mais perigosos. A Organização Mundial de Saúde é clara: os jogos de contacto são de Alto Risco!

E agora imagine-se o que se pode passar dentro do campo de um jogo de permanente contacto em placagens, formações-ordenadas, mauls ou rucks...

Claro que existem excepções para esta impossibilidade de jogo. São excepções de grupos de elite, altamente profissionalizados que se podem organizar por forma a garantir todos os necessários controlos para detectar, junto de todos os intervenientes e das suas famílias, eventuais infectados. O que exige uma enorme capacidade organizativa e financeira das organizações desportivas...

De facto, não vale a pena, enquanto a situação pandémica não estiver controlada, analisar as propostas da World Rugby porque elas pertencem a um outro quadro. O importante mesmo é salvaguardar possíveis cadeias de transmissão, não autorizando a abertura da enorme maioria dos jogos da modalidade.Porque a saúde colectiva está primeiro!...

terça-feira, 2 de junho de 2020

ALTERAÇÕES QUE NADA ALTERAM

COVID_19 Temporary Optional Law Trials, May 2020
As 10 Leis Opcionais Temporárias propostas pela World Rugby para fazer face à COVID-19, para além de mostrarem o princípio do fim do maul, não resolvem o problema fundamental: o jogo do Rugby não é — por mais que nos possa custar — compatível com a existência de possíveis infecções que se transmitam pelo ar que respiramos. Ou seja: o Rugby que conhecemos não pode e não deve ser jogado antes da existência de vacinas ou medicamentos que controlem a propagação da COVID-19 com excepções de poucos casos pontuais. Casos esses que exigem um controlo constante, testando sistematicamente os protagonistas em momentos muito próximos do jogo e obrigando, provavelmente, a pedidos de quarentena de todos os agentes intervenientes. Situação, portanto, só possível para grupos restritos e determinados, isto é, para um reduzido grupo de Alto Rendimento que, jogando em estádios sem público, verão o seu jogo ser transmitido para as televisões de todo o mundo, potenciando assim receitas que ajudarão a modalidade a ressurgir no pós-pandemia. É o que vai acontecer na Nova Zelândia a partir do dia 13 de Junho com 5 equipas constituídas pelos melhores jogadores neozelandeses — as "franquias" — a disputarem um torneio designado por Super Rugby AOTEAROA que durará 10 semanas com 20 jogos, envolvendo entre 150 a 200 jogadores num universo de 150 mil jogadores e num país que, até agora, teve apenas 4 óbitos por milhão de habitantes (em Portugal existem, para o mesmo milhão de habitantes, 141 óbitos).

A World Rugby que tem produzido alguns documentos normativos para o retorno do jogo, decidiu através do seu grupo Law Review Group, introduzir 10 alterações experimentais às Leis do Jogo para o adaptar à actual situação pandémica. Mas não creio que tenham conseguido alterações eficazes — se é que, mantendo o jogo como o conhecemos e para além de um ou outro pormenor, o jogo pode ser adaptado... porque:
  • A Formação Ordenada, ultrapassando a visão imediatista de uma prova de força, é essencial para, juntando 18 jogadores dos 30 em campo numa reduzida área, permitir terreno livre para que os ataques tenham espaços para ultrapassar as defesas — e é por assim ser que se considera que uma equipa capaz sabe ser eficaz no 1º tempo de jogo. Mas a Formação Ordenada é também o principal factor de risco numa situação como a actual — de facto, 14 jogadores respiram o ar uns dos outros a poucos palmos de cada cara;
  • Afirma a World Rugby que, com as suas propostas, diminuirão o número de Formações Ordenadas. Claro que sim uma vez que não se efectuarão repetições de FO (substituídas por pontapés-livres), não haverá opções por FO nos pontapés de penalidade ou livres nem haverá FO a 5 metros da linha-de-ensaio por eficácia defensiva sobre o portador da bola ou por este ter deixado cair a bola substituída por um pontapé-de-ressalto sobre a linha-de-ensaio — por acaso idêntica ao Rugby League...).
Mas estas alterações não retirarão a FO do jogo, portanto, mais do que fazer diminuir o risco de contágio, limitam-se a diminuir o desgaste físico dos avançados... Ná... o elevado risco de contacto com infectados continua lá.

E inventaram ainda um "pé-travão" do talonador cuja função é, dizem, equilibrar a formação-ordenada — não percebo a função (uma vez que continuam a existir pilares) e, pior!, não vejo como poderá ser arbitrado, tornando-se mais uma zona de discricionariedade. E também receio que venha a provocar lesões ao único jogador que tem, para além de exercer força, a obrigatoriedade de se movimentar.

Para evitar o contacto provocado nos Mauls, principalmente nos Alinhamentos, propõem que só possam formá-lo os jogadores que já lá estejam... De imediato se pode perceber que 4 jogadores estão em condições de pertencer ao Maul... mas um 5º jogador torna-se em mais um problema para o árbitro: chegou antes ou só depois? Tacticamente este conceito vai estabelecer, através de um inicial "pass and go" uma série de rucks porque será necessário concentrar jogadores defensores. Dir-se-á: é mais interessante do que o fu...ing rucking maul. Certo, mas o contacto próximo e com duração não foi evitado... e o vírus pode estar lá.

E já não vale a pena falar no Cartão Laranja porque exige vídeo-árbitro e não se aplicará aos jogos em Portugal. Já a designada choke-tackle — essa espécie do velhíssimo "tenu"  — uma situação que tem por objectivo manter o portador da bola de pé para que possa ser criado um maul mas, com a bola "asfixiada", isto é, não jogável, procurando a equipa defensora conquistar a introdução da bola na FO subsequente e que pretendem que passe a placagem para obrigar o portador da bola a jogá-la ou largá-la, faz-me uma enorme confusão. Não lhe vejo utilidade: se agarrar ao pescoço, gravata, é falta; se o agarrar daí para baixo só se torna placagem, de acordo com as Leis do Jogo, se o portador-da-bola e placado forem, conjuntamente, ao chão. Então para quê mais confusão?

De todas estas pretendidas alterações ressalta, para além do sofisma em que assenta, uma evidência: o resultado dos jogos vai ficar mais dependente do critério dos árbitros. O que é um disparate! Vale que deverão ter a vida curta: a Nova Zelândia, a Inglaterra e Gales já disseram que não aplicarão nenhuma das propostas.

Espero que aqui em Portugal também não sejam aplicadas — porque induzem a uma falsa sensação de segurança e a realidade deve ser esta: o Rugby não pode ser jogado enquanto o controlo da pandemia não for absoluto. Para bem de todos e da nossa saúde.

Arquivo do blogue

Quem sou

Seguidores