sexta-feira, 20 de novembro de 2015

ANDREW MEHRTENS, ANTIGO ABERTURA ALL-BLACK

Durante o Mundial de Inglaterra, um jantar na altura dos jogos das meias-finais, juntou em Londres alguns portugueses vindos das mais diversas partes do Mundo. Conversa puxa conversa, o rugby como mote constante, uns a favor de uns, outros de outros, porque estes são melhores e aqueles têm sido excelentes. No meio da concordância de que o Mundial estava a ser extraordinário - e que, apesar da carestia dos bilhetes, estava a valer a pena - as apostas a jantares ou cervejas começavam a cantar.
E nisto de que aquele jogador era formidável, o melhor de todos na posição, que sim senhor, Carter era de outro mundo, mas - e salta a voz de um lado da mesa: o Mehrtens era melhor chutador que o Carter!
... O silêncio a marcar a incredibilidade. Mehrtens, o 944 da lista dos All-Bkacks e abertura dos neo-zelandeses com 70 internacionalizações e um anjo da guarda defensivo com o nº7 chamado Josh Kronfeld, estava na liça e tinha um superdefensor: o Mehrtens marcava pontapés de 65 metros! 65 metros?! É pá! que exagero. Verdade! É verdade! Aposto já um jantar! Vocês vão ter que me pagar jantares até ao fim do Mundial...
No dia seguinte, pelos caminhos de chegada a Twickenham, em conversas multilingues - não se falava só inglês, nós estavamos lá e os argentinos também - descobre-se, ali à conversa, o grande Andrew Merhtens. Vou lá, disse o crente.
Explicou ao que ia, que era português, que tinha jogado rugby e que tinha feito uma aposta e estava ali para tirar teimas.
- Pontapés de 65 metros? Claro, frequentemente e sempre com o meu pior pé!

quarta-feira, 18 de novembro de 2015

JONAH LOMU (1975-2015)


Jonah Lomu foi a primeira personagem global do mundo do rugby. Um ícon global desde a sua primeira internacionalização - com 19 anos e 45 dias de idade foi então o mais jovem All Black - em jogo contra a França.

Era um atleta espantoso e muitas das suas jogadas podem, para nosso espanto e prazer, ser vistas em vídeos do YouTube. Grande (1,96m), forte (119kg) e rápido (menos de 11s aos 100m) era um problema para qualquer defensor. AllBlack número 941, representou-os, na posição de ponta, em 73 vezes. Também fez parte dos sevens de Gordon Tietjens com quem conquistou a Medalha de Ouro dos Commonwealth Games de 1998. Em 2003, a International Rugby Players Association atribui-lhe - apenas Jason Leonard e Jonh Eales tinham tido anteriormente a mesma honra - o Special Merit Award pelo seu contributo para a internacionalização do Rugby.

Era também humilde e uma simpatia. Encontrei-o no aeroporto de Hong-Kong há muitos anos, fui ter com ele, disse-lhe que era treinador da selecção de Portugal e quanto o admirava. Convidou-me para me sentar na mesa que ocupava e ficámos um largo tempo à conversa como se nos conhecessemos desde sempre. Ainda hoje guardo excelente memória desse momento e das explicações que então me deu sobre capacidades técnicas que utilizava.

A sua simpatia mostrava-o sempre disponível: recentemente, no Mundial de Inglaterra, a mãe de um jovem internacional português mostrava-me, orgulhosa, a recente fotografia do filho com Lomu, tirada ali, nos caminhos para as bancadas do estádio.

Jonah Lomu faleceu. O rugby e a sua comunidade não o esquecerão jamais.

quarta-feira, 11 de novembro de 2015

TRABALHO DE CENTRO

O trabalho de um Centro - primeiro ou segundo - tem muito a ver com a capacidade de manobra para garantir espaço para os seus companheiros dos corredores exteriores. Estes dois exemplos de dois ensaios All-Blacks mostram bem essa preocupação.
TRANSFORMAR UM 2X2 EM 2X1

Ma'a Nonu quando recebeu o passe de Carter - numa clara situação de 2x2 - teve a imediata preocupação de procurar o seu adversário directo. Com um passo para o interior, atacando o "ombro fraco" do adversário, obrigou-o a abrandar a corrida para, de imediato de lançar para o intervalo. E aí o ponta sul-africano, Pietersen, fica com um problema para resolver, sendo obrigado a tomar uma decisão entre manter-se a marcar o seu adversário directo - e pode ver Nonu a marcar entre os dois defensores - ou fechar o intervalo e tentar provocar um erro ao portador. Nonu continuou a sua tarefa e, quando viu a aproximação do adversário, fez um passe tenso para Barrett marcar. Como é que se joga um 2x2? Transformando-o num 2x1.
UMA DOBRA PARA GARANTIR SUPERIORIDADE NUMÉRICA

