domingo, 30 de agosto de 2020

SE NÃO PODEMOS JOGAR ESTE, JOGUEMOS PARECIDO

A Direcção-Geral de Saúde classificou o Rugby no domínio da actual pandemia como uma modalidade desportiva de “Alto Risco”. E, por muito que nos custe, classificou bem para uma pandemia que se transmite por inalação de gotículas respiratórias e que vive, portanto, do contacto próximo com pessoas infectadas. Com a agravante de muitos dos transmissores serem assintomáticos, isto é, não apresentarem sinais evidentes de infecção.

Assim sendo, é natural que um desporto colectivo de combate com permanente luta directa pela posse da bola e conquista do terreno e que vive muito da proximidade entre jogadores companheiros e adversários, seja considerado como de elevado factor de risco. E portanto, obrigado a testar os seus jogadores.

O fluxograma que se apresenta seguidamente foi realizado tendo em atenção distâncias e tempos mínimos de segurança aplicáveis a modalidades desportivas (1 metro e 3 segundos) para catalogar os riscos das diversas acções que se caracterizam da seguinte maneira: quanto mais próximo e durante mais tempo se está de um adversário, maior é a possibilidade de se vir a ser infectado. O que demonstra, para que o risco não atinja o nível da estupidez, a necessidade da existência de testes que proporcionem a necessária confiança ao fazerem diminuir a possibilidade de infectados dentro do campo de jogo. Porque o objectivo, sendo o Desporto uma actividade de risco — e no Rugby esse risco é evidente — é que se impeça a sua ampliação.
Definidos os níveis de risco de cada uma das acções é possível, recorrendo às estatísticas do jogo, distribuí-los pelas diferentes posições da equipa e verificar da sua repetição tendencial.
Como se pode verificar, existem três acções de Risco Alto em que todos os jogadores da equipa podem vir a participar: Colisões, Placagens-ao-Tronco, Mauls ou Rucks. Os Avançados, números 1 a 8, juntam especificamente e à operação de Alto Risco que constituem as Formações Ordenadas, a acção Alinhamento que coloca face-a-face suficientemente próximo e por demasiado tempo (mais de 3 segundos) jogadores de ambas as equipas, obrigando-os a um Risco Médio. Por outro lado qualquer dos jogadores que constituem a equipa pode ver-se envolvido nas acções de Risco Médio como Placagens Baixas ou acções do Pós-Placagem. 
A partir daqui é possível — desde que haja acesso a estatísticas fiáveis que caracterizem o jogo e que o Rugby português não tem ou não disponibiliza (utilizaram-se as da RFU) — determinar o tempo de exposição que cada jogador terá em média a situações de risco. O que demonstra bem o grau de perigosidade a que os jogadores ficarão sujeitos se não houver a garantia de obrigatoriedade de anterior e sistemática testagem — é bom lembrar que o grupo etário dos 20/29, o dos jogadores-seniores — tem um total actual de 8922 infectados que representam 16% do total nacional (o grupo etário a que pertenço, 70/79 anos, representa, como termo de comparação, apenas 7% do total nacional). Este grupo dos vintes constitui, principalmente porque sofrem, ao que se julga, poucas ou nenhumas consequências, um grupo transmissor que coloca em verdadeiro perigo os seus contactos “seniores” (+65 anos) familiares ou não. Portanto, o rastreio dos jogadores para garantir a eliminação de possíveis contactos contaminadores é fundamental!
Note-se que a 3ª Linha ao acumular um tempo superior a 15’ nas suas 74 acções de Risco Médio atinge, só por isso e como determina o primeiro quadro, o Risco Alto 
Mas aqui surgem dois problemas que enviabilizam o sistema e que fazem com que não seja cumprível o determinado pela DGS.
Por um lado os clubes de rugby, por poucas ou nulas receitas,  não suportam o acréscimo dos custos necessários à realização dos testes exigidos para os 23 jogadores da categoria sénior e que poderão entrar em cada jogo (DGS, Orientação 036/2020, ponto 18 e Anexos 2 e 3); por outro, sendo o Rugby em Portugal amador, ou seja, os seus jogadores têm outras actividades diárias que não lhes permitem — como acontece com jogadores profissionais — um “confinamento” entre o espaço controlado do clube e a casa de família também ela vigiada e controlada. Antes de cada jogo não há estágios e os testes, 48 horas antes, são seguidos de contactos diversos e nem todos controláveis, donde com possibilidades de infecção, podendo um qualquer jogador, qual homem invisível, apresentar-se em campo assintomaticamente infectado e contaminar outros. A segurança para o Desporto amador só será conseguida, como parece óbvio, quando estiverem disponíveis testes rápidos e a baixos custos que permitam que entre o conhecimento dos resultados e a entrada em campo não exista intervalo suficiente para contactos externos ao grupo testado.
