terça-feira, 30 de dezembro de 2014

ALTO RENDIMENTO E ESTRATÉGIA

O Alto Rendimento desportivo constitui o patamar mais elevado da competição desportiva em qualquer modalidade. E neste patamar a eficácia das acções, o seu resultado, constitui o indicador fundamental de análise da qualidade da prestação desportiva. 
O Alto Rendimento, tendo características próprias e tendo o resultado - o que não significa apenas vitórias - como determinante da sua condição, tem regras próprias que o distinguem da expressão de outras formas de competição desportiva. E este facto determina posturas distintas e formações diferentes de jogadores e de equipas.  
No Alto Rendimento todos os factores contam para o resultado final: a organização e logística, a preparação, o ambiente e envolvência da competição, a qualidade técnica, táctica e mental do grupo que forma a equipa, a forma de disputa da competição, os objectivos em vista e a adaptação ao curso e decurso dos acontecimentos. Adaptação que pode ir desde as viagens e tipo de transporte ao tipo de alimentação, aos novos horários e clima, às condições meteorológicas, aos terrenos e tipos de espectadores dos jogos, às vitórias e derrotas, etc. etc. e, factor decisivo, à sequência de jogos que o sorteio ditou. E para tudo isto é necessário encontrar respostas adequadas que potencializem as capacidades individuais e colectivas dos jogadores. 
Não é fácil o Alto Rendimento que, encontrando-se muitas vezes em patamares bastante superiores aos hábitos das competições internas, não pode ser encarado de ânimo leve. E, naturalmente, exige características próprias aos participantes. - não basta querer lá chegar... é preciso muito treino e preparação adequada.
O carácter dos protagonistas é decisivo para a boa prestação desportiva neste elevado nível competitivo. A cultura desportiva anglo-saxónica estabelece, dando de barato a existência de competências técnico-tácticas adequadas e numa trilogia de expressões de fácil entendimento, o tipo de carácter que se espera de protagonistas deste nível: fighting spirit, team spirit, killer instinct. Ou seja, ser de antes quebrar que torcer, de ter o "nós" muito acima do "eu" e ser capaz de, qualquer que seja a situação, antecipar a acção para garantir a vantagem sobre o(s) adversário(s).
E se a existência de um grupo de jogadores com esta atitude competitiva é parte do caminho do sucesso, falta ainda e para resolver as questões envolventes - no Alto Rendimento os pormenores marcam as diferenças - estabelecer uma estratégia que defina o caminho a percorrer.
A participação do VII de Portugal nas duas últimas etapas - Dubai e Port Elisabeth - da Sevens World Series é um bom exemplo demonstrativo da construção da estratégia. O principal objectivo da selecção portuguesa de sevens na World Series - uma vez que se reconhece a impossibilidade prática de classificação num dos quatro primeiros lugares que possibilitariam o acesso aos Jogos - é a de garantir a permanência como equipa residente. O que exige uma permanente atenção aos pontos de classificação geral a conquistar por cada etapa. 
A selecção portuguesa, no contexto actual das equipas residentes da World Series, é, fora o Japão, a equipa com menos torneios (76) disputados de todas as outras concorrentes - Gales com 97 e Estados Unidos com 94 são as mais próximas. Portugal, na época passada, classificou-se em 14º lugar com 26 pontos - os Estados Unidos em 13º lugar obtiveram 41 pontos e a Escócia, 12º lugar, obteve 61 pontos. A análise destes dados permite perceber que, salvo raríssimas excepções, a selecção nacional de sevens pertence ao grupo de equipas classificáveis entre as meias-finais da Shield e final da Bowl. O que permite estabelecer como objectivo mínimo a conquista de 5 pontos - 1/2 final da Bowl - por torneio para um total final, que se admite seguro, de 45 pontos.
Dado o posicionamento descrito, este objectivo pontual define como elemento estratégico crucial o primeiro jogo do segundo dia de competição. Vencê-lo, independentemente dos outros resultados, constitui a garantia de atingir o objectivo mínimo de 5 pontos.
No caso do Dubai, o VII de Portugal calhou num Grupo constituído por um "tubarão" - a África do Sul - e outras duas equipas próximas e equilibradas, Gales e Canadá. O que fazia supor, como aconteceu, que o segundo lugar que daria acesso à Cup - e ao mínimo de 10 pontos de classificação - seria decidido pela diferença de pontos marcados e sofridos. Situação que faria do jogo com os campeões África do Sul o jogo-chave, isto é, o jogo que iria definir em termos da soma de resultados a equipa que se classificaria em segundo lugar. O 36-0 então sofrido, se impediu o acesso à Cup, não impediu o 3º lugar que permitiu, no estratégico primeiro jogo do segundo dia, defrontar a equipa convidada e com menos experiência, o Brasil, e assim garantir o acesso à meia-final da Bowl e aos desejáveis 5 pontos.
Já em Port Elisabeth a situação apresentou-se de outra forma. O Grupo era constituído por dois "tubarões" - Austrália e Argentina - e outra, Zimbabue, equipa convidada e com menos experiência. O que dava a este jogo uma significativa importância porque, de novo, nos abriria a porta de acesso aos pretendidos 5 pontos. Infelizmente, o pior classificado do Grupo de cruzamento foi a França que utilizou este jogo na procura da sua redenção, vencendo uma irreconhecível equipa portuguesa. E assim, de pouco valeram os melhores resultados conseguidos comparativamente com os outros anteriores Torneios, os mais ensaios marcados e menos sofridos e o igual número de vitórias e derrotas: no final apenas 3 pontos de ranking, abaixo, portanto, do objectivo pretendido. Disfarçou a incapacidade a conquista da Taça Shield, esse óptimo factor de marketing mas de nulo valor desportivo. A uma evidente melhoria - ressalvando o "jogo estratégico" - correspondeu um pior resultado... 
Na próxima etapa de Wellington na Nova Zelândia, o VII de Portugal tem outra difícil tarefa numa série de dois "tubarões" - Austrália e Fiji - a que se junta Gales que, embora próxima, está a atravessar um bom momento (10º lugar com 25 pontos). Para garantir a possibilidade de compensar os 3 pontos da última etapa é necessário vencer Gales para defrontar nos 1/4 de final a equipa menos experiente da Papua Nova Guiné e procurar atingir a final da Bowl. O que significa que os resultados obtidos contra a Austrália e Fiji só têm importância naquilo que possam influenciar o jogo-chave com galeses. Tarefa nada fácil, mas não impossível para uma equipa com mais treino e já maior adaptação aos níveis elevados de competição.
Numa época de apuramento para os Jogos Olímpicos a gestão estratégica do VII de Portugal apresenta-se com dificuldades acrescidas: para garantir a maior capacidade competitiva no final da época para as fases de apuramento olímpico o ideal seria que a nossa manutenção no World Series estivesse garantida antes da disputa das duas últimas etapas - Glasgow e Londres. O que não sendo uma tarefa impossível é uma tarefa difícil que exigirá, para além do apoio focado e permanente de todas as partes que constituem o corpo do rugby nacional, o eficaz aproveitamento - traduzido em pontos - de qualquer sorteio favorável durante o decorrer da época.  Sendo ainda bom lembrar que em Fevereiro/Março se disputa a época internacional de XV onde o objectivo mínimo exigível será o da manutenção no Grupo com vista à disputa do apuramento para o Mundial de 2019. 
Frentes de exigência - em VII e XV - que não permitirão distrações ou outros argumentos que não sejam os fundamentos do Alto Rendimento. Que, aliás, devem ser aplicados quanto antes ao campeonato interno de XV para garantir que a sua competitividade - fraca como traduziu a recente derrota do CDUL na Taça Ibérica - se aproxime o máximo possível do nível internacional onde Portugal compete.
É difícil e complexo o Alto Rendimento...

sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

NATAL 2014


quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

SIMPLICIDADE E EFICÁCIA


Brian "Aussie" McLean ajudado por Henrique Rocha na aula aos treinadores portugueses.
Foto jpbessa/ iPhone
O papel de um treinador é tornar simples aquilo que é complexo. Este o conceito inicial das diversas mensagens que Brian "Aussie" McLean, treinador assistente dos All Blacks, foi deixando ao longo da semana que passou em Portugal nos contactos que teve com jogadores e treinadores portugueses. Simplicidade foi o lema - fazendo-me lembrar sempre o célebre KISS (keep it simple, stupid) que se exige a quem queira a compreensão dos outros para aquilo que quer comunicar. Porque, como avisa, o rugby não é nada simples e é, pelo contrário, bastante complexo e nem sempre, com as suas 22 Leis, de fácil compreensão.
Ver jogar os All Blacks é perceber a importância decisiva na sua eficácia do domínio simplicidade: tudo é simples, as decisões são simples, as soluções adoptadas são simples. Tudo porque por trás do visível está um trabalho profundo de simplificação que, tendo como fundamento a aplicação constante dos Princípios Fundamentais do Jogo, é de permanente aplicação, começando desde logo pelo treino. Aliás este processo, alterando e adequando um ou outro aspecto, tem longa tradição no ensino e desenvolvimento do jogo neozelandês. Quando tive a sorte de estar uma série de dias com os All Blacks, durante a sua digressão por França ao tempo do treinador Laurie Mains, aquilo que me impressionou (e mais me ensinou) foi a simplicidade das formas de treino, sempre ligadas às situações de jogo e tendo como objectivo resolver questões do jogo - conseguindo como resultado, para além do domínio técnico, um domínio do conhecimento táctico que faz a diferença. Aí pude ver o que Aussie veio repetir: joga-se de acordo com o momento que o jogo dá. E portanto treina-se de acordo com o jogo que se pretende jogar - cumprindo aliás a verdade universal do treina-se como se joga, joga-se como se treina.
A habitual trilogia - três parâmetros por acção - foi também lembrada por McLean. Cada exercício deve ter como dominantes a clareza, a precisão e a intensidade. A clareza exige que toda a gente perceba o que se pretende, a precisão é necessária porque, como lembra outro treinador australiano campeão do Mundo, Bob Dwyer, no seu "só a procura da perfeita execução permite chegar á perfeição", só assim se atinge o objectivo pretendido. Por outro lado, a intensidade é a variável que exige um controlo diferenciado de acordo com as circunstâncias e objectivos momentâneos do treino.
As decisões tomam-se de acordo com a informação disponível mas no desporto em geral e no rugby em particular a pressão que a velocidade impõe exige, desde logo e mais do que noutros espaços, a diminuição do número de opções - se as opções forem muitas, as dificuldades de decisão aumentam e o tempo justo de intervenção perde-se numa encuzilhada de interrrogações. Daí que seja necessário recorrer a uma espécie de cábulas que permitam aos jogadores focarem no essencial - nos factores críticos transformadores, nos critical few - e não se distrairem com trivialidades.
Uma trilogia, diminuindo opções e com o aviso de Aussie de que mais de três opções não serão lembradas pelo jogador no momento da acção - voltou à cena e foi de novo utilizada como ferramenta para que os treinadores possam ensinar melhor os jogadores a encarar as situações de quebra no chão (breakdown). À aproximação do ponto de quebra provocado pela defesa adversária, o primeiro apoiador terá que se decidir por uma de três opções, perguntando-se - no clique de um olhar - por esta ordem e reagindo de acordo: o portador pode passar-me a bola? a bola está disponível? existem adversários ameaçando a posse da bola? Cada resposta deverá garantir que a decisão tomada mantém a posse da bola para continuar o movimento - cumprindo assim os Princípios Fundamentais de Apoio e Continuidade para poder levar a equipa a Avançar e a ampliar a Pressão, desequilibrando o adversário - e assim, preparar-se para a melhor linha de passe para receber a bola ou para apanhar a bola e continuar com ela ou, ainda, para limpar os corpos adversários e permitir que os seus companheiros apanhem a bola. Simples e eficaz com tudo a depender do tempo de chegada do apoio, mas sem dúvidas sobre a decisão a tomar, sobre qual técnica utilizar ou sobre o porquê das coisas. 
Dir-se-á que nada do que se ouviu é novidade ou desconhecido. Claro, que não! Novidade é a forma simples como todo este conhecido manancial se transforma em método a exigir, para que o desempenho atinja os resultados pretendidos, não apenas saber o que se pretende - o objectivo - mas, essencialmente, saber que caminho percorrer para lá chegar. E Brian McLean, em cada exercício, em cada explicação, deixou claro as exigências que se colocam aos treinadores para a eficácia dos seus treinos e desenvolvimento dos jogadores. E com uma garantia fundamental - os melhores do Mundo treinam assim. 