Sobre um ruck Aaron Smith saltou Coles - um credível transportador de bola - que fixou um adversário enquanto a bola chegava, não nas melhores condições, a Conrad Smith. Ao ver a defesa adversária a deslizar na tentativa de fecharem o corredor exterior, Conrad alterou os seu ângulo de corrida, trouxe um adversário consigo e "dobrou" com Aaron Smith que, como bom "atrelado" tinha seguido o passe. Depois foi simples: Aaron Smith e Richie McCaw fixaram os seus adversários pela directas linhas de corrida e o passe para Milner-Skudder foi uma facilidade para a classe do capitão All-Black.
Capacidade técnica, leitura e adaptação à posição de adversários e companheiros, linhas de corrida adequadas e colectivismo - ninguém pensou em brilhar para a bancada mantendo sempre o "nós" acima do "eu"- são os elementos comuns a estes dois ensaios e que fazem parte do repertório permanente do XV da Nova Zelândia.

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

GANHOS E PERDAS DO MUNDIAL 2015




Quem ganhou mais - em pontos ou em lugares - aparece com a cor verde superior à cor azul. Naturalmente que os três primeiros classificados - Nova Zelândia, Austrália e Àfrica do Sul - ganharam como também ganharam posições a Argentina e o Japão - três lugares cada - a Itália e Geórgia - 2 lugares cada - e Escócia, Gales, este embora perdendo pontuação, que subiram um lugar no ranking
O grande perdedor foi a Inglaterra que desceu 4 lugares no ranking e perdeu 5,27 pontos. Seguiu-se Samoa que perdeu 3 lugares e 4,78 pontos. Fiji e Tonga perderam dois lugares e os Estados Unidos perdeu um. Namíbia e Uruguai não perderam pontos nem lugares - principalmente porque defrontaram equipas que tinham mais 10 pontos de ranking o que faz, por regulamento, com que a derrota não seja penalisada - e o Canadá, embora não perdendo lugares, foi a 5ª pior equipa a perder pontos bem como a Irlanda que também não perdendo lugares ocupou a 4ª pior posição em pontos perdidos com 3,23.
Durante o mês de Novembro equipas que não estiveram no Mundial vão ter jogos e o ranking vai mexer. No caso de Portugal que se encontra na 28º posição (55,72 pts) do ranking da World Rugby e que vai jogar a Hong-Kong com a equipa da casa, a Rússia e o Zimbabwe pode, caso haja vitórias e porque todos os seus adversários se encontram em posição superior e com mais pontos, amealhar pontos suficientes para subir de posição.

