sábado, 30 de janeiro de 2021

TRADUÇÃO DAS LEIS DO JOGO 2021


Participei com o Jorge Mendes Silva, o Nuno Miranda Coelho e o Ferdinando de Sousa, Director Técnico da Arbitragem, num grupo de trabalho com a missão de traduzir e adaptar as Leis do Jogo de Rugby que tinham sofrido, quer na sua estrutura organizativa quer em alguns conceitos, profundas alterações no ano de 2018 e que não tinham tido a adequada publicação em português. Para este trabalho pudemos ainda contar com a colaboração do apoio crítico do jornalista António Henriques, dos treinadores Luis Pissara e meu irmão Luis Bessa e do árbitro e filho do Jorge Mendes Silva, Pedro Mendes Silva, grupo em que reconhecíamos, para além da competência técnica, a relação próxima necessária para este tipo de trabalho nas condições em que se desenvolveu.

Agora as Leis do Jogo 2021 estão colocadas no site oficial da FPR com a possibilidade de descarregar todo o conteúdo ou apenas de as consultar (procure no separador “Federação” na secção “Documentos” ou aqui). Consulta que agora se torna mais fácil uma vez que o documento tem os necessários hiperlinks para que não se tenha de percorrer todas as páginas para encontrar o pretendido. 

Não foi fácil o trabalho. Primeiro porque as Leis do Jogo estão intrínsecamente ligadas a uma cultura com uma linguagem própria e não foi muito fácil encontrar as palavras portuguesas que traduzissem uma leitura compreensível dos conceitos numa língua de um país que, para além de uma elevada iliteracia desportiva, não tem — segundo ponto — uma cultura específica da modalidade suficientemente desenvolvida e ampla para ter um vocabulário adaptado que evite o recurso à mera tradução directa ou a palavras estrangeiras — situação que tentámos evitar, partindo do princípio que é o domínio da linguagem que permite a compreensão do jogo e o seu desenvolvimento. E assim apenas mantivemos as palavras ruck e maul uma vez que as suas traduções seriam demasiados compridas — formação-expontânea-baixa e formação-expontânea-alta, respectivamente — e pouco adaptadas às necessidades de aviso durante o jogo.

Aproveitando a pandemia fomos fazendo reuniões por vídeo-conferência e o maior problema que acabamos por ter neste longo período de tradução — foram meses — acabou por ser a descoberta de diversas incoerências, contradições ou inexatidões que o documento original da World Rugby mostra — muito de acordo com a cultura inglesa onde aquilo que conta é o costume e não a letra. Tendo até ficado em nós a ideia de que não há grande preocupação na expressão simples das situações porque “toda a gente sabe a que é que se refere”. O que nos levou, bastas vezes, a entrar emcontacto com árbitros estrangeiros de reconhecido nível internacional para descobrirmos a melhor interpretação e adaptação linguística Com todo o trabalho que tivemos na descodificação, realizámos uma série de notas e propostas que serão enviadas à World Rugby com pedido que sejam consideradas no sentido de tornar — à semelhança de outras modalidades — as Leis do Jogo um conjunto universalmente compreensível e de fácil aplicação. Aliás, uma conclusão que retivemos foi que, por alguma falta de clareza, são os árbitros os maiores prejudicados ma melhor interpretação e controlo da aplicação das Leis — sendo, obviamente, o jogo o mais prejudicado. Esperamos que com este trabalho venhámos a ter uma participação efectiva na melhoria e simplicação do nosso jogo — fazendo corresponder o dentro do campo à letra da lei e não apenas a um espírito dominado por um pequeno conjunto de iniciados.

Foi um excelente trabalho de grupo alicerçado numa equipa que foi desenvolvendo os laços de amizade que já nos uniam. Foi duro mas agradável e, espero, esperámos, proveitoso. Tão proveitoso que possa ajudar, com as propostas sustentadas que enviaremos à World Rugby, a simplificar o conjunto de leis e, assim, a tornar o jogo mais facilmente compreensível.

Simpaticamente a Direcção da Federação Portuguesa de Rugby fez-nos a distinção de publicamente nos agradecer o trabalho e a sua qualidade. Simpatia que naturalmente — tenho a certeza que posso falar pelos quatro — agradecemos a deferência e o reconhecimento: muito obrigado!