sábado, 22 de novembro de 2014

UM JOGO DE SUPERAÇÃO

O jogo de hoje entre Portugal e Namíbia não vai ser fácil. Duas equipas praticamente empatadas no World Rankings e separadas por uma diferença de apenas 1,38 pontos - Namíbia no 22º lugar com 59,11pontos e Portugal no 23º com 57,73 pontos. Proximidade que, sendo Portugal o vencedor, irá permitir a troca de lugares no ranking - caso contrário, Portugal, descerá uma posição, trocando com a Koreia.
Mas este jogo que se mostra equilibrado na aparência dos números foi desequilibrado pela IRB - agora World Rugby - que proporcionou já três jogos à Namíbia - vitória (58-20) sobre a Alemanha e derrotas com o Canadá (17-13) e Barbarians Français (35-14) - enquanto que Portugal fez o seu último jogo internacional a meio de Março passado. E esta diferença mostrar-se-á em campo com uma maior capacidade de ritmo por parte dos africanos. Que os portugueses terão que igualar, habituados apenas ao ritmo do campeonato interno - e sabe-se, todos os países o sabem e por isso as diversas competições de nível intermédio, quão diferente é o ritmo exigível no nível internacional. Quer isto dizer que, por esta diferença de ritmo, Portugal vai, inevitavelmente, perder? Não!
Mas quer dizer que os jogadores da equipa portuguesa têm que entrar para o campo disponíveis para serem uns pelos outros em mais ocasiões e mais tempo do que quando tudo parte do mesmo pé competitivo. Um esforço físico e mental superior mas, apostamos, compensador.
Gosto muito de um conceito de um reconhecido treinador americano, Dean Smith, que assim definia para os seus jogadores o plano em que deviam jogar: play hard, play together, play smart. Que, traduzido para o domínio do rugby, se traduz assim: joguem duro, impondo-se ao adversário seja qual for a zona do terreno e qualquer que seja a situação que este jogo colectivo de combate vos obrigue, nunca desistindo; joguem juntos, sem resguardo e cobrindo-se e defendendo-se uns aos outros, eliminando e transformando erros e sendo de tal maneira solidários que a totalidade da equipa possa ser superior à soma das capacidades dos seus jogadores; joguem de forma inteligente, detectando desequilíbrios e fraquezas para surpreender os pontos fracos do adversário e impôr os pontos fortes, descobrindo, em cada avanço, em cada conquista, a oportunidade de chegar aos pontos. É este jogar duro, juntos e de forma inteligente que se pede aos jogadores portugueses desde o primeiro apito do árbitro argentino Federico Anselmi.
Ao contrário do que se possa pensar, Portugal não se apresenta em inferioridade física perante os namibianos. A diferença, com vantagem de 22 Kgs para a Namíbia, do bloco de avançados é irrelevante - a capacidade técnica introduzida pela Força 8 será factor favorável aos portugueses - e a altura média do Alinhamento é equivalente - 2 cm favorável aos portugueses com peso óbvio dos 2,02 metros de Gonçalo Uva. O que significa que a conquista se traduzirá num normal equilíbrio entre as duas equipas, significando que Portugal terá a posse do número de bolas suficiente para uso eficaz. 
Neste quadro, pode dizer-se que será a atitude dos jogadores de cada equipa que ditará o resultado final do jogo. O que faz do factor casa um elemento essencial para levar a selecção portuguesa à vitória.
Das bancadas espera-se, portanto, um apoio que faça, seja qual for a situação, os jogadores acreditarem que são capazes, que é possível, pela simples razão que os seus apoiantes, os seus fãs, assim acreditam. 
Pena é que haja jogos das provas internas em zona próxima do jogo internacional marcados para a mesma hora. O que impedirá a presença considerável de jogadores, treinadores e árbitros.
Um jogo internacional é - deve ser - para uma modalidade desportiva o máximo ponto de encontro dos amantes da modalidade. O rugby português não foge - não pode fugir - à regra. A presença na bancada dos companheiros de equipa de quem está no campo a defender a camisola portuguesa é reconfortante, pode ser inspiradora e ser ainda um factor de superação. O seu apoio, se mantém a mística do jogar por uma selecção nacional, dá ao jogo a escala, dimensionando-a, das capacidades habituais pelas quais se foi seleccionado - e que se traduz no conforto de uma piscadela de olho, de uma palmada nas costas, da demonstração de confiança antes do começo do combate.
Por outro lado a não presença nas bancadas dos companheiros - por decisão dos dirigentes dos clubes pela sua responsabilidade na marcação horária dos jogos - representa uma criticável atitude de secundarização do jogo internacional. Não sendo uma atitude concordante com a missão das federações desportivas - em que a competição internacional é uma das suas principais razões de existência actual - esta atitude de marcação de jogos em, praticamente, sobreposição com jogo internacional é, obviamente, um erro na perspectiva da valorização dos seus próprios jogadores. Saber e ver que um companheiro com quem se joga e treina todos os dias atingiu o nível máximo que um atleta ambiciona - jogar pela selecção portuguesa - mostra que o sonho é possível. E esta consciência traduzir-se-á numa maior adesão ao treino e à superação, numa melhoria da prestação desportiva e, portanto, numa vantagem para o clube.
Ignorar as vantagens da adesão aos jogos internacionais como ponto de encontro maior dos amantes da modalidade, é um erro que pode fazer o rugby português pagar cara factura. Por sobreposição dos valores de uma prática desportiva de lazer aos valores do desporto de rendimento.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

LEIS DE JOGO E INTERPRETAÇÕES


Num dos últimos programas televisivos Total Rugby que vi, dois dos melhores árbitros mundiais, Owen e Joubert, apareceram a explicar os resultados da conferência internacional de árbitros em que tinham participado. No final, para uma reunião que, julgo, teria como objectivo estabelecer equilíbrios e coerências nas diversas interpretações, fiquei com a sensação que, um e outro, voltavam para casa com visões diferentes. E a menos de um ano do Mundial a falta de uniformidade não garante nada de bom.

Com 22 Leis de Jogo - e nem todas elas suficientemente claras e independentes da interpretação das altas esferas, o rugby não é fácil de arbitrar, deixando muitas vezes em espectadores - e também em jogadores e treinadores - enormes dúvidas sobre o acerto da decisão, nomeadamente no jogo no chão e nas formações ordenadas. Tratando-se de um jogo colectivo de combate não se pode esperar que os jogadores não lutem pela conquista de terreno e da bola e, se cada árbitro tiver o seu critério, ninguém se entende.

Há uma regra fundamental a cumprir nos jogos desportivos: são as equipas e os seus jogadores que devem fazer o resultado, não o árbitro! Infelizmente o rugby não tem dado ao princípio o devido valor. 

Ou porque, como denunciou Kaplan (um dos árbitros mais internacionais, agora retirado), os árbitros inventam interpretações - um péssimo exemplo da invenção foi a exigência da voz para a introdução da bola na formação ordenada bem como a invenção do placador assistente do qual não se encontra definição em lado algum - ou ainda porque as associações regionais internacionais criam as suas próprias interpretações que impõem aos seus árbitros. 

E o resultado não é o melhor: os treinadores ficam sem saber que indicações devem seguir nos seus treinos e os jogadores não sabem como devem agir para não serem penalizados.

Há dias e quase em simultâneo em Portugal e em Inglaterra dois Nº8 e numa formação ordenada que avançava prenderam a bola com os pés e, saltando, levaram-na a ultrapassar a linha de ensaio para fazerem o toque de meta. Polémica num e noutro país. Feitas as devidas perguntas a quem de direito - IRB e Rugby Europe - duas respostas diferentes. Da IRB: ensaio válido e com uso de uma técnica que consideraram muito interessante. Da Rugby Europe: falta, a bola não pode ser presa com os pés. Cada um com a sua e embora nas Leis do Jogo se refira apenas (alínea b) da Lei 20.9) que a bola, na formação ordenada, não pode ser segura pelas pernas, é minha interpretação - para além da inestética dos saltos de canguru - que e seja qual fôr a situação, a bola só pode ser presa com as mãos e nunca com os pés que apenas a podem conduzir ou chutar. Mas isto, a minha opinião, é apenas um pormenor, na necessidade que seja definida uma norma comum a todos os intervenientes no jogo. E que, quando houver alterações elas sejam imediatamente conhecidas por todos sem divisões de importância.

