quarta-feira, 23 de setembro de 2015

BENÇÃO DOS DEUSES


O ensaio georgiano de Mamuka Gorgodze
Uma benção dos deuses para quem teve a possibilidade de assistir em Brighton à histórica vitória do Japão. Ganhar à África do Sul - actual 3ª classificada do ranking da World Rugby e bi-campeã mundial - é um feito inesquecível. Imagine-se como o recordarão os jogadores de Eddie Jones nos tempos futuros, a reverem, uma, duas, muitas vezes, o filme que as suas memórias guardarão. O sonho de uma vida de atleta, a demonstração da capacidade colectiva de uma equipa construída para garantir um todo superior à soma das partes.
Que parte teve nesta vitória o encontro de Jones com Guardiola quando quis perceber melhor as bases de uma circulação colectiva da bola que detectou como exemplar no Barcelona e no Bayern e que constituíram - como recordou na entrevista do final do jogo - os fundamentos da vitória, ainda são mistérios da mistura química conseguida. Mas não foi um acaso: foi construída durante meses até chegar ao nível de confiança que permitiu ao capitão Michael Leitch prescindir, por duas vezes nos momentos finais, da certeza de um empate para ir procurar a vitória. Os deuses sorriram pela crença e fizeram-lhe a vontade: ensaio e vitória no último minuto. Um resultado inesquecível a afirmar um momento histórico na memória dos Mundiais. E a reconhecer definitivamente Eddie Jones, novo responsável dos Stormers sul-africanos, como treinador de excelência - sem esquecer a participação do francês Del Maso, heterodoxo responsável pela área da formação ordenada.
Os Brave Blossoms - nome de guerra do quinze japonês - venceram porque pressionaram de tal maneira que obrigaram os sul-africanos a cometer faltas a mais e em zonas "proibidas" - 12 com 5 transformadas - e souberam utilizar os seus 48% de posse de bola de forma mais interessante, ultrapassando 95 vezes a Linha de Vantagem, e conseguindo, numa bem estudada capacidade de movimento, garantir a continuidade que lhes permitiu 3 ensaios. Foram ainda capazes de desdobramentos defensivos eficazes - 128 placagens correspondentes a 83% de eficácia. O que, não sendo uma marca espectacular, criou a pressão necessária para expôr os erros e fraquezas sul-africanas - a que não terá sido alheia a veterania de alguns dos seus jogadores. A inesperada derrota da África do Sul ainda lhes permitiu 2 pontos de bónus - 4 ensaios marcados e derrota por menos de 8 pontos de diferença - diminuindo-lhes assim a desvantagem da derrota e mantendo aberta a hipótese de acesso aos quartos-de-final.
Apesar da vitória japonesa ter tirado dos cabeçalhos dos jornais a excelente vitória da Geórgia (16º do ranking com 69,36 pontos) sobre o Tonga (11º com 75,69 pontos), o feito dos Lelos foi de categoria. Conseguido com uma coragem e entreajuda notáveis - 201 placagens a atingir 93% de eficácia e a impor-se aos 72% de posse de bola de Tonga - a que juntaram uma movimentação sem descanso comandados por um incansável Gorgodze - 1 ensaio e 27 placagens - os georgianos conseguiram a sua melhor vitória de sempre. Tão importante que, no mínimo, lhes pode garantir, com o terceiro lugar do Grupo, o acesso directo ao próximo Mundial e facilitar - como maneira de dizer - a vida à Selecção portuguesa que ficará sem um adversário de peso no caminho para o Japão 2019.
Mas o jogo deste início do Mundial de Inglaterra 2015 foi o Nova Zelândia-Argentina. Que jogo! Que intensidade! Que movimento! Cada uma das equipas ultrapassou a Linha de Vantagem mais vezes do que a soma de duas equipas nos outros jogos - 161 vezes para os neozelandeses, 116 vezes para os argentinos. Uma constante movimentação da bola de ambas as equipas com a Argentina a mostrar, inicialmente, uma excelente defesa que se foi perdendo para acabar em 79% de eficácia num final do jogo em que se viu acantonada no seu próprio campo. Não faltou aos Pumas organização ou espírito de equipa a que juntou uma defesa invertida que impedia aos All-Blacks o acesso aos corredores laterais do terreno-de-jogo e que provocou o desconforto e nervosismo dos campeões do Mundo. Mas apesar dos amarelos de McCaw e Smith - jogando com 13 jogadores no final do 1º tempo conseguiram manter-se dentro do resultado - os all-blacks não se deixaram abater ou desunir. Passado que foi o intervalo e com as substituições adequadas - a entrada de SBWilliams foi decisiva - o jogo mudou de rumo mesmo se e como habitual, o sr. Barnes permitisse os fora-de-jogo argentinos sem usar o apito e, não fora algumas atrapalhações injustificadas, o resultado final demonstraria a diferença real entre as duas equipas. Se ambas as equipas demonstraram um muito bom domínio do jogo de movimento, utilizando eficazmente as bolas - relembre-se as ultrapassagens da Linha de Vantagem - possibilitando um excelente espectáculo de rugby visto por quase 90 mil espectadores - a maior assistência de sempre e onde estavam José Mourinho, Silvino e Vasco Lynce - o quarto final do jogo tornou-se numa demonstração das capacidade neozelandesas na utilização da bola, no jogo de passes, nas linhas de corrida convergentes, nos apoios a dificultar as decisões defensivas. O rugby no seu melhor: combate, movimento, continuidade, pressão, intensidade, risco, espírito de equipa. E os All-Blacks a levarem a melhor e a demonstrar porque são a melhor equipa do Mundo.
Na guerra que é, como acentua Daniel Carter, o jogo internacional de Rugby, pode fazer-se uma analogia com as Teorias do Conflito para explicar os resultados destes três jogos pelas estratégias utilizadas. No jogo entre a África do Sul, que parece unicamente capaz de utilizar a colisão, e o Japão, o jogo de movimento dos japoneses permitiu a vitória do considerado mais fraco - o mais fraco pode ganhar a batalha se souber opor uma forma diferente de combate, capaz de explorar debilidades do adversário; no Tonga-Geórgia, ao jogo mais aberto e movimentado de Tonga, opuseram os Lelos uma defesa directa de antes quebrar que torcer, onde o coração, a vontade, o espírito colectivo de uma irmandade, comandaram cada momento de olhos postos numa vitória final. Ao perturbarem os movimentos tonguenses, ao cortarem-lhes o espaço de manobra, os dados como mais fracos, venceram; no Nova Zelândia-Argentina, pelo contrário, o recurso a jogos do mesmo tipo e características - a aposta de ambas no jogo de movimento e evasão - resulta, por norma, na vitória do mais forte.
O JOGO DOS PALPITES
Estes palpites, feitos - como já referi - a partir da posição dos países no ranking mundial, servem, principalmente, para perceber quais os resultados que fogem à lógica esperada. Por aqui é possível hierarquizar o valor de eventuais surpresas.
JOGO                                                         previsão
Grupo B Escócia-Japão empate                          0
Grupo A Austrália-Fiji         Austrália ganha por 19
Grupo D França-Roménia França ganha por 30