Infelizmente a realidade nua e crua é esta: o Rugby, como o conhecemos, não pode, neste momento de pandemia, ser jogado em Portugal! 
Então não pode haver mais Rugby até que haja uma vacina ou que estejam disponíveis testes de rápido resultado? Pode, se modificarmos o jogo de forma a diminuir o risco da sua prática e poder enquadrá-lo no Risco Médio da classificação da DGS onde, havendo menos riscos, os custos serão mais facilmente suportáveis.
O objectivo que temos que ter, tendo em atenção as participações internacionais onde precisamos de resultados que nos permitam atingir metas sonhadas, será a de que o jogo a construir terá que garantir  a permanência de factores que não desvirtuem ou alterem as necessidades técnicas e o pensamento táctico do jogo real, isto é, que sejam mantidos os Princípios Estratégicos Fundamentais de Avançar Sempre!, Apoio, Continuidade e Pressão bem como as especificidades técnicas que caracterizam o futuro. E para que haja projecção no futuro a placagem tem de ser mantida! 
Mas não vai manter-se tudo igual ao que está.
Lendo os quadros apresentados e com o objectivo definido de enquadramento nas actividades desportivas de Risco Médio, concluímos que a necessidade de alteração está, essencialmente, nas acções de Risco Alto. Assim e como possível proposta:
— a Formação Ordenada tem que ser substituída por um acção sem qualquer contacto físico face-a-face, mas que seja capaz de juntar 16 jogadores num tão quanto possível reduzido espaço de terreno para permitir a existência de intervalos possíveis de ataques. Claro que 
Proposta de alteração da FO
as equipas, preparando o futuro, terão que apresentar o número regulamentar de pilares e talonadores certificados quer pelos seus jogos na posição em épocas anteriores quer por grupo técnico federativo. Uma hipótese de alteração da formação habitual poderia ser esta que se apresenta: cada 1ª linha colocar-se-ia à distância de 50 cm da marcação do árbitro e de costas para o campo do adversário. Os restantes 5 elementos de cada equipa posicionar-se-iam à distância de um braço estendido, para a frente e lado, a partir da colocação de 4 e 5 na projecção dos intervalos entre talonador e pilares. Todos os jogadores, com excepção do Nº8 da equipa introdutora que ficará de pé, formarão com um joelho e uma mão no chão e com a outra perna dobrada pelo joelho. As 3 vozes do árbitro seriam: Braços, Joelhos, Joga!. A esta última voz, o 9 introdutor passará a bola para o seu Nº8 que a coloca no chão atrás de si e que a poderá jogar, transportando-a ou passando-a, desde que lhe dê um toque com o pé ou deixará que o seu formação a utilize, correndo e transportando-a ou passando-a. O médio-de-formação defensor só pode ultrapassar as "suas" linhas de fora-de-jogo — a linha média da formação-ordenada ou a linha que passa pelo último pé do seu Nº8 — depois da bola ter sido colocada no chão. O fora-de-jogo dos restantes jogadores não participantes na formação-ordenada seria diminuído para 3 metros contados do último pé dos jogadores da sua equipa;
— as Colisões só poderão ser feitas com o ombro e o braço adiantados fazendo com que o contacto — cumprindo, aliás, a regra técnica de afastar a bola do defensor — se faça de perfil, eliminando assim, ou diminuindo muito, a interacção face-a-face;
— as Placagens ao tronco passarão a ser ilegais, sendo a placagem  apenas permitida até à altura da cintura do placado, diminuindo em muito o risco do face-a-face que existe na versão regulamentar actual. Manter-se-á, claro está, todo o controlo disciplinar definido (cartões amarelos e vermelhos e penalidades) para placagens altas;
— o Maul, pelo prolongado face-a-face que permite, não será autorizado. O que levará a alterações no Alinhamento que deverá ser jogado com um mínimo de 5+1 jogadores (excepto nos lançamentos rápidos) e que deverão estar todos virados de frente para a linha lateral - o apoio frontal ao saltador, que continua a poder ser elevado, vai exigir um rápido e sincronizado movimento... Os jogadores da equipa que não conquistou a bola só podem avançar para além da linha de lançamento ou deslocar-se lateralmente, ultrapassando a linha-de-15 metros, depois da bola ter sido passada ao “formação” pelo conquistador que o deve fazer de imediato;