O jogo é complexo e difícil de dominar na sua totalidade para além da clara noção que toda a gente tem que a bola não pode ser passada para a frente. As Leis do Jogo, a forma como estão escritas e a forma como se considera a possibilidade de novas interpretações a que treinadores e jogadores internacionalmente menos qualificados quase só têm acesso quando são confrontados com elas em campo, desclassifica o jogo. E nem a propaganda sobre o vídeo-árbitro que começou, pesem embora os diversos avisos, a estender-se a um ponto tal que os realizadores de televisão já se sentem autorizados a impôr a sua visão do jogo, serve para cobrir as enormes dificuldades que se estão a criar para uma compreensão global que possa ultrapassar o domínio cultural inicial do jogo. O livro das Leis de Jogo não parece ser o mesmo para todos e até o treinador dos All Blacks, Steve Hansen, já o disse publicamente: o livro das leis deveria ser rasgado e reescrito numa linguagem que todos possam entender. No entanto são as Leis do Jogo que fazem a linguagem comum para que gente diferente possa entender-se no mesmo jogo - o que define a vital importância de não haver interpretações diversas.

Quando frequentei, recentemente, o Curso de Sevens da IRB realizado em Lisboa percebi, pela explicação sobre a aplicação das Leis do Jogo dada pelo árbitro internacional Paulo Duarte - ainda recentemente arbitrou a final de uma das etapas do Campeonato da Europa de Sevens - que a arbitragem e a interpretação das situações depende do organizador responsável do torneio ou campeonato - IRB ou organismos internacionais regionais. Foram dados diversos exemplos de diferentes interpretações para a mesma situação - e nós, referiu, temos que apitar como eles exigem. Claro! e é se querem continuar uma carreira internacional... E o problema é este: os mesmos jogadores têm que ter atenções diferentes se estão a jogar o Campeonato da Europa ou o World Rugby Series da IRB e o entendimento sobre a mesma situação pode ir, como se analisou, até esta diferença: não é falta ou aqui é assim, falta e cartão amarelo! O que, no mínimo, representa uma falta de respeito pelos actores principais, por aqueles que fazem verdadeiramente o jogo: os jogadores.

Tentar globalizar o jogo, tentar que às dez/doze melhores equipas mundiais se juntem com igual capacidade competitiva as outras oito/seis que uma recente classificação, juntando os países que anteriormente constituíam o Tiers 1 e 2, considera o escalão de alto rendimento da IRB, não terá êxito sem que as Leis do Jogo possam ser identicamente interpretadas e utilizadas. Com a cega estratégia de marketing colocada acima de tudo o resto, tenho dúvidas que haja atenção devida para que o desenvolvimento possa vir a ser globalmente equilibrado.

No fundo, prejudicados são sempre os pequenotes: as grandes equipas têm possibilidades de ter ficheiros completos sobre as características ou manias de cada árbitro que vão apanhando no grande circo internacional e têm a possibilidade de treinar as adaptações necessárias; as equipas - como Portugal - apanham árbitros de que pouco ou nada sabem e passam metade da 1ª parte a tentar adaptar-se com os prejuízos, quer para o jogo, quer para o resultado, daí decorrentes. E é mais fácil do que parece resolver o problema, basta que haja liderança. 

Resta-nos a esperança que, à mudança do nome - de IRB para World Rugby - corresponda uma mudança de atitude.

segunda-feira, 20 de outubro de 2014

QUEREM GANHAR? ATAQUEM!

Excelente jogo este entre a Austrália e a Nova Zelândia. Excelente para ver como espectáculo e excelente para - desde que se queira - aprender.
Embora num jogo que não contava para mais do que o prestígio e para pontos no ranking - isto é, não havia nem pontos nem sequer a Bledisloe Cup em disputa - os jogadores deram uma óptima demonstração do verdadeiro espírito do jogo: um combate pelo terreno, pela bola e pelos pontos durante a totalidade dos oitenta minutos de duração do jogo. E a primeira lição vem daqui: nenhum jogo está perdido até que o árbitro apite o seu final. Os All-Blacks acreditam que assim é e procuram a vitória até ela não ser mais possível. Como colocou em título de livro o seu antigo capitão Sean Fitzpatrick: Winning matters.
A segunda lição: a bola é para jogar. Pouco importa a vantagem da posse da bola se a equipa não fôr capaz de a utilizar eficazmente. A estória de se dar conta das inúmeras sequências conseguidas por uma equipa sem conseguir marcar pontos não qualifica uma qualidade e só tem um significado: incapacidade atacante perante a qualidade de uma defesa. E isso significa, na maior parte dos casos, que a equipa na posse da bola nunca conseguiu criar - por isto ou aquilo e em qualidades que devemos atribuir à equipa defensora - os desequilíbrios necessários e não conseguira montar os apoios capazes de permitir jogar entre-linhas e ultrapassar a barreira defensiva para atingir a área de ensaio. E foi destas preocupações que o jogo nos falou: de usar a bola, atacar a linha de vantagem e criar os apoios capazes de permitir a continuidade. 
A terceira lição foi sobre a continuidade. Um dos princípios fundamentais do jogo, a continuidade é essencial ao jogo mas, demasiadas vezes e apesar dos avisos constantes de Pierre Villepreux na construção do seu jogo de movimento, confundida com manutenção da posse da bola. A continuidade de que falámos no jogo deve ser entendida como continuidade do movimento, evitando paragens que permitam a reorganização defensiva e para que esse objectivo do movimento - num jogo de avanço e entrega permanentes da bola - seja uma constante é preciso por um lado, que se ataque os intervalos entre defensores - atacar a porta e não a parede - para criar indecisão e, por outro, que se construa uma sociedade secreta entre o portador da bola a caminho do chão e o apoiador axial para que o passe se faça sem demora e com a eficácia adequada. E a demonstração de como isso se faz, foi uma outra lição do jogo.
Existe a necessidade de criar uma ligação - daí a ideia da sociedade secreta -, uma espécie de pacto para que o portador, na zona de contacto, oriente o corpo de tal forma que possibilite o tempo necessário a uma entrega tão precisa quanto possível, sendo o papel do apoiador axial o de se posicionar pelo lado que maior facilidade dê ao portador. Assim o movimento continua e a defesa vê aumentar as suas dificuldades. E umas de duas, ou o portador ao atacar o intervalo atrai dois defensores e o apoiador axial tem caminho aberto ou será este a interessar o defensor, abrindo o espaço para outro companheiro. Simples mas exigente: exige que se jogue em cima dos defensores, a uma distância reduzida, em velocidade e com a preocupação de servir companheiros.
Mas as defesas também estiveram bem e mostraram, como deve ser, que o seu objectivo maior é recuperar a bola - o que exige passar da mera placagem à colisão: placagem derrubante, penetrante e efectiva. E disso se viu muito.
Ou seja, a base do jogo foi construída por ambas as equipas de acordo com a ideia de que a bola é para usar, a bola é para recuperar. Ou seja, um hino ao conceito de sempre de que o rugby é um jogo de ataque. De facto, com a bola tudo pode acontecer mas sem a bola o que se pode fazer não ultrapassa o adiamento da derrota.
Por outro lado o jogo no chão foi também um combate de bom nível, mesmo com a existência de algumas faltas - foi provavelmente o sector do jogo com mais faltas. Tratando-se de uma área onde os turnovers são meio caminho andado para conquistar terreno ou mesmo conseguir pontos, as equipas têm os seus jogadores suficientemente treinados para tomar decisões de acordo com a circunstância momentânea: atacar a quebra, o ponto da placagem, só pela certa, atrasar a saída da bola não deixando a vida fácil aos adversários e não implicar demasiados jogadores. O que exige conhecimento táctico do jogo para proporcionar adequada leitura a suportar a conveniente decisão.
Um jogo em cheio, com bons ensaios e com o didatismo da constante representação dos princípios fundamentais do jogo e pleno de bons exemplos. Aumentando assim a curiosidade para os jogos de Novembro com as selecções europeias.

Nota: Não tive oportunidade de felicitar publicamente o Daniel Hourcade e os seus guerreiros pela notável vitória sobre a Austrália. De facto a Argentina para além de prometer - como escrevi -, cumpre. E mostrou excelentes capacidades que farão dela e cada vez mais, uma equipa com que se deve contar para o Mundial. E o mais impressivo - trata-se de uma equipa jovem - é a sua margem de melhoria. Como reconhece Hourcade há ainda demasiados erros que só o aumento de jogos de nível mais elevado como estes - onde se ganha e se perde por um erro explorado ou cometido - pode permitir diminuir. Para Hourcade é o reconhecimento mundial da sua aposta, das suas ideias - o jogo-ao-pé argentino caminha cada vez mais para ser uma arma táctica e não uma constante aliviadora como resultou do passado - da sua forma de encarar o jogo. E que diabo, quem inventou o Tango não se pode ficar por um jogo pouco interessante. Hourcade dá ao jogo argentino a frescura da dança porteña. 