sábado, 7 de novembro de 2015

TRATADÍSTICA DE UM JOGO DE RUGBY

Twickenham WRC 2015 Final  Nova Zelândia - Austrália
Foto JPB iPhone
O jogo final do Mundial entre a Nova Zelândia e a Austrália foi um tratado. Mais: foi um conjunto de tratados, de tratado estratégico, de tratado táctico, de tratado técnico, de tratado de ensaios. Tão bom, tão explicativo das boas práticas que, enquanto conjunto de formas adequadas de fazer, merece ser considerado como Tratadística do Jogo de Rugby. Ou seja, que, por tudo o que mostra, deve ser utilizado como exemplo. E como tal, visto e revisto, estudado e voltado a estudar para daí se tirarem as conclusões que permitam desenvolver o rugby no sentido do futuro.
TRATADO ESTRATÉGICO
Estrategicamente e na procura de impor os seus pontos fortes e minorar pontos fracos, a Austrália, face à tipologia morfológica actual dos jogadores que ocupam a posição de centro, decidiu poupar os seus jogadores - abertura Foley e centro Giteau - dos eventuais impactos das colisões nos "duelos" individuais; por outro lado e face às capacidades dos All-Blacks, decidiram utilizar, tirando partido das capacidades dos seus Genya, Foley e Giteau, o jogo ao pé, explorando o jogo aéreo dos pontas que consideraram como ponto fraco adversário; a pretensão de tirar partido da capacidade de recuperar bolas no chão de Pocock, levou à sua colocação como nº8 para que, podendo ser o segundo placador, pudesse ser mais eficaz na sua acção recuperadora. A isto juntava-se a confiança na capacidade da sua formação ordenada com que esperava surpreender, com combinações desequilibradoras - ensaio contra a Inglaterra - a linha de defesa neozelandesa, bem como na resposta defensiva - como se viu contra Gales e agora com 68 placagens na 1ª parte - permitiam o optimismo pretendido para jogar e vencer uma final. 
Uma vez que, com excepção do bombardeamento sobre os pontas, a Austrália já tinha mostrado nos jogos anteriores as suas intenções, a Nova-Zelândia preparou a sua estratégia de resposta com o objectivo de marcar tão cedo quanto possível como demonstram os seus 64% de posse de bola e 81% de ocupação do campo adversário nos primeiros 20 minutos de jogo para terminar a 1ª parte com 71% de posse. Decidindo antes do mais tirar partido da colocação central dos dois terceiras-linhas, Hooper e Pocock, na zona central do campo; apostando na ultrapassagem da linha de vantagem para garantir a superioridade numérica após o primeiro breakdown - o recurso a mais homens do que os necessários em defesa para garantir a continuidade seria compensado pelos jogadores adversários que tinha ficado para trás - e, utilizando o jogo ao pé para obrigar o três-de-trás a recuar, pressionar para garantir o retorno da bola para contra-atacar com espaços abertos ou, obrigar a chutar para fora, conquistando terreno e podendo utilizar o alinhamento enquanto um dos seus pontos fortes.
Os dados estratégicos, neste mastermind isolado, distante e sem intermediários, estavam lançados.
TRATADO TÁCTICO
Como forma de responder, decidindo pelas acções adaptadas às circunstâncias, à pretendida pretensão de poupar os seus centros, os australianos colocaram, nos alinhamentos, Giteau no corredor de 5 metros e Foley como 2º defesa, colocando Hooper e Pocock como defensores do centro do campo.
A vitória neozelandesa começou a desenhar-se neste domínio. Reconhecendo-se superiores nos alinhamentos (100% nos seus 14 contra 7 em 10 adversárias) e até porque, com esta táctica, não era possível aos australianos utilizarem um terceiro saltador, os All-Blacks lançaram-se em três objectivos: realizar os alinhamentos tão rápido quanto possível para tirar partido na demora organizativa do esquema táctico dos australianos; atacar a linha de vantagem por forma a garantir superioridade numérica - Carter recebia o passe na linha de Aaron Smith com os defensores australianos ainda no seu campo; atacar a "dobradiça" por forma a obrigar os dois especialistas recuperadores a manterem-se na linha defensiva exterior e não os deixando assim participar no ruck. A juntar a esta estrutura, os All-Blacks acrescentaram o seu factor genético, a organização em losango em torno do portador, para garantir o apoio necessário à manutenção da continuidade enquanto elemento principal de criação de desequilíbrios.
Não menos interessante foi a demonstração táctica da capacidade australiana de explorar a superioridade numérica quando da suspensão temporária do defesa neozelandês Ben Smith. Desta adaptação positiva, resultaram 14 pontos que fizeram passar por Twickenham a possibilidade de um volte-face.
Mas de novo o império da táctica neozelandesa se impôs na preparação soberba do tempo - até porque um estádio interno o havia adivinhado - para a realização do pontapé de ressalto com que Carter terminou com quaisquer dúvidas sobre o novo Campeão Mundial. 
No entanto e acima de tudo porque exige um cumprimento integral de diferentes conceitos - a equipa primeiro! o nós superior ao eu! o portador comanda, eu sigo! avançar sempre! manter a bola viva! - a capacidade de convergir sobre o companheiro portador da bola marca a grande diferença dos All-Blacks para todas as outras equipas. E fez a diferença, neste jogo e no campeonato em geral, correspondendo ao domínio de uma vantagem táctica inigualável.