sexta-feira, 18 de setembro de 2015

MOVIMENTO OU COLISÃO?

Começa hoje, em Inglaterra, o Mundial 2015 com as vinte equipas melhor classificadas do ranking da World Rugby. A maratona de mês e meio é brutal e as equipas que chegarem às meias-finais terão demonstrado uma notável capacidade tanto competitiva como gestora dos meios humanos de que dispuseram. Ganhar a Taça do Mundo, ser campeão mundial, é - seja qual for a qualidade e interesse dos jogos - um feito memorável que obrigou os estados-maiores de cada equipa a pensarem, com meses de antecedência, em qual seria o melhor modelo de jogo para atingir os objectivos pretendidos: movimento ou colisão?
Duas maneiras de jogar aquele que é, provavelmente, o jogo desportivo mais colectivo que conhecemos - jogador sózinho conta pouco e tudo o que não resulta do trabalho colectivo tem pouca ou nenhuma hipótese de êxito. O que parece evidente num jogo que, por proibir passar a bola para a frente, é comparável a uma corrida de estafetas: se chegámos até aqui é daqui que temos que continuar - daí a importância estratégica da Linha de Vantagem.
Pode, aparentemente, jogar-se rugby de muitas maneiras mas, na realidade, são apenas dois os modelos que constituem a sua base de sustentação: o jogo de movimento com circulação de jogadores de acordo com o movimento da bola e que exige boa técnica, boa condição física e amplos conhecimentos tácticos ou o jogo de colisões, exigente na capacidade física mas menos preocupado com as questões técnicas ou tácticas - a força, o desafio físico directo somado a um jogo ao pé estrategicamente competente na ocupação do espaço, criam os desequilíbrios na defesa necessários à eficácia.
Por razões estéticas - no mínimo - e de formação, sou um adepto do jogo de movimento - e tive em Pierre Villepreux um professor de primeira água. Mas sei também que o jogo do movimento é o único modelo de jogo que pode permitir às equipas portuguesas a eficácia de resultados internacionais. Não só porque se adapta a uma habilidade técnica - se bem ensinados... - que os portugueses geralmente mostram como também permite a expressão de uma individualidade - se bem treinados na leitura de jogo - que também gostam de mostrar. Tem no entanto um problema: exige enorme disciplina (mais ainda se quisermos contar com a necessária expressão individual) focagem permanente e gestos precisos, aptidões que só se atingem com enorme quantidade de treino - as tais 10.000 horas de prática de que cada vez mais se fala?
Para que o jogo de movimento seja eficaz é necessário que a técnica de passe - todo o tipo de passes, incluindo os heterodoxos -  seja de grande eficácia, precisão e capaz de fazer o gesto no mínimo espaço e tempo, que exista capacidade de ler a movimentação da defesa, que se saiba manobrar superioridades numéricas, fixando adversários directos e que se saiba atacar intervalos e manter a bola viva. Seja por passes em carga (offloads) ou sendo capaz de manobrar, rodando e dando as costas, para entregar ao apoio profundo ou continuar se o defensor se desequilibrou. O importante no jogo de movimento - o seu factor de desequilíbrio - é a continuidade do movimento da bola á qual os jogadores, em permanente formação de apoio, devem aderir sem hesitações.
No jogo de colisão as qualidades técnicas são menos complexas - contacto directo pura e simples - e a capacidade de leitura menos exigente. No fundo é preciso garantir que o embate tem força suficiente para concentrar defensores e permitir a companheiros que conquistem o espaço e garantam uma bola rápida para servir novos derrubadores.
Em qualquer dos casos a disciplina colectiva é essencial - cada jogador tem um papel a desempenhar (embora diferente nos dois casos) que tem de ser realizado no momento oportuno - recorrendo a células que, de acordo com a relação de pontos fortes e fracos, actuarão nas zonas mais indicadas do campo.