quarta-feira, 8 de outubro de 2014

CARTA DE UN RUGBIER A CRISTIANO

Estimado Cristiano:
Te escribo esta carta en calidad de jugador de rugby. El pasado miércoles realizaste, a mi parecer, unas desafortunadas declaraciones al advertir tras la conclusión de un partido, "que en lugar de fútbol parecía rugby" porque un rival te dio una patada por detrás sin posibilidad de jugar al balón. Quería aclararte que en el rugby está terminantemente prohibido patear a un rival y que cualquier tipo de agresión está sancionada con la expulsión directa. También te diría que el jugador expulsado, además de ser sancionado por su club y por el comité reglamentario, pide disculpas en el vestuario a sus compañeros al finalizar el encuentro por dejarlos en inferioridad e hipotecar el trabajo de toda la semana. Para nosotros los partidos se juegan entre semana (en los entrenamientos) y el fin de semana se posan los ensayos.
El rugby es un deporte de contacto, duro y agresivo, pero nunca violento. En el rugby existen unos códigos de conducta honorable que todos respetamos escrupulosamente, por lo que nunca verás a un jugador de rugby simular una falta o una agresión. Se suele decir que la única mentira que está permitida a un jugador de rugby es la que se dice al médico para seguir en el campo. Este fin de semana un jugador recibió un golpe en la cara, le partieron el pómulo y siguió jugando durante una hora para que su equipo no quedase en inferioridad.
Habrás visto que nuestras camisetas llevan dorsales, que indican la posición en el campo, pero no el nombre, porque no es importante quien vista esa camiseta. Lo importante es que quien la vista "haga su trabajo, sólo su trabajo, pero todo su trabajo". Por eso cuando anotamos un ensayo nadie lo celebra señalando su nombre, lo festejamos con los compañeros, los culpables de que el balón nos llegue siempre en las mejores condiciones. Por eso no entregamos Balones de Oro ni tenemos pichichis. Además nos dirigimos al árbitro llamándole «señor», sólo hablan con él los capitanes y nunca le culpamos de la derrota porque somos conscientes de que nos equivocamos más veces que ellos.
Te diré que en el rugby impera la continuidad, que la filosofía de juego incide en que la pelota siempre esté viva. Por eso cuando ves un placaje, el placador suelta al placado al caer y el placado deja la pelota en el suelo para liberarla. En el rugby la pelota siempre tiene que estar en juego para que al final del partido se cumpla el primer mandamiento de nuestro deporte: siempre gana el mejor. Se persigue severamente el anti-juego y se castiga con ejemplaridad, por lo que nunca verás jugadores de rugby perdiendo tiempo o simulando lesiones. De hecho, existe la figura del cambio de sangre, porque el lesionado, una vez atendido, vuelve al campo por muy aparatosa que sea la herida, para seguir ayudando a sus compañeros.
En el rugby el rival es adversario en el campo y compañero fuera de él. Nunca enemigo porque tenemos en común una pasión y un código de conducta que respetamos más allá del campo. De ahí que en el rugby hagamos pasillo al rival, ganemos o perdamos, y compartamos unas cervezas en el tercer tiempo después de dejarnos la piel en el campo. Por todo esto, Cristiano creo que tu declaración fue desafortunada, entiendo que por desconocimiento de nuestro deporte. Desde aquí te invito a acudir a un partido de rugby dónde y cuándo quieras. Serás siempre bienvenido, tú y cualquiera. Y, por supuesto, estás invitado a disfrutar con nosotros de unas cervezas en el tercer tiempo. Sin más, salud y rugby.
Fermín de la Calle
6 oct 2014 in https://es.eurosport.yahoo.com/blogs/parada-a-seguir/carta-de-un-rugbier-a-cristiano-223841623.html

(Fermín de la Calle, jornalista espanhol)

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

A ARGENTINA PROMETE


Dois dos "nossos" no melhor nível do rugby mundial
O Nova Zelândia-Argentina era uma jogo imperdível. Por diversas razões: porque vale sempre a pena ver a melhor e mais estimulante equipa do rugby mundial; porque havia uma enorme curiosidade sobre as reais capacidades argentinas; porque ainda - um ponto nada despiciendo -  neste jogo participavam dois dos "nossos", Daniel Hourcade - treinador principal dos Pumas e o único dos treinadores estrangeiros que deixou um verdadeiro legado ao rugby português - e Rohan Hoffman, jogador internacional por Portugal - excelente e de enorme carácter (tive a sorte de contar com ele nas selecções da minha responsabilidade) - e que, começando cá a sua carreira de árbitro, era um dos árbitros auxiliares do jogo.

O jogo não desmereceu. A Argentina - e quem conhece Hourcade sabe que as suas equipas se formam com guerreiros - demonstrou, com a sua capacidade de luta e organização táctica, o que já se suspeitava: a ideia de que será uma equipa a ter em contínua conta no panorama internacional - para Hourcade o "seu" Campeonato do Mundo será o de 2019. 

Apesar da chuva, os AllBlacks demonstraram a suas enormes capacidades na circulação da bola - o tempo de passe e de posicionamento do receptor são simplesmente notáveis e obrigam a repensar em métodos e processos de treino. Mas desta vez o conceito de que o uso do jogo-ao-pé - que Hansen frisou ter melhorado muito, quer na técnica, quer na oportunidade - foi uma realidade. Por um lado pela estrutura defensiva argentina que obrigou a muito jogo-ao-pé por parte dos neozelandeses, por outro porque existe uma confiança enorme na técnica de cada um e no cumprimento da regra-chave: a qualidade de um pontapé ofensivo depende da eficácia da perseguição. Daí a exigência da colocação dos pontapés - que possibilita a perseguição - e, nisso, os neozelandeses são tremendos. Veja-se o primeiro ensaio: pontapé-rasteiro de Beauden Barrett para Retallick captar e passe em pontapé-rasteiro de Conrad Smith para Savea marcar. Tudo feito com o propósito adequado: usar a posse da bola da forma mais eficaz possível. E não me lembro que algum dos muitos pontapés-na-caixa de Aaron Smith tenha permitido algum contra-ataque argentino.

Os argentinos conseguiram uma coisa notável: no final da primeira parte eram a equipa com mais posse de bola e superior ocupação territorial. O que, contra AllBlacks, representa um feito! Que só foi insuficiente porque do outro lado estava a equipa que sabe explorar como ninguém as oportunidades que o jogo lhe oferece. Na segunda-parte o segundo-empurrão dos Pumas nas formações-ordenadas foi formidável - apesar do segundo ensaio neozelandês, ainda na primeira-parte, ter nascido de uma conquista - "bola de ouro" na gíria - de formação-ordenada de introdução argentina com exploração imediata da colocação das linhas atrasadas. Provavelmente a maior dificuldade dos Pumas nestes jogos de primeiro nível, estará na ultrapassagem da linha-de-vantagem após a conquista nas fases ordenadas, onde dão demasiado campo com passe em ângulo muito aberto e facilitando a vida à defesa adversária - curiosamente nas fases espontâneas o ataque à LV é muito mais eficaz. 

Interessante, para além de algumas novas combinações neozelandesas - o seu quarto ensaio, próximo da área-de-ensaio argentina e sobre uma formação-ordenada numa divisão 4-2 dos três-quartos (os argentinos responderam com um inevitável e perdível  3-3) seguida de um desequilibrador 89, é uma demonstração da forma de colocar problemas, diria insolúveis, à defesa - as combinações de ambas as equipas nos alinhamentos, variando o suficiente para garantir a conquista da bola sem grande perturbação -  dos 31 lançamentos apenas 3 foram captados pelos saltadores adversários.

Com 4-0 em ensaios a vitória da Nova Zelândia não deixou dúvidas mas a Argentina começa a atingir um nível qualitativo internacionalmente muito interessante. E Daniel Hourcade tem na sua cabeça as ideias e conceitos para ainda lhe elevar mais o actual nível. Uma boa surpresa e, talvez finalmente, encontremos um sustentável desmancha-prazeres no rugby mundial... 

Preocupante é, no entanto e a um ano do próximo Mundial, o que se vai passando nas arbitragens. Depois do enorme disparate, com benefício evidente do infractor, da exigência do comando do árbitro na introdução da bola nas formações-ordenadas, parece haver de novo a tendência para os árbitros definirem os resultados dos jogos. Na final do Super XV a decisão sobre uma falta inexistente de Mc Caw, ditou o vencedor; no Argentina-África do Sul não consegui - eu e muitos outros - ver a falta do pilar direito argentino que determinou a vitória sul-africana.

Neste fim-de-semana o árbitro, o francês Pascal Gauzere, tirou um ensaio à Argentina sem que possa haver qualquer razão para o facto - carga sobre um pontapé, captação da bola do chão e corrida para o ensaio. No outro jogo - Austrália-África do Sul com dois excelentes ensaios australianos - a atribuição muito duvidosa - foi apenas falta por placagem alta mas que não se aproximou de jogo perigoso - de um cartão amarelo aos 65' a Bryan Habana - que cumpria o seu 100º jogo internacional - deu toda a possibilidade de vitória aos australianos (Curiosidade: Habana só não entrou em jogo antes do ensaio australiano porque o seu companheiro Morne Steyn falhou a saída da bola num pontapé de penalidade e, por isso, não houve paragem do jogo).

Como nota positiva destes erros - graves! - de arbitragem, a ética do comportamento de treinadores e jogadores. Desde "o árbitro tem sempre razão" até ao "não estou aqui para falar dessas coisas", nenhum dos intervenientes criticou publicamente os árbitros. Mais razão ainda para haver uma maior atenção - porque jogadores que respeitam o código do fair-play merecem todo o respeito - por parte dos árbitros e, principalmente, uma maior coerência global nas suas interpretações das Leis do Jogo.     