[como nota pessoal e à margem do texto e mesmo percebendo a demonstração de respeitosa amizade que a referência ao meu título profissional  na “Mensagem de Agradecimento” representa, não era, pela inserção colectiva que tivemos no trabalho feito, necessária]

segunda-feira, 4 de janeiro de 2021

O SABER DE NIGEL OWEN

Comecei rugbisticamente o ano de 2021 a ver três equipas galesas: os Scarlets que venceram os Dragons por 20-3 com arbitragem de um quarteto chefiado por Nigel Owens. Um luxo! E se a lição Owen foi notável como sempre, tive ainda a possibilidade de ver um jogador jovem de 19 anos que irei ver muito mais vezes com a camisola de Gales: Sam Costelow, abertura que joga também a 1º centro ou a formação como o demonstrou na Argentina no Mundial sub-20 de 2019.
Para além das capacidades técnico-interpretativas da aplicação das Leis do Jogo por parte de Nigel Owen, foi ainda possível ver a facilidade com que o melhor árbitro do mundo resolve os problemas dentro do campo. Desta vez, com ele próprio — ao pretender suspender um jogador por 10 minutos e com a mo no bolso dos calções os espectadores televisivos ouviram um sonoro “esqueci-me dos cartões” e a mão a fazer o gesto, indicando a saída ao prevaricador para só depois de ter recebido de um auxiliar os cartões “suplentes” mostrar o “amarelo” ao mundo televisivo.


Final Exeter Chiefs-Racing 92 da Heineken Champions Cup

Este momento de calmo domínio da situação, fez-me lembrar o final do jogo, também arbitrado por Nigel Owens, da final da Heineken Champions Cup 2020 — ganho pelos Exeter Chiefs contra o Racing 92 por 31-28 — e os seus dramáticos dez minutos finais onde o árbitro galês teve que tomar decisões difíceis em situações complexas. E foi exemplar quer na análise, quer nas decisões. Como nos demonstra o saber das suas explicações.

“O jogador do Racing 92 que tentava chegar à linha, não o conseguiu. A bola não tocou na linha-de-ensaio e ele acabou por ficar de costas no chão. Eu disse “tirem as mãos” para os jogadores que estavam no chão. Estava a dizer-lhes para não jogarem a bola ilegalmente. Como a bola não estava sobre ou dentro da linha-de-ensaio, todos os jogadores que estavam no chão não podiam tocar-lhe.

Se houvesse um ruck formado, então Sam Hidalgo-Clyne (veja-se a imagem) não poderia usar as mãos para conquistar a bola. Mas como não havia nenhum ruck formado, as suas ações foram legais. Ele estava de pé e tinha o direito de jogar aquela bola. Ele estava “em jogo” porque estava atrás da linha-de- ensaio com um pé na linha-de-ensaio e assim tinha todo o direito de jogar aquela bola, coisa que fez”.

O jogador do Racing foi penalizado por manter a bola presa. Apesar de não ser um ruck, ele não tinha o direito de segurar a bola. Uma vez no chão, fica-se fora do jogo. Quando um primeiro apoiante (jackal) consegue ser bem sucedido numa situação desta, nunca se forma um ruck. Ocorreu uma placagem e o jogador em pé estava a pretender jogar a bola e o jogador no chão não a soltou. Não se pode estar no chão e segurar a bola. Tem que ser libertada.”

Logo de seguida e naquele que foi o último acto do jogo, Owens teve que tomar uma decisão sobre se o tempo de jogo havia ou não acabado quando o chutador do Exeter realizou o pontapé os postes. Eis a sua explicação da aplicação das Leis do jogo.

“Quando a base para chutar chegou para o chutador do Exeter marcar a penalidade, eu avisei “tempo a contar”. Por quaisquer motivos técnicos eles não conseguiram reiniciar o relógio imediatamente. Então, quando o jogador chutou a bola, o relógio do estádio marcava 79,57 minutos.

“Se o tempo fosse correto, o Racing teria tempo para reiniciar o jogo porque o tempo, para o jogo acabar, tem que estar no vermelho antes do jogador chutar a bola. Tive que parar para esclarecer a situação (com o TMO) e saber se o relógio do estádio estava certo.

“Acontece que quando a penalidade foi executada pelo Exeter, passavam cerca de 15 segundos dos 80 minutos. O relógio do estádio estava atrasado. Por isso o tempo acabou. Ao fim e ao cabo, a decisão foi a correcta. E isso é o mais importante.”

Tudo explicado, tudo claro e a certeza da boa aplicação das Leis que regem o Rugby.

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