— os Rucks que são formações-expontâneas, não podem existir pelo contacto praticamente face-a-face, de grande proximidade e tempo normalmente superior a 3 segundos que provocam e devem ser substituídos pelas formas de Pós-placagem (ver ponto seguinte) com a chegada do terceiro-jogador a criar linhas de fora-de-jogo determinadas pela distância de 5 metros da Linha-de-Vantagem. A bola não é disputada e pertencerá à equipa do terceiro-jogador que primeiro toca a bola com as mãos;
— a Pós-placagem, que não poderá ser constituída por mais de três jogadores - o placado, o placador e um outro jogador que terá sido o terceiro elemento a chegar. A partir do momento que o terceiro elemento toca com as mãos na bola, ficam definidas as linhas de fora-de-jogo e a bola não é mais contestável (a bola é portanto conquistada pela equipa cujo jogador foi mais rápido na chegada ao ponto da placagem). A bola pode ser movimentada quer pelo referido terceiro jogador quer por um "formação" que terão 3 segundos para o fazerem.
— as Bolas utilizadas no jogo devem ser mudadas e desinfectadas sempre que tocadas por elementos estranhos às equipas ou à organização dos jogos.
Para as outras categorias - e eventualmente para as outras divisões que não a principal e que não têm em vista as exigências da competição internacional - o jogo, evitando a existência de contacto, deverá estar enquadrado no velho Bitoque ou no inglês Ready4Rugby (o TagRugby é de Risco Alto pelo contágio que pode resultar do manuseamento das fitas utilizadas), podendo então o jogo competitivo vir a ser qualificado como de Risco Baixo.
Em conclusão
Na actual situação pandémica o Rugby, pelas suas características de combate e contacto, só pode ser jogado com a garantia de que os seus actores — jogadores, equipas técnicas, médicas, administrativas e auxiliares — não estejam infectados de alguma forma. O que significa a sujeição obrigatória a testes prévios e pelo número de vezes que se entenda necessário para cada caso. Ora o Rugby português não tem condições financeiras para esta quantidade de testes e a actual diferença temporal entre a sua realização e a obtenção do seu resultado não representa, pela qualidade amadora da modalidade que permite a continuidade de contactos exteriores à equipa, segurança suficiente. Assim é forçoso, para que se possam efectuar jogos, que haja uma adaptação das regras e das acções de forma a minimizar os riscos de infecção, diminuindo o tempo de contacto e evitando as interacções face-a-face. Para o que se propõe a eliminação temporária das Formações Ordenadas, dos Mauls e dos Rucks, bem como a adaptação das acções de Colisão, de Placagem, de Alinhamentos e de Pós-placagem e de um controlado uso das Bolas em jogo.     
Com alterações do tipo das propostas apresentadas, será provavelmente possível alterar o estatuto de risco da modalidade, baixando-o e tornando mais viável o cumprimento das obrigações sanitárias. Pena é que se tenha — por óbvia falta de noção daquilo que é a preparação desportiva — demorado tanto tempo a tomar decisões, contribuindo assim para uma nova e maior dificuldade: o pouco tempo de adaptação, técnico, táctico e disciplinar que jogadores e árbitros terão para as diferentes formas com que irão jogar. O que, para além do longo tempo de paragem já sofrido, vai, ampliando o tempo de adaptação, diminuir ainda mais a qualidade técnica do jogo.
Porque o Rugby português é amador, tem poucas receitas e ainda porque se trata de um jogo de contacto permanente, o quadro dos resultados dos testes obtidos nas 48 horas anteriores não representará, necessariamente, a realidade infecciosa das equipas em cada jogo, não sendo, por conseguinte, suficientemente fiáveis para garantir a confiança necessária para a representação do jogo tal como o conhecemos. E é por essa falta de fiabilidade que se propõe estas alterações. Porque estando enquadrados internacionalmente temos que garantir, respeitando as competições em que participámos, que nos podemos preparar o melhor que nos seja possível. Respeitando o legado que representamos!