segunda-feira, 25 de agosto de 2014

A VINGANÇA DOS MESTRES


... e a Bledisloe Cup continua na Nova Zelândia
Meia centena de pontos marcados, trinta-e-um pontos de diferença e seis-dois em ensaios marcados, demonstram a diferença da capacidade de jogo entre AllBlacks e Wallabies. Derrotados na final do Super 15 e com o empate concedido em Sidney, os neozelandeses, como campeões do mundo e primeiros do ranking IRB tinham qualquer coisa para demonstrar. E demonstraram-no sem margem para dúvidas: na conquista e na utilização.
A entrada em cena dos neozelandeses teve um ritmo demolidor - pese o facto de terem sido punidos com penalidade convertida na primeira vez (Conrad Smith) que tocaram na bola - e fez australianos pagarem-no caro ao longo do jogo.
Qualquer das defesas esteve em geral bem, determinada e agressiva, subindo, diminuindo o tempo da decisão, criando uma pressão permanente. Mas os AllBlacks dominam completamente a necessidade de jogarem na cara do adversário - a tal distância de 1 metro a que se devem tomar as decisões - fixando adversários directos e garantindo os espaços de penetração.   
O treinador principal, Steve Hansen, já o tinha dito no início da época internacional: estamos a utilizar mais e melhor o jogo ao pé. E de facto os AllBlacks chutam mais do que as outras equipas como o demonstram as estatísticas - chutaram 23 vezes contra apenas oito dos australianos. É assim natural que tenham menos percentagem de posse de bola do que os adversários mas isso não os torna menos eficazes. Apenas transformaram o velho conceito "se podes correr e passar  não penses em chutar" num outro, de resultado mais objectivo e com base numa regra d'ouro: a utilização da bola serve para criar o maior número de dificuldades ao adversário. O que exige conhecimento do jogo e, para além da técnica necessária ao bem fazer, o domínio da cultura táctica que permita decidir sobre a melhor forma - para cada momento de confrontação - de complicar a vida defensiva adversária. O que, naturalmente, tem uma enorme vantagem: sujeito ao jogo-ao-pé atacante (chamemos-lhe assim por oposição ao jogo ao pé de alívio) o adversário tem que dividir as suas atenções defensivas por um maior, como na velha estória do lençol sempre curto nos pés ou no pescoço, espaço territorial. E esta possível e constante alteração, se permite aliviar pressões, permite ainda - com a boa organização perseguidora que sempre demonstram - conquistar terreno efectivo que, colocando problemas aos defensores, os leva a cometer erros. Tudo junto num benefício que se traduz em pontos.
Alguns dos jogadores - o capitão Richie McCaw, o nº8 Kieran Read e o segundo-centro Conrad Smith - têm sido dados como "acabados" por apressados comentadores. Viu-se o acabamento... os dois terceiras-linhas marcaram 3 ensaios e Smith mostrou-se sempre uma mais valia para os companheiros transportadores da bola: aparece no momento exacto para receber o passe e ainda conquistar terreno, avançando até deixar, se vai ao chão, a bola em perfeitas condições de utilização para companheiros. Um notável jogador que hoje - tendo dividido as preferências com Brian O'Driscoll - é o melhor segundo-centro mundial.
Na ida ao chão enquanto portadores, todos os jogadores AllBlacks mostraram o mesmo entendimento: se soltos, a preocupação de passar a bola a um companheiro que possa continuar o movimento; se presos, a preocupação de mergulhar, qual marcador de ensaio, atirando o corpo para lá da linha dos defensores, dando, desde logo, vantagem ao apoio e dificultando a vida aos defensores que se tocam na bola podem também ser considerados em fora-de-jogo (não há placadores mas pode chegar a haver ruck), ou seja e seguindo a regra que pretendem impor, criando mais uma dificuldade aos defensores. E assim podem jogar ao largo com uma enganadora facilidade que desnorteia as defesas e alarga espaços de passagem.
A panóplia técnico-táctica neozelandesa é imensa e daí o facto de continuarem a ser a melhor equipa do mundo - há quanto tempo são Número Um do ranking IRB? Porque são estes conhecimentos das questões tácticas do jogo e a capacidade - repetida vezes sem conta - técnica dos gestos tornados mais rápidos e mais precisos que faz do XV da Nova Zelândia uma equipa soberba. E que tem traduções evidentes na forma como a equipa actua.
Sempre admirei a capacidade dos jogadores neozelandeses reconhecerem colectivamente uma oportunidade: num repente os jogadores parecem mordidos pelo mesmo bicho e adaptam-se à situação que reconheceram - num gesto de um companheiro, num erro adversário - para conquistar terreno, bola ou pontos. Parece que, comandados por um clique exterior, todos respondem em simultâneo. Com um "mais": cada um responde de forma diferente mas colectivamente articulada para transformar o aparente caos numa força organizada. O que mostra um cuidado especial que vem, com certeza, das etapas de formação.
Ver com atenção o jogo neozelandês permite sempre descobrir qualquer nova exploração mesmo se de procedimentos conhecidos. Desta vez nos alinhamentos: na maior parte dos casos a bola captada nas alturas pelo saltador era, daí, passada imediatamente para as mãos do formação. Com vantagens evidentes: a primeira por não permitir que o cerra-fila e seus últimos companheiros, por falta de tempo, se posicionem para sair sobre as linhas atrasadas atacantes, obrigando-os a correr em perseguição; a segunda porque permite sempre surpreender, utilizando outro tempo de execução como aconteceu nos ensaios de McCaw. 
Se este jogo Nova Zelândia-Austrália só teve como surpresa o volume do resultado, a verdadeira surpresa do fim-de-semana internacional ia sendo a Argentina do nosso Daniel Hourcade que, embora perdendo por 31-33 e tendo tido uma vantagem de 12 pontos aos 55' e ainda de 1 ponto até aos 76', demonstrou a mão-cheia de razões que lhe assistem na preocupação do incremento da velocidade no jogo argentino e nas alterações da composição da equipa. Com objectivos muito elevados para 2019, Hourcade está a mostrar uma interessante via e a conquistar o respeito dos adeptos dos Pumas. A curiosidade pela continuação é muita e os Pumas, ao passaram para um superior patamar de interesse, centram em si os olhares mundiais. O que, para começo, não é nada mau... E a aposta de Hourcade merece.

quarta-feira, 20 de agosto de 2014

INGLATERRA CAMPEÃ MUNDIAL FEMININA


As palavras de balneário ou da capitã devem ser restritas a quem é de cena.
Foto Sky Sports
O fim-de-semana rugbístico tinha começado mal: as enormes expectativas criadas, por causa da formidável final do Super XV, para o Austrália-Nova Zelândia caíram como a água da chuva que molhou a bola e não abriu os espíritos - o jogo esteve muito abaixo da qualidade que os actores prometiam, a Austrália devia ter sabido ganhar (teve tudo para isso, excepto a capacidade de o fazer) e a Nova Zelândia, embora saindo de Sydney sem o recorde das 18 vitórias seguidas, leva a quase certeza, com o resultado de 12-12, de que a Bledisloe Cup vai ficar na ilha da Grande Nuvem Branca. Veremos já no próximo sábado, no neozelandês Eden Park em Auckland.

Valeu então para transformar este mau início num bom final, a final de domingo do Mundial Feminino entre a Inglaterra e o Canadá. Excelente jogo!
De um lado e do outro a predisposição para um combate de oitenta minutos numa luta de não virar a cara e procurar a vitória e o titulo. Venceu a Inglaterra (21-9) e com dois ensaios contra nenhum, não deixou qualquer margem para dúvidas sobre o seu merecimento.
O jogo foi bom e espectacular. Ambas as equipas fizeram uma boa apresentação do domínio dos Princípios Fundamentais do Jogo: em cada utilização, em cada tentativa de recuperação da bola, as diversas jogadoras cumpriam o essencial que carateriza o jogo, numa demonstração permanente de conhecimento táctico e capacidade técnica. É disto - o resto são lérias de quem não sabe para mais - que o jogo de rugby trata: reduzir a complexidade aparente a decisões eficazes por meio da aplicação dos Princípios Fundamentais. O que significa treino, muito treino, organização competitiva, conhecimento do jogo, preparação e inovação programadas, objectivos claros e sentimento colectivo de cada uma se disponibilizar pelas outras. Para que o conjunto de jogadoras possa encontrar-se como equipa num triângulo de propósitos definidos, perspectivas alinhadas e movimentos sincronizados. 
A Inglaterra apresentou-se muito bem - com uma primeira linha de categoria invejável capaz de garantir o pé-da-frente, uma segunda-linha conquistadora e capaz de participar nas diversas fases do jogo, uma terceira-linha móvel e transportadora, uma parelha de médios de decisões acertadas e criadores de surpresa na exploração dos espaços, umas centros - excelente a Emily Scarratt como utilizadora e chutadora - de boa capacidade de circulação e ataque aos intervalos e um três-de-trás capaz de interpretar eficazmente, com adequado movimento pendular, o papel que o visionamento vídeo lhes indicou para impedir qualquer veleidade às atacantes canadianas. E estas capacidades que formam uma equipa de XV de qualidade, notaram-se durante todo o jogo: uma equipa preparada para jogar e ganhar uma final mundial. Num jogo que é uma boa lição sobre o desenvolvimento necessário para atingir níveis competitivos elevados.
O primeiro ensaio inglês foi um portento, um tratado de bem jogar: formação-ordenada no lado direito do campo e saída pela direita - também lado-fechado - a ultrapassar a Linha de Vantagem e a obrigar à intervenção e levar à fixação da terceira-linha canadiana; passagem rápida pelo chão, circulação de bola para a esquerda com perfuração central da segunda-linha Tamara Taylor a desequilibrar a linha defensiva e nova passagem rápida pelo chão com continuidade do movimento no mesmo sentido a alargar o perímetro de jogo de forma a criar os intervalos necessários às perfurações ofensivas. Na sequência dos passes, um excelente cruzamento na ponta da linha a avançar mais metros e retornando de novo para a zona central, novo ruck e bola a sair tão rápido que as defensoras canadianas, apanhadas em contra-pé, aumentaram a inutilidade da sua concentração numérica; bola de novo - segunda vez na mesma jogada - em Taylor para nova perfuração, agora com finta de passe de excelência e fixação perfeita da segunda defensora para entrega em tempo justo à asa Alphonsi que só teve que manobrar um 2x1 para entregar a bola para Danielle Waterman, a defesa, marcar - e ainda com a ponta Merchant para o que desse e viesse. Um excelente ensaio colectivo, com três amplas mudanças de sentido e todas as jogadoras empenhadas, a mostrar a beleza do rugby como jogo de equipa. E a demonstração do merecimento do título de Campeã Mundial.
O Canadá jogou bem mas e apesar da excelência da sua circulação de bola, do ataque aos intervalos e da muito boa coordenação defensiva, perdeu. Por natural falta de experiência.
Não pertencendo a nenhuma das "major" - onde o jogo e as suas tácticas se aprendem quase no berço - às canadianas faltou-lhes a experiência que só muitos jogos neste nível lhes podem dar. Exemplo disso foi o desgaste que a vivacidade das suas jogadoras, na vontade de atacar de qualquer lado, circulando a bola e procurando servir as suas "terríveis" finalizadoras, lhes provocou. Se mais experientes teriam jogado ao pé mais vezes, conquistando terreno e preparando novos ataques em posição territorialmente mais favorável, controlando o ritmo e impondo momentos fortes sobre fraquezas adversárias momentâneas. Ficou-lhes o lugar de finalistas - o que, diga-se, constitui uma verdadeira proeza - e o prémio de Melhor Jogadora do Ano para a sua finalizadora e chutadora - e autora do melhor ensaio do Mundial! - Magali Harvey.