A capacidade de compreensão táctica neozelandesa demonstrada nas alternâncias de "largo envolvente"/"penetrante agrupado" conseguidas numa constante adaptação às circunstâncias propostas pelo portador da bola ou pela organização defensiva numa cascata de tomadas de decisão que permitem a passagem do losango ao turbilhão, qual bando de estorninhos, de alterações constantes de liderança e direcção e que representam, pelo referencial que exigem, um estádio superior de entendimento do jogo a que uma técnica apurada na eficácia da acção dá a realização necessária. E tudo começa na formação de jogadores com métodos que hoje enquadramos na designação de "game sense". E com a certeza que, sendo o domínio técnico muito importante, é na sua aplicação táctica, quer individual quer colectiva, que o seu valor absoluto é atingível.
TRATADO TÉCNICO
Porque o jogo não é um circo de demonstração de habilidades, a técnica pela técnica de nada serve. Só a técnica integrada numa expressão táctica enquadrada numa determinada estratégia garante a eficácia necessária à obtenção dos resultados desportivos procurados. Neste circuito integrado, a técnica representa o domínio das ferramentas disponíveis para efectivar cada acção.
E é essa integração - na táctica individual e colectiva - que permite a fluidez do jogo que as equipas apresentaram e que se mediu pela capacidade de manuseamento da bola que deram provas as duas equipas - com superioridade, também aqui, para os neozelandeses (os australianos cometeram 12 erros) que demonstraram as vantagens do conceito "passar e agarrar" que os segue desde o início da sua formação até aos dias de hoje - meia-hora antes do início da final vi dois segundas linhas, parados e separados por cerca de sete metros, a passarem a bola, tensa, de um para o outro durante cinco minutos em gestos precisos. Assim mesmo, sem mais! Também a recepção - lembrando o conceito de Barry John "atira que eu agarro" - se realiza a níveis que permitem a continuidade de sequências quando tudo parece já perdido. Claramente com custos para a defesa.
E se a demonstração das qualidades técnicas dos dois "formações", Aaron Smith e Will Genya, foi enorme, a velocidade de passe do neozelandês - principalmente da base dos rucks - garantiu sempre, pela manutenção dos desequilíbrios conseguidos, um tempo de avanço aos seus companheiros. E se a isto juntarmos a sua capacidade de leitura de cada situação, percebemos o porquê da designação de "melhor do Mundo".
De um ponto de vista formativo, o jogo teve uma qualidade demonstrativa: o desenvolvimento indivudual para o jogo está na aprendizagem simples das técnicas básicas - passe, recepção, corrida, pontapé, placagem - introduzidas num espaço de liberdade, experiência e objectivos. Com o propósito de ordenar colectivamente cada momento de desordem que o próprio jogo produz. 
TRATADO DE ENSAIOS
Uma final com cinco ensaios não é comum. Menos ainda se se trata de uma final de um Campeonato do Mundo. Mas foi o que aconteceu e significa uma atitude diferente por parte de ambas as equipas na forma de encarar e enfrentar os fantasmas de um jogo de "matar ou morrer". O que diz muito da transformação que estas duas equipas trouxeram ao jogo e à sua expressão.
Foram cinco ensaios para todos os gostos: de criação colectiva de combinações para garantir corredor livre de penetração; de organização colectiva para impor uma força; de exploração imediata de oportunidades (3º e o 5º do jogo); de organização colectiva em movimento com jogadores disponíveis para se adaptarem à visão e gesto técnico do portador da bola. 
A criação do primeiro ensaio do jogo é notável: depois de uma série de rucks, Aaron Smith salta Cole (que corre para dentro a chamar adversários) e passa a bola para os pés de Conrad Smith que agarra, verticaliza para então direccionar a sua corrida "para dentro" e desequilibrar toda a defesa com uma "dobra" a entregar de novo a Aaron que entrega a McCaw que solta Milner-Skudder para o ensaio. Simples, tacticamente a atacar o fraco, com ângulos de corrida adequados à disposição defensiva, tecnicamente no tempo exacto e a jogar colectivamente.
No segundo ensaio All-Black e para além de um espectacular passe-em-carga de Sonny Bill Williams, é a manutenção da posição no losango de Ma'a Nonu que garante a continuidade a que um "inside-out" de escola vai permitir uma corrida de 50 metros para colocar o resultado em 21-3.
Com a suspensão de Ben Smith, os australianos viram nascer-lhes a esperança com a marcação de dois ensaios: o primeiro numa excelente organização de "maul dinâmico" - que, provavelmente, não vai ser mais autorizado desta forma após a próxima alteração das Leis do Jogo - e o segundo num excelente aproveitamento do então "dois-de-trás" dos neozelandeses. Foley, no corredor exterior direito acena a pedir a Genya que jogue ao pé para o espaço desprotegido, Genya responde, Foley capta e, dando as costas aos adversários, passa para Kuridrani marcar um ensaio de belo efeito a colocar o resultado em 4 pontos de diferença.
E se já havia o extraordinário pontapé de ressalto de Carter a pôr calma, dento e fora do campo, nas
hostes neozelandesas, o último ensaio colocou a taça no topo do bolo All-Black. E o mais impressionante desse movimento foi a perícia técnica com que Barret, em elevada velocidade e depois de ter ultrapassado os seus adversários, teve o controlo, num gesto técnico de alto nível, para tocar a bola com o pé e conduzi-la na direcção da área de ensaio. 
Realmente foi um privilégio ter assistido ao vivo a esta final. Principalmente porque, demonstrando as vantagens da evasão sobre a colisão, o vencedor foi, na expressão das duas equipas, o rugby de movimento. O que torna esta Rugby World Cup 2015 inesquecível.


Twickenham RWC 2015 Volta de Honra
Foto JPBessa iPhone





Arquivo do blogue

Quem sou

Seguidores