Nota: se perceber que vale a pena ou a isso solicitado, apresentarei uma proposta mais cuidada das alterações do jogo para esta fase pandémica.

sexta-feira, 21 de agosto de 2020

CRUSADERS CAMPEÃO EM JOGOS DE ALTO NÍVEL

Terminou o Super Rugby Aotearoa [país da grande nuvem branca em Maori] com a vitória dos Crusaders. A qualidade do rugby praticado foi de elevado nível — apenas inicialmente houve alguma desadaptação em relação às novas exigências legais do jogo no chão — como tivemos possibilidade de ver nas transmissões da SportTV.
Por razões da objectiva política da 1ª Ministra Jacinda Ardern — que, por isso, ainda teve que responder publicamente ao ignorante do sr. Trump — a prova teve menos um jogo (Blues-Crusaders os, mesmo assim, 1º e 2º classificados) uma vez que Auckland, cidade onde se realizaria o jogo, estava confinada pelo aparecimento de novos 4 casos de infecção depois de 102 dias sem qualquer transmissão. O outro jogo desta 10ª jornada pôde realizar-se — por se realizar na parte país que está no nível 2 —  mas apenas com autorização para a presença de 100 espectadores, sendo assim possível a presença dos familiares dos jogadores da casa.
A qualidade e o equilíbrio competitivo da prova foi quase permanente como se pode verificar pela relação de 64% entre os pontos de bónus defensivos (PBd) obtidos — 9 no total dos 14 pontos de bónus. E porque como os pontos de classificação nem sempre demonstram o que aconteceu no jogo, vale a pena olhar para a equipa dos Chiefs — a equipa de Warren Gatland que é o treinador mundial com os melhores resultados nos últimos anos — que, não tendo conseguido qualquer vitória, conseguiu em cinco das derrotas atingir a diferença inferior a oito pontos e conquistar assim 5 pontos de bónus defensivos. Mostrando assim suficientemente competitividade, embora sem capacidade vitoriosa. Mas uma equipa difícil e capaz.

Quota de Pontos representa a parte de pontos marcados por cada equipa em relação à totalidade dos pontos marcados na prova; Taxa de Sucesso representa a percentagem de vitórias nos jogos disputados; Desempenho representa a média dos dados anteriores; Pontos de Bónus defensivos sobre a totalidade dos Pontos de Bónus obtidos na prova e representa o equilíbrio competitivo da prova (as derrotas não são todas iguais e a obtenção de PBd di-lo)
Como curiosidade deste campeonato, o facto de três das cinco equipas terem um desempenho superior à média global de desempenho de 36% e como factores técnico-tácticos a reter a enorme capacidade demonstrada pela maioria dos jogadores no saber adaptar-se, mostrando-se capaz de garantir o apoio e a continuidade nas mais diversas situações  — e isto significa uma formação realizada com permanente oposição e de acordo com os conceitos do game sense e não com o permanente recurso a grelhas de exercícios que confundem o treino e a formação desportiva de uma modalidade com a disciplina da prática escolar. Mais uma vez, mas talvez de uma forma ainda mais clara do que de outras, os neozelandeses mostraram à evidência que a eficácia do rugby se produz estrategicamente com o avançar sempre! e que o objectivo do jogo está no ensaio. Apoio, verticalização, continuidade com linhas de corrida convergentes, bola em movimento, ataque aos intervalos com criação de superioridade numérica, são as bases do rugby de movimento que faz a força do rugby das antípodas. Vê-lo é uma delícia e simultaneamente uma óptima escola para copiar.
De notar também a capacidade de garantir uma elevada velocidade na libertação da bola nos rucks pela preocupação da preferência da manobra em vez da colisão e pela preocupação de colocar o corpo de forma a garantir a facilidade do passe ou da entrega da bola num gesto que, aliás, me faz lembrar o velhíssimo demi-tour contact que alguém, no meu tempo de jogador, importou de França. E cada vez mais é preciso usar o corpo, dando as costas, como parede para facilitar a execução do companheiro que se desloca de trás e possibilitando a recepção da bola, evitando assim as paragens dos designados breakdowns que permitem a recuperação defensiva.   