sexta-feira, 15 de agosto de 2014

SURPRESAS EM BONS JOGOS


Se há equipa a quem se tem que tirar o chapéu neste Mundial Feminino de 2014, essa equipa é o Canadá. Depois de um empate com as inglesas - e que pareceu (na impressão imediata) mais consentido que conseguido - as canadianas venceram na meia-final a França que, até então se mostrava como potencial candidata ao título mundial. Apoiando-se numa notável capacidade colectiva de movimento, as canadianas marcaram os primeiros ensaios - e foram dois - que a França sofreu. E que ensaios! 
Se o primeiro consiste numa exploração brilhante pela então formação, Elissa Alarie - antes defesa - que, lendo muito bem a maior preocupação defensiva francesa de "subir e deslizar" para evitar o bom e perigoso jogo das linhas atrasadas canadianas, acelerou por uma brecha que uma finta de passe amplia para porta aberta para quarenta metros de corrida e ensaio transformável, já o segundo é uma obra-prima de coragem, confiança e saber jogar, táctica e tecnicamente. Um tratado de rugby de movimento: formação ordenada francesa a 10/15 metros da linha de ensaio do Canadá, bola conquistada pelas canadianas e de novo Elissa Alarie a ler a possibilidade de criar superioridade numérica ao ver a colocação da ponta defensora para ensaiar ligeira corrida lateral a fixar a abertura Sandrine Agricole, seguida de circulação por passes certeiros cara-a-cara com as defensoras para soltar Magali Harvei - ponta de boa velocidade e também chutadora aos postes - para, num sprint de mais de oitenta metros, bater duas defensoras laterais e ser determinante finalizadora com 13 pontos no jogo. Um formidável ensaio costa-a-costa a marcar a estória destes mundiais. E a confirmar Alarie como a grande aceleradora dos momentos cruciais da utilização da bola. E se a capacidade atacante canadiana ampliou o nível do espectáculo, a sua defesa limitou as opções francesas, obrigando-as a optar por um limitado jogo-ao-pé para o qual havia organização definida e capaz numa demonstração clara das vantagens da boa análise vídeo.
As francesas, puxadas por um público que aos 60' e perdendo por 18-6 aquecia as almas com o cântico de La Marseillaise, marcaram também dois ensaios, ambos por maul penetrante. O primeiro conseguido pela super Nº8, Safy N'Diaye - a tal que na sua ficha de focalização e para não desviar capacidades, tem como lema: "Não te preocupes em passar a bola, preocupa-te em massacrar" - e o segundo, já em cima do final do jogo e que ainda deixou esperanças de um prolongamento nas bancadas do magnífico Jean-Bouin esfumadas na transformação falhada de Agricole.
As canadianas mereceram a vitória - foi a vitória do rugby do movimento, do jogo de passes na procura da criação de intervalos, da confiança nas capacidades globais da equipa numa boa relação táctica conquista/utilização contra o mais limitado conceito - embora com diversos mauls tecnicamente muito bem conseguidos - de imposição da força que a defesa canadiana conseguiu combater até ao limite das suas forças. No fundo o que se viu foi a plenitude do jogo global de um lado contra o limite do maul do outro, numa provável demonstração de que o problema do jogo francês a que temos assistido ultimamente e aos mais diversos níveis é conceptual e não conjuntural. Ou seja, que virá da formação e não do exagero - embora ajudando - de estrangeiros em cada clube. Como curiosidade: o treinador do Canadá, François Ratier, é francês, antigo três-quartos ponta e é treinador no Canadá desde 2003... anos fora suficientes para ter mantido a visão do french flair que procura - vê-se - implementar no jogo canadiano.
Se o Canadá foi a surpresa agradável, a Irlanda foi a surpresa negativa. Vencedoras com grande mérito das poderosíssimas Black Ferns, as Irlandesas foram derrotadas pelas inglesas por um duro 40-7. Duraram meia-hora em que ainda mostraram capacidades para passar por candidatas. Depois acabaram-se ... 
A lição das inglesas estava bem estudada, como contou a sua capitã, Katy McLean: tínhamos de jogar no pé-da-frente e as nossas avançadas conquistaram-nos bolas de grande qualidade para nos permitir aumentar a pressão sobre o campo irlandês. E assim foi: o domínio físico do bloco avançado inglês impôs-se e permitiu quer a possibilidade de definir o alvo atacante que impossibilitaria as temidas combinações irlandesas, quer placagens mais ofensivas que criavam constantes dificuldades à continuidade dos ataques da Irlanda ou ainda construir movimentos ofensivos a atrapalharem cada vez mais uma sempre atrasada defesa irlandesa. Ou seja, o XV da Inglaterra feminino ao dominar, como recomendam os livros, a conquista da Linha de Vantagem, ganhou. E neste controlo procurado desde o balneário, ressaltou a capacidade de condução da bola nas formações-ordenadas da Nº8, Sarah Hunter, que permitiu transformar o avanço conseguido num ponto de desequilíbrio de brutal eficácia. Com 5-1 em ensaios - um deles num tratado táctico ao lançar a bola ao pé para a zona dos postes sempre vazia de defensoras - a Inglaterra mostrou-se claramente superior, podendo ainda contar com o acerto da chutadora aos postes, a 2º centro Emily Sacarrat, muito precisa e com a particularidade de um estilo próprio que, não tardará, irá ter imitadoras e imitadores pelo mundo fora.
No final do jogo e pela forma como ainda se bateram, ficam a lembrança do legado ao rugby irlandês na extraordinária vitória sobre a Nova Zelândia deixado por esta equipa feminina e a mais que meritória passagem à final da Inglaterra.
E a vitória da Irlanda sobre as Blacks Ferns é tão mais espantosa quanto foi ver a real categoria  neozelandesa na vitória (63-7) sobre o País de Gales com 11-1 em diferença de ensaios. Numa demonstração de jogo global, com mudanças constantes de ritmo e direcção, em permanente alternância de jogo-penetrante com jogo-envolvente ou jogo-ao-pé, as neozelandesas deram uma tal demonstração de categoria que a vitória da Irlanda será celebrada por muitos e bons anos. Como ainda hoje se fala da vitória do Munster sobre os All-Blacks acontecida há 36 anos (12-0 em 31/10/1978).

terça-feira, 12 de agosto de 2014

O MUNDIAL FEMININO


A defesa francesa, Caroline Ladagnous. Foto IRB 
O Mundial feminino de XV que se está a disputar em França - "J'ai deux amours, le Rugby et Paris", é o slogan - tem sido muito interessante de seguir.
Jogos de bom nível e com meia-dúzia de equipas de grande valia e com algumas jogadoras a mostrarem pormenores técnicos ou tácticos a fazer inveja a muito bom jogador.
O jogo no chão parece, qualquer que seja a equipa, pertencer ao seu domínio técnico-táctico, mostrando preocupações sobre as necessidades do movimento avançar ou da libertação rápida da bola: se a bola está lenta, se não há já qualquer avanço, sabem muito bem recorrer ao pick and go para o reiniciar. E se a velocidade do jogo é mais lenta e o jogo ao pé não tem o comprimento do jogo masculino - aqui há a mesma diferença na relação feminino/masculino que existe nos outros desportos - o confronto não perde o carácter de combate pela bola e pelo terreno. E alguns dos movimentos de fixação/envolvimento - cadrage/débordement, como dizem os franceses - quer no um-contra-um na ponta da linha de três-quartos quer na zona central, mostram-nos a vantagem que a recuperação deste gesto técnico - quantas vezes esquecido e abandonado pelo embate - representa. Pode ser que, ao vê-las, os jogadores que pretendam singrar na modalidade se entusiasmem para lhes seguir as pisadas.
Até agora a equipa mais impressionante foi o XV da Irlanda que conseguiu uma inesperada mas justa vitória sobre as tetra-campeãs mundiais, as  Black Ferns da Nova Zelândia. A capacidade de luta - um fighting spirit tão valioso quanto o dos seus companheiros masculinos - traduzida numa capacidade defensiva de grande espírito de organização e confiança colectiva, colocaram problemas suficientes para que as neozelandesas não conseguissem impor o seu jogo. E se a esta capacidade de combate colectivo juntarmos algumas variações tácticas como o recurso a diferentes "aberturas" - a 10, a 12 ou a 15 - conforme ditavam as necessidades do jogo, vemos que estamos em presença de um rugby evoluído, pensado e melhor treinado. Um saber jogar a colocar no bom caminho as que, como dizem, querem chegar ao topo.
Em mais do que uma equipa também se pode perceber a preocupação de atacar "a zona da Dez", procurando, pelo ataque a essa zona tida por ponto fraco, criar os desequilíbrios que, obrigando a equipa adversária a readaptar-se defensivamente, permitem espaços exploráveis para o ataque. E não se pense que o "apoio" é palavra vã - existe uma preocupação absoluta de seguir a líder portadora da bola com grande disponibilidade para continuar o movimento. Curiosamente - descoberta que me surpreendeu - há neste "jogar" uma particularidade feminina, uma forma de ser solidária especial que transforma os seus movimentos, o seu combate ou os seus avanços em momentos de verdadeira emoção. Dentro e fora do campo.
A Inglaterra é também uma equipa forte e com capacidades tácticas suficientes para transformar o jogo das meias-finais com a Irlanda num excelente momento de rugby.  Para além do mais têm na sua centro, Emily Scarratt, a melhor marcadora já com 43 pontos. Por outro lado o Canadá que se qualificou - de facto e numericamente foram as canadianas que "eliminaram" as neozelandesas - ao empatar com a Inglaterra, embora parecendo a mais fraca das quatro finalistas não deixará de obrigar as francesas a demonstrarem todas as suas capacidades. 
A França, a jogar em casa e sempre com grande apoio e a única equipa em prova que não sofreu qualquer ensaio, mostra-se como uma das fortes candidatas ao título mundial. Com um bloco avançado muito forte - a Nº8 é fortíssima e formidável como transportadora, conquistando metros de terreno que permitem ás suas linhas atrasadas - muito móveis e com boa capacidade para procurar a "evasão" em vez do "embate" - atacar o espaço e conquistar terreno. Mas mostraram outras novidades: contra a Austrália e num alinhamento próximo da linha de ensaio utilizaram a "leve" primeiro-centro para captar o lançamento com maior velocidade do que o habitual - pelo menor peso a ser levantado - e com a ajuda ainda da "defesa" encadear um maul que só acabou no ensaio!  Eficazmente diferente e, muito provavelmente, com mais surpresas guardadas.
Os jogos das meias-finais da próxima quarta-feira - Irlanda-Inglaterra e França-Canadá - a serem jogados no parisiense Stade Jean Bouin, merecem ser vistos. O mesmo para o jogo das Black Ferns que, embora lutando apenas pelo quinto lugar, irão mostrar a excelência do seu jogo e a sua capacidade para marcar ensaios - são neste momento a equipa melhor marcadora com 20 ensaios em três jogos. O Livestream do site da IRB transmite-os em directo e serão um bom prelúdio para o Rugby Championship que começa no sábado. 