É claro que o jogo de movimento exige um árbitro atento e muito focado nas linhas de fora-de-jogo - a recente vitória da Austrália sobre a Nova Zelândia só foi possível porque o árbitro Barnes deixou, durante toda a primeira parte, que a defesa australiana avançasse a destempo, cortando o tempo e o espaço necessários para a movimentação All-Black. 
E neste Mundial que equipas vão jogar um modelo ou outro? Os favoritos All-Blacks jogarão movimento com recurso ao jogo ao pé - rasteiro ou balão - a explorar a obrigatória subida do três-de-trás defensor. Provavelmente a Argentina o jogará também - será muito curioso ver como Hourcade terá preparado a sua defesa para o primeiro jogo com os neozelandeses. A Austrália também, assim como a Irlanda. A França será uma enorme incógnita: herdeira do french flair é hoje, com a peregrina ideia de jogar à sul-africana, uma pálida amostra do rugby empolgante que nos ofereceu. Mas pode ressuscitar... E claro, Fiji também será movimento. Samoa e Tonga dependerão da pressão adversária - sem espaço, luta directa; com espaço, jogo ao largo - na óbvia preocupação de um apuramento para o próximo Mundial.
Gales sem Halfpenny perde muito das suas possibilidades e o sistema Warrenball, se possibilitará o refúgio que protege a eventual e natural perda de confiança, também mostrará as suas limitações nos jogos decisivos de um Grupo A com três candidatos para dois lugares.
As outras equipas jogarão a segurança sem risco, da colisão. Mesmo as também candidatas África do Sul e Inglaterra assim farão, jogando na capacidade física dos seus jogadores, no poder de contacto, procurando a concentração forçada de defensores para lançar pontas rápidos e finalizadores ou garantir penalidades. Os sul-africanos, com uma equipa de enorme experiência, mostrar-se-ão mais eficazes neste sistema que os ingleses que, no entanto, poderão contar com o apoio do público que pode fazer maravilhas. E com o peso de uma comunicação social que não deixará de fustigar os seus adversários.
Para além da vitória final, a luta por um dos três primeiros lugares de cada grupo - que garante acesso directo ao próximo Mundial do Japão em 2020 - é outro dos motivos de interesse e que colocará muita atenção nos jogos das equipas menos importantes. Para nós portugueses também há motivos particulares de atenção: se a Geórgia conseguir o terceiro lugar do seu Grupo C - e o início, mesmo contra todas as previsões, com uma vitória sobre Tonga seria um passo de gigante para os seus objectivos - surgirá uma brecha na classificação europeia que pode ser aproveitada porque a sua posição classificativa no Europeu, deixaria de ter importância.

O jogo dos palpites

Que resultados serão possíveis neste fim-de-semana? A quem favorecerá o factor WC? De uma forma adequada ás suas posições no ranking, os resultados - vencedores e diferença de pontos - poderão, numa lógica quase cartesiana e sem atenção aos diversos imponderáveis - até climáticos - que podem marcar qualquer dos jogos, aproximar-se destes palpites.

Grupo A Inglaterra-Fiji, Inglaterra ganha por 22 pontos
Grupo C Tonga-Geórgia, Tonga ganha por 13 pontos
Grupo D Irlanda-Canadá , Irlanda ganha por 38 pontos
Grupo B África do Sul-Japão, África do Sul ganha por 26 pontos
Grupo D França-Itália, França ganha por  21 pontos
Grupo B Samoa-USA, Samoa ganha por 10 pontos
Grupo A Gales-Uruguay, Gales ganha por 56 pontos
Grupo C Nova Zelandia-Argentina, Nova Zelandia ganha por 29 pontos

Palpites que, neste início de campeonato onde as referências são ainda reduzidas, nem apostas chegam a ser.



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