Como se pode ver a média por jogo dos Crusaders ultrapassa muitas vezes os 50% da média da generalidade dos jogo
Para um máximo de 9, que existiu num 4/5 dos Chiefs-Highlanders, numa média de 6 ensaios por jogo, houve um máximo de metros percorridos de 1342 no Highlanders-Hurricanes, ficando o Crusaders-Highlanders com a proximidade de 1209 metros percorridos para uma média global de 819 metros e com um número médio por jogo de placagens de 241 para um máximo, no Blues-Hurricanes, de 321 efectuadas - o que representa um esforço brutal e exige uma condição física de alto nível. Dez foi a média de Formações Ordenadas realizadas e 26 a de Alinhamentos, 12 foi a média de Turnovers e 21 foi a média de Penalidades concedidas por jogo. Com uma média de 292 passes cada jogo teve uma intensidade muito elevada. E lembre-se que durante dois meses estes jogadores só puderam treinar-se isoladamente e a sua preparação colectiva foi feita durante um mês com as restrições determinadas pelas autoridades de saúde neozelandesas. E fica a curiosidade: que metodologia, que processo foi utilizado para garantir a condição física apresentada que possibilitou notáveis espectáculos de rugby?
A amarelo as fases do jogo que envolvem a conquista da bola e a sua utilização, a verde os resultados e a branco o número de placagens e das penalidades concedidas
Para se ter uma ideia do que representa em acções de jogo o padrão neozelandês, aqui fica o seu valor realizadas para os sete jogos disputados pelos campeões Crusaders — repare-se que foram 27 os ensaios marcados... E se é verdade, como se diz, que depressa e bem há pouco quem, estes Crusaders conseguem demonstrar em campo uma notável capacidade de apoio sempre em elevada velocidade e no tempo exacto, o que significa permanentes antecipações às decisões dos companheiros, demonstrando conhecimento estratégico do jogo e domínio da sua cultura táctica. Quem transporta a bola comanda e os apoiantes seguem o chefe... Ou seja: conhecimento do jogo e muito treino, realizado sempre de acordo com as exigências do próprio jogo.
Depois deste primeiro e notável ensaio (ao mesmo temo joga-se o SuperRugby australiano que tem ainda duas jornadas para terminar) fica toda a curiosidade para o Norte-Sul neozelandês que se joga no próximo dia 29. Felizmente — embora à imprópria hora das 06.05 😳 — vamos conseguir ver... a SportTV transmite!

NOTA (21/8/2020) - Por razões relacionadas com o controlo da pandemia em Auckland — os 14 jogadores seleccionados para a equipa do North e 5 membros da equipa técnica aí residentes não estão autorizados, como a restante população da área, a deslocarem-se — o jogo foi alterado para o sábado 5 de Setembro, sabendo-se a confirmação do local, Eden Park de Auckland ou Sky Stadium de Wellington, depois da comunicação do Governo da próxima segunda.feira. Esperemos que a transmissão da SportTV se mantenha para esse sábado, dia 5.