domingo, 3 de agosto de 2014

THAT'S RUGBY MY FRIENDS

Numa permanente luta por cada centímetro de terreno, as duas equipas da final do Super XV - Waratahs (33)/Crusaders (32) - deram uma lição de bem jogar, bem combater e do entusiasmo que pode ser o rugby dentro e fora do campo. Com 4 ensaios e manutenção da incerteza do resultado até ao último segundo, o jogo do transformado estádio das Olimpíadas de Sidney representa um excelente exemplo do que é um jogo de rugby. Isto é rugby, meus amigos, foi a frase - na sua conhecida versão inglesa - que mais vezes me passou pela cabeça, lembrando-me a visão essencial do conceito: ou vivemos como uma equipa, ou morremos como indivíduos.

Aos 10 minutos os donos da casa australianos já ganhavam por 11-0; ao intervalo por 20-13; aos 49 minutos a inversão com os Saders a vencerem por 23- 20; aos 62 minutos de novo os Tahs na frente com 28-26; aos 76 minutos outra vez os neozelandeses na frente com 32-30; no minuto final os Waratahs - primeiros classificados da fase regular, recorde-se - passam definitivamente para a frente para ganhar o Super XV de 2014 por 33-32 num jogo impressionante de capacidade de utilização das bolas conquistadas por qualquer das equipas.

O jogo de rugby tem como objectivo marcar pontos - o que transforma a conquista da bola, a sua utilização e recuperação nos objectivos tácticos essenciais. Pontos que se tornam eficazes se forem servidos na sua essência pelos princípios fundamentais do jogo: avançar sempre, apoio, continuidade e pressão. A que devemos juntar os parâmetros que marcarão a diferença: velocidade, comunicação, reacção e adaptação. E foi uma impressionante panóplia de utilização destes recursos que se viu durante os oitenta minutos desta final.

E se há força muscular e dimensão física nos jogadores presentes, também pudemos perceber que a questão fundamental para garantir o avanço ou a continuidade do jogo está - como a ciência define - nas habilidades motoras de cada um. E se o físico puro e duro ajuda é a capacidade de antecipar a realização do gesto que faz a diferença.

Ser capaz de decidir e executar no metro de distância ao adversário é a chave para bater defesas cada vez mais organizadas: decidir a distância demasiada - cedo de mais - significa optar por uma solução que já não servirá por ultrapassada pelos movimentos defensivos; decidir no tempo e distância justa é garantir que o movimento tem continuidade e que é possível manter a pressão atacante sobre a defesa, levando-a a abrir os espaços necessários ao avanço do ataque. 

O início dos Tahs foi impressionante: rapidez de conquista, rapidez de passe, mais rápidos e em maior número no chão para garantir a velocidade da sequência, ataques de jogadores lançados aos intervalos defensivos dos Crusaders e a exploração do ponto fraco que se revelou no ponta neozelandês Nadolo. E ganhou também na permanente conquista de terreno indiferentes à posse da bola: evitar dobras defensivas e impedir a formação do apoio atacante foram palavras-de-ordem no campo australiano. E foi no chão que esteve - com 111 favoráveis contra 42 - a chave da vitória ao permitir a pressão da continuidade da posse da bola - 67% contra 33% - traduzido em quase mais 200 metros de terreno em transporte de bola - até estabelecer o domínio sobre o adversário e conseguir ou a ultrapassagem da linha defensiva ou a falta. 

E mesmo assim, os Saders defenderam muito: 176 placagens (21 falhadas) contra 64 (22 falhadas) dos australianos. Mas perderam-se na geografia das faltas: das 10 faltas concedidas, 8 possibilitaram pontapés-aos-postes, sendo 7 convertidas, enquanto que os Tahs, apesar de terem cometido 13 faltas, só fizeram 6 em zona de conversão. E num jogo acabado com 1 ponto de diferença... foi aliás uma falta no último minuto - em grave desconcentração do experimentadíssimo McCaw que, como disse, "se colocou a jeito" (embora seja impossível penalizá-lo por fora-de-jogo por ter sido o placador) - que garantiu a vitória aos Waratahs - "à primeira vista julguei que a bola tinha passado por baixo da barra", contou o capitão vencedor, Michael Hooper.

De facto, qualquer que fosse o lado para o qual a vitória caísse, o vencedor seria justo. Se os Waratahs entraram fortíssimos e conseguiram uma importante diferença no resultado, a reacção dos Crusaders foi de se lhes tirar o chapéu. E a dimensão do jogo que ambas as equipas produziram foi notável, quer em termos de combate, quer em termos do esforço de utilização eficaz das bolas disponíveis. Quantas vezes ultrapassando o limite do risco.

Dois pontos negativos num jogo de elevado nível, repito, e que vale a pena telerever. O primeiro, diz respeito à influência que teve no resultado o substituto de Andrew Ellis, Will Heinz, que cometeu o terrível erro de jogar ao pé, entregando a bola ao adversário, em cima do final do jogo e quando a estratégia recomendava manter a posse - pelas mesmas más razões Portugal deixou, em Santiago de Compostela, a Espanha empatar o jogo em cima da hora e ganhá-lo em Lisboa - proporcionando-lhe posicionar-se no campo para conseguir a falta que lhe deu a vitória. O outro ponto negativo, este de ordem mais geral, foi a evidência de que, com as novas leis, a formação-ordenada favorece o infractor: para além do esforço dispendido num combate de 7 contra 8, a bola conquistada é jogada com os atacantes sobre o pé-de-trás. E tudo isto por causa daquela invenção da autorização imposta pelo árbitro francês, Joel Jütge, chefe da arbitragem da IRB. E se isto não muda, a plataforma de ataque que concentra jogadores e abre intervalos, foi-se... diminuindo a capacidade de ataque das equipas e retirando cada vez mais a possibilidade de expressão atacante que esta final ainda nos pôde mostrar.

segunda-feira, 21 de julho de 2014

O QUE O FUTEBOL NUNCA PERCEBEU DO RUGBY

Acabou o campeonato do mundo de futebol acertado com o conhecido presságio do único futebolista que nunca recebeu um cartão amarelo ou vermelho, Gary Lineker: onze de cada lado e no fim ganha a Alemanha. Mas desta vez não pelo poder físico mas pela transformação de uma escola que levou anos de trabalho e onde a "habilidade motora" prevaleceu sobre os outros factores de escolha e trabalho.
Foi um bom campeonato, com excelentes jogos e com emoção quanto baste. Factor de desilusão apenas o desastre português com uma equipa mal preparada - dizendo o mínimo - para o nível exigível.     
De mau no campeonato, o habitual no futebol: faltas intencionais e simulações sem vergonha.
A estória vem de trás. Na passagem do futebol a profissional veio de Inglaterra um conceito que, embora classista, salta à evidência: "the professional foul". Como parece óbvio este conceito resultou do facto da separação de classes que transformaram o futebol - e o rugby, também, mas neste caso surgiu uma nova modalidade, o Rugby de XIII -  quando passou a profissional. Não passando, como estabelece a tradição, pela cabeça da aristocracia britânica  - com os seus sportsmen plenos de fairplay - cometer atentados à ética desportiva, a sua desconfiança pela classe trabalhadora fazia-os acompanhar com desconfiança a ética do desporto profissional.
Professional foul, falta premeditada ou intencional foi o resultado, diziam, do jogo onde o dinheiro prevalece.
E neste Mundial vimos muitas - demasiadas! - faltas intencionais. Pior, com comentadores a valorizá-las, numa absoluta falta de respeito pelo trabalho do adversário e pelos interesses do espectáculo, como necessárias e inteligentes! As exigências do desporto, permitindo a falta enquanto erro involuntário, não devem permitir o prejuízo premeditado. 
Qualquer código de ética desportiva - mesmo o nosso que não somos nenhuma potência de cultura desportiva - considera a falta intencional como uma violação grave das normas do desportivismo que deve estar presente numa competição desportiva.    
À falta intencional, o futebol responde com livre e cartão amarelo - um faz de conta que, depois de somado tantas vezes, retira o jogador de um jogo contra outro adversário. Quer dizer, o ofendido não retira qualquer vantagem e a falta intencional - aquela que propositadamente destrói em falta a hipótese de ataque do adversário - castiga-se fora do espaço e do tempo do prejuízo. Faz isto sentido?
O rugby resolveu este problema de forma inteligente: falta intencional, cartão amarelo e dez minutos de suspensão. Ou seja o prejuízo intencionalmente provocado é castigado no próprio jogo com vantagem evidente: durante dez minutos o não infractor tem direito a superioridade numérica.
Também a interpretação que se faz no futebol da lei da vantagem não me parece que seja um primor de ética desportiva: falta, jogador pelo chão e sem poder contar como elemento da sua equipa; a bola por artes de qualquer coisa vai ter a um companheiro de equipa do derrubado, o jogo continua, a bola perde-se os faltosos ficam com a posse da bola em óbvia vantagem do infractor. No rugby é diferente: a aplicação da lei da vantagem pressupõe que a equipa prejudicada tem uma vantagem táctica que lhe pode trazer benefícios - e caso isso não aconteça, o árbitro volta ao local da falta inicial. 
Ou seja: a falta no rugby e ao contrário do futebol, não compensa!      
Para juntar a esta concepção ética do jogo, o rugby usa ainda - como acontece também noutros desportos para tentar evitar tanto quanto é possível os erros de julgamento - o recurso à televisão. Teimosamente o futebol não quer saber e o fora-de-jogo - que a ciência afirma da dificuldade humana de controlo absoluto - continua na dependência da interpretação do trio de arbitragem. Como vimos neste Mundial de futebol, erros não faltaram - e os resultados nem sempre foram o que deveriam ter sido.
O rugby, sendo de grande complexidade de análise, procura meios que o mantenham nos limites da ética desportiva, fazendo jus ao dito de ser um jogo de insurretos jogado por cavalheiros. Não quererá o futebol aprender e juntar-se? Os que gostam do jogo, agradecem.   

