sábado, 22 de novembro de 2014

UM JOGO DE SUPERAÇÃO

O jogo de hoje entre Portugal e Namíbia não vai ser fácil. Duas equipas praticamente empatadas no World Rankings e separadas por uma diferença de apenas 1,38 pontos - Namíbia no 22º lugar com 59,11pontos e Portugal no 23º com 57,73 pontos. Proximidade que, sendo Portugal o vencedor, irá permitir a troca de lugares no ranking - caso contrário, Portugal, descerá uma posição, trocando com a Koreia.
Mas este jogo que se mostra equilibrado na aparência dos números foi desequilibrado pela IRB - agora World Rugby - que proporcionou já três jogos à Namíbia - vitória (58-20) sobre a Alemanha e derrotas com o Canadá (17-13) e Barbarians Français (35-14) - enquanto que Portugal fez o seu último jogo internacional a meio de Março passado. E esta diferença mostrar-se-á em campo com uma maior capacidade de ritmo por parte dos africanos. Que os portugueses terão que igualar, habituados apenas ao ritmo do campeonato interno - e sabe-se, todos os países o sabem e por isso as diversas competições de nível intermédio, quão diferente é o ritmo exigível no nível internacional. Quer isto dizer que, por esta diferença de ritmo, Portugal vai, inevitavelmente, perder? Não!
Mas quer dizer que os jogadores da equipa portuguesa têm que entrar para o campo disponíveis para serem uns pelos outros em mais ocasiões e mais tempo do que quando tudo parte do mesmo pé competitivo. Um esforço físico e mental superior mas, apostamos, compensador.
Gosto muito de um conceito de um reconhecido treinador americano, Dean Smith, que assim definia para os seus jogadores o plano em que deviam jogar: play hard, play together, play smart. Que, traduzido para o domínio do rugby, se traduz assim: joguem duro, impondo-se ao adversário seja qual for a zona do terreno e qualquer que seja a situação que este jogo colectivo de combate vos obrigue, nunca desistindo; joguem juntos, sem resguardo e cobrindo-se e defendendo-se uns aos outros, eliminando e transformando erros e sendo de tal maneira solidários que a totalidade da equipa possa ser superior à soma das capacidades dos seus jogadores; joguem de forma inteligente, detectando desequilíbrios e fraquezas para surpreender os pontos fracos do adversário e impôr os pontos fortes, descobrindo, em cada avanço, em cada conquista, a oportunidade de chegar aos pontos. É este jogar duro, juntos e de forma inteligente que se pede aos jogadores portugueses desde o primeiro apito do árbitro argentino Federico Anselmi.
Ao contrário do que se possa pensar, Portugal não se apresenta em inferioridade física perante os namibianos. A diferença, com vantagem de 22 Kgs para a Namíbia, do bloco de avançados é irrelevante - a capacidade técnica introduzida pela Força 8 será factor favorável aos portugueses - e a altura média do Alinhamento é equivalente - 2 cm favorável aos portugueses com peso óbvio dos 2,02 metros de Gonçalo Uva. O que significa que a conquista se traduzirá num normal equilíbrio entre as duas equipas, significando que Portugal terá a posse do número de bolas suficiente para uso eficaz. 
Neste quadro, pode dizer-se que será a atitude dos jogadores de cada equipa que ditará o resultado final do jogo. O que faz do factor casa um elemento essencial para levar a selecção portuguesa à vitória.
Das bancadas espera-se, portanto, um apoio que faça, seja qual for a situação, os jogadores acreditarem que