sexta-feira, 14 de agosto de 2020

A MANOBRA PRECEDE A COLISÃO

Batalha de Aljubarrota - Retirado da Wikipedia

Comemora-se hoje, 14 de Agosto, o 635º aniversário da vitória de Aljubarrota do exército português, comandado por D. João l e Nun’Alvares Pereira, que, com notável capacidade estratégica, a que se aplicaram tácticas de experimentada e reconhecida eficácia, levou de vencida um numericamente muito superior exército castelhano.
Desta vitória, nascida do conhecimento e saber estratégicos de Nun’Álvares, alguma coisa se pode retirar para o nosso desporto de combate, o rugby.
A base estratégica operacional do Condestável, como ficou bem demonstrado em Atoleiros e em Aljubarrota, assentava no conceito de que “em combate a manobra precede a colisão”**.
Se pensarmos no rugby como desporto colectivo de combate e tendo em atenção que, se na maior parte das situações que regulam as fases do jogo, as defesas bem organizadas conseguem apresentar-se em superioridade numérica, a procura directa e imediata da colisão tende à ineficácia, permitindo novos reagrupamentos, com bola no solo e dando o tempo necessário para a reorganização defensiva. Ou seja, a procura directa da colisão, apostando na passagem em força, obriga, para ser eficaz, a que a relação de forças seja muito favorável ao portador da bola e aos seus apoiantes próximos. O que exige poder físico traduzido numa elevada distribuição de peso pela altura (compacticidade) a que se acrescenta força...
O recurso ao conceito estratégico de Nun’Álvares, manobrando, com o óbvio objectico de procurar e atacar pontos fracos da defesa, em vez de colidir com os defensores que formam a barreira defensiva, permite que a pretendida ultrapassagem da linha-de-vantagem se possa fazer quer por utilização dos intervalos, quer criando boas possibilidades para o recurso ao passe-em-carga (off-load) e garantindo assim a continuidade dos movimentos ofensivos.
Nada sabendo de rugby mas sabendo muito de combate, Nun’Álvares deixou-nos - principalmente a nós portugueses que temos sempre problemas de inferioridade física perante os adversários internacionais de valia - um conceito que devemos aproveitar para servir de base às tácticas portuguesas utilizáveis com óbvias vantagens para o equilibrio das forças presentes frente às melhores selecções europeias, nossos adversários directos para as competições mais importantes como o “6 Nações B” ou o Mundial.
Devemos assim fazer do ensinamento de Nun’Álvares Pereira de que em combate a manobra precede a colisão, um instrumento das tácticas rugbísticas portuguesas. O que obriga a que as equipas portuguesas que disputam a divisão principal nacional - equipas a que pertencem os jogadores que representarão a Selecção Nacional - sejam capazes de implementar e adequar os seus treinos á prática das manobras tácticas que permitirão o ataque aos intervalos, o passe eficaz seja de que forma fôr, o apoio em linhas de corrida convergentes, aumentando a capacidade de jogar entre-linhas e permitindo que a continuidade das fases produza sequências de rupturas e conquistadoras de terreno e, de preferência, de pontos.
Na permanente procura de resultantes tácticas que permitam que os Davides derrotem os Golias, o recurso a esta ferramenta estratégica de Nun’Álvares Pereira será, com certeza, um bom incentivo. 

** Bessa, Carlos, Academia Portuguesa de História, in Batalha dos Atoleiros, seu carácter precursor em Portugal 

quinta-feira, 13 de agosto de 2020

A DISTORÇÃO DA LEI-DA-VANTAGEM

Sempre pensei que deveria haver uma codificação para que a equipa a que é atribuída a eventualidade de uma vantagem, possa recusá-la quando por considerar não ter qualquer vantagem ou pretender, desde logo, tirar partido da falta obtida. A decisão da efectiva vantagem não deveria competir ao árbitro mas aos jogadores, competindo apenas ao árbitro garantir a possibilidade de exploração de eventual vantagem tendo por base o conceito de “não beneficiar o infractor”, mas sem que o domínio da interpretação táctica lhe seja, como é, absolutamente conferido. Como se reconhece, se diz e escreve por todo o lado: o jogo pertence aos jogadores. E o papel dos árbitros, enquanto reguladores, é o de garantir a igualdade das equipas perante as Leis-do-Jogo.
A este problema - colocando a decisão táctica nas mãos de quem não é caracterizado para isso - acresce um outro que tenho visto como altamente prejudicial, porque coloca uma das equipas sob um duplo castigo com a mesma origem - se não defendes, entregas pontos; se defendes, voltas a entregar a bola - numa evidente armadilha de preso por ter cão ou preso por não ter e em desacordo com a já referida igualdade que caracteriza o jogo desportivo. Juntando-se à exclusiva decisão do árbitro este excessivo tempo concedido para determinar a boa exploração da presumível vantagem, acaba por destruir os bons princípios que estiveram na origem da sua construção.
A vantagem e a sua aplicação deveria assentar no risco da decisão: ou queres jogar a falta ou queres correr o risco de perder a bola ao pretenderes explorar o que te parece ser uma óbvia vantagem - a decisão é tua e o risco é da tua responsabilidade. Não sendo assim, estava a prever-se o que iria acontecer: alguém encontraria um truque exploratório...
Num dos jogos do outro lado do mundo deste último fim‑de‑semana o árbitro considerou, assinalando-o devidamente, haver vantagem para a equipa atacante sobre uma falta dos defensores muito próximo da sua linha-de-22.

A DISTORÇÃO DA LEI-DA-VANTAGEM
Os azuis jogam profundos e parados, os vermelhos sobem em defesa e placam o portador da bola, o árbitro dá por terminada a vantagem, a bola é lançada para o ponto da falta e imediatamente jogada. Sem adversários - porque uns à frente da bola e outros ainda “dentro dos 10 metros” - o novo portador da bola não tem dificuldades em marcar ensaio.
E se melhor o prepararam no treino, melhor o executaram no jogo...
... a equipa atacante, a portadora da bola, em vez de avançar no terreno, ficou-se, praticamente parada, a passar a bola numa colocação muito profunda e longe da linha-de-vantagem. Naturalmente que os defensores subiram, entrando no campo do adversário e ultrapassando em alguns largos metros a linha da falta - linha-de-vantagem - então cometida.
Para que tudo se fizesse na aparência do melhor espírito desportivo, o momentâneo portador da bola, já com um adversário em cima dele, tentou ultrapassá-lo para atingir o espaço vazio que a equipa defensora tinha deixado nas suas costas. Placado, ouviu-se o árbitro determinar o final da vantagem e apontar o local da falta.
De imediato a bola é passada para um jogador próximo do ponto da falta que tendo, obviamente, indicações para aí se ter mantido, reiniciou o jogo. Com a maior parte dos jogadores defensores ainda - pela provocada subida defensiva - muito à-frente da linha de reposição da bola em jogo e com quase todos os restantes ainda “dentro” do espaço dos 10 metros e, portanto, impedidos de intervir, o novo portador da bola - sem defensores que o apoquentassem - não teve muito mais trabalho do que correr em frente e a direito para a área-de-ensaio adversária e conquistar, em vez dos possíveis 3 pontos da conversão da penalidade, 7 pontos para a sua equipa.
Trata-se, no fundo, de um nítido prejuízo para quem atendeu, de boa-fé, à decisão do árbitro e procurou fazer o que lhe competia, isto é, impedir o adversário de marcar pontos. Mas...
O truque só é possível pelo exagerado tempo de aplicação da lei-da-vantagem. E que, para que este benefício artificial não se torne um hábito, irá ter como também preparada resposta a não subida da equipa defensora, ficando as duas equipas,vigiando-se à distância, à espera que o árbitro dê por terminada, porque de nenhum efeito, a utilização da eventual vantagem. O que não se coaduna com o desporto colectivo de combate que o rugby é.
Ou seja: uma alteração é absolutamente necessária para garantir a manutenção do carácter do jogo e nem é necessário limitar o tempo de validade da vantagem ou que não seja permitido jogar-rápido a penalidade que a iniciou, basta, para que a igualdade seja real e os princípios estratégicos se possam cumprir, que a decisão da sua aceitação pertença aos jogadores - definindo um gesto codificado para a sua não validade - e que, por isso, assumirão o risco inerente à sua exploração. Porque, de outra forma, iremos ver o recurso, de um e outro lado do terreno-de-jogo, a truques diversos para tirar (ou evitar) o melhor partido, não do jogo e da forma de o praticar, mas do circunstancialismo que o envolve.

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