sábado, 5 de julho de 2014

DESEMPATES

Em Moscovo, na 2ª etapa do Sevens Grand Prix 2014, foi necessário, para classificar as equipas para a fase a eliminar, utilizar as regras de desempate. De acordo com os regulamentos do torneio as regras de desempate impõem que, caso sejam duas as equipas empatadas em pontos de classificação, ficará à frente a equipa que tenha vencido o jogo entre ambas. Para o caso de existirem três ou mais equipas empatadas o critério de desempate coloca-se na melhor diferença de pontos de jogo marcados e sofridos.
Para os dois lugares de "melhores terceiros" havia seis equipas, todas elas com 5 pontos de classificação: a França, no Grupo A e com 21pontos negativos de jogo; no Grupo B, Portugal com o mesmo número de pontos de jogo marcados e sofridos, a Bélgica com 8 pontos negativos de jogo e a Alemanha com 22 pontos negativos de jogo; no Grupo C, a Espanha com 5 pontos negativos de jogo e a Itália com 31 pontos negativos de jogo.
Enquanto a França esperava pela classificação dos outros grupos para saber da sua sequência competitiva, no Grupo B, o critério da diferença de pontos marcados e sofridos determinava a ordem decrescente de Portugal em 2º, Bélgica em 3º e Alemanha em 4º - mesmo que Portugal tenha sido derrotado (14-7) pela Bélgica que, por sua vez, foi derrotada (19-7) pela Alemanha. No Grupo C, como estavam apenas empatadas duas equipas, verificou-se o resultado do jogo entre as equipas empatadas e como a Itália tinha vencido (14-7) a Espanha, ficou classificada em terceiro lugar enquanto que a melhor diferença espanhola de marcados e sofridos não lhes valeu mais do que um último lugar. O fecho do agrupamento para os quartos-de-final, de acordo com as regras estabelecidas, decidiu-se pela França e Bélgica, juntando-se a Itália à Espanha na disputa da taça dos últimos.
Justo?!
Na aparência, parece. Mas é ilusão. Não me parece justo nem tão pouco desportivamente interessante. Vejamos.
A Espanha com os mesmos pontos dos terceiros mas com a melhor diferença de pontos de jogo marcados e sofridos de todos eles, teria, com as regras aplicadas ao grupo de Portugal, sido qualificada em detrimento da França que ficaria limitada a lutar pela Bowl. Argumentar-se-á que, tratando-se de duas equipas, o mais justo será classificar primeiro a equipa que venceu o jogo entre as empatadas. Será?!
Em grupos reduzidos como se verifica quer nos sevens quer nos campeonatos mundiais ou internacionais para que haja um empate entre duas equipas é preciso que a derrotada ganhe jogos, muito provavelmente a equipas que derrotaram a que a venceu. Foi o que aconteceu no Grupo C de Moscovo: se a Itália venceu a Espanha, a Espanha venceu (19-14) Gales que venceu largamente a Itália com um contundente 26-0. Ou seja a vitória ou derrota no jogo entre espanhóis e italianos não define nenhuma qualidade especial. Aliás este critério pode até, em grupos com maior número de equipas concorrentes, levar ao absurdo de reduzir a luta pelo último lugar aos dois jogos entre os últimos classificados de um campeonato para saber quem descerá de divisão.
O mesmo não se passa com a diferença entre pontos marcados e sofridos que fornece uma ideia da capacidade global de cada equipa, tornando-se assim num sistema mais justo de desempate - jogando contra as mesmas equipas uma diferença positiva de pontos marcados e sofridos terá de significar qualquer coisa de mais positivo do que uma diferença negativa, classificando um mérito mais alargado como se pretende para a classificação de grupos. Até porque, se as derrotas ou vitórias apenas estabelecem uma pontuação que é indiferente aos valores do resultado, a diferença marcados/sofridos diz qualquer coisa sobre o jogo e a valia das equipas (por isso perguntámos: perdeu? por quantos?). Até porque o sistema que privilegia o resultado do jogo entre os empatados cria um problema de competitividade: equipa da zona da luta pelo apuramento que seja derrotada não tem hipóteses de se continuar a bater pela melhor posição - em caso de empate fica sempre atrás.
Pelo contrário, utilizando a diferença de pontos marcados e sofridos qualquer equipa, em caso de derrota e se conseguir os mesmos pontos de classificação, tem hipóteses de conseguir ultrapassar a adversária desde que consiga marcar muito e sofrer pouco. Ou seja a utilização deste critério, para além de mostrar a consistência de uma equipa, aumenta o interesse competitivo.
Para além destes argumentos há ainda, ao garantir o mesmo critério prioritário de desempate para todas as situações, a facilidade de percepção do sistema pelos adeptos. O que não é despiciendo. 
Se assim é, se as vantagens parecem evidentes, porque não é utilizado para qualquer situação a diferença de pontos marcados e sofridos como critério prioritário de desempate? Por mera habituação?      




terça-feira, 17 de junho de 2014

AS MENINAS DO RUGBY PORTUGUÊS


Brive, 2014 - Foto de Carlos Febrero
O sexto lugar no Europeu feminino de Sevens da equipa de Portugal, depois de duas etapas com classificação de quarto e sexto, é um excelente resultado. Mais ainda se pensarmos o que significa uma sexta posição num universo competitivo de 36 países europeus conseguido por uma equipa de um país competitivamente pouco brilhante em modalidades colectivas em geral e muito menos ainda no particular do desporto feminino colectivo. Ou seja: as meninas do rugby português demonstraram capacidades comparativas notáveis no deserto do sistema desportivo onde vivem e onde o feminino não corresponde ao conceito de Igualdade de Género.
E, é sempre bom lembrá-lo, neste campeonato europeu para além da França e de três das quatro equipas britânicas - a Escócia joga na segunda divisão europeia -  onde por razões culturais qualquer mulher conhece o jogo de rugby desde que nasceu, competem países que, embora periféricos ao centro cultural da modalidade, têm um desporto feminino suficientemente desenvolvido para apresentarem as mais diversas equipas nos Jogos Olímpicos.
Conseguiram ainda um feito importante: subiram três lugares da época passada para esta!
Mais interessante ainda são as qualidades, técnicas e tácticas, demonstradas nos jogos de Moscovo e de Brive. E que proporcionaram saborosas vitórias como com a França - vencedora da etapa em Brive - a Irlanda, a Itália ou a Bélgica. E derrotas sem desistência da luta, dignas, sem entrega.
As meninas do rugby português mostraram uma característica essencial para o seu progresso e para que valha a pena apostar nelas: paixão. De facto em cada momento, com ou sem bola, percebia-se o gozo de estar ali, de estar a jogar. Em cada placagem percebia-se a preocupação de recuperação da bola; em cada utilização da bola percebia-se a preocupação de verticalização de linhas-de-corrida para atacar intervalos; em cada transporte de bola percebia-se a confiança no apoio companheiro que chegaria no tempo justo. Risco, confiança, determinação.
Falhas? Claro, porque se não as houvesse os resultados seriam - óbvio! - ainda melhores.
O primeiro problema tem a ver com a dificuldade de encontrar jogadoras com rapidez comparável ás adversárias - faça-se a comparação com os recordes femininos de 100, 200 ou 400 metros planos para perceber a dificuldade - o que exige jogar de forma mais próxima com mais dobras e mais movimento e, portanto, um pouco fora do conceito generalizado - preocupação maior das equipas profissionais (as únicas) da Rússia e da Holanda - de seis a abrirem caminho para a sprinter. E com uma maior necessidade de prolongar cada fase. Movimento, disponibilidade, velocidade de bola e resistência.
E no dia em que a qualidade do passe, a sua rapidez e precisão, melhorarem o suficiente para que a subida da defesa seja mais problemática para quem pressiona do que para quem usa a bola, a capacidade já demonstrada de atacar intervalos tornar-se-á uma terrível arma de ataque. Passes justos, dobras e alteração de ângulos das linhas de corrida podem caracterizar o jogo desta equipa se lhe for dada a oportunidade de treinar capazmente.
Se a falta de jogadoras com a rapidez que permita estabelecer a diferença após cada manobra de criação de espaço é um problema, a falta de competitividade das competições internas torna as dificuldades maiores uma vez que não permite a adaptação às formas mais adequadas para a eficácia internacional. 
E talvez por essa falta de competitividade interna é que as jogadoras cometem faltas em demasia - o grande ponto negativo da prestação nestes dois fins-de-semana - perdendo bola e terreno e sendo, muitas vezes, obrigadas a esforços suplementares, demasiados e desnecessários.
Mas as meninas - e sou, orgulhosamente, padrinho desportivo de duas delas - proporcionaram belíssimos momentos de rugby - quem viu, pela qualidade e pelo desplante e para lembrar um exemplo, não esquecerá o pontapé-de-ressalto da Daniela Correia, a Deolinda, de 28/30 metros com que Portugal venceu a França por 8-7. Ou a vontade com que perseguiam bolas ou adversárias. Ou a inteligência como ganhavam tempo nos alinhamentos que provocavam. 
Ou como placavam. Ou como se apoiavam para criar um colectivo superior à mera soma de cada uma delas.
As meninas do rugby português estão de parabéns e merecem que se encontrem condições que lhes possam proporcionar o desenvolvimento necessário para que se apresentem - daqui a um ano - no seu limite de capacidades no Europeu de 2015 onde se jogarão as qualificações para os Jogos Olímpicos do Rio 2016. A base existe e vale a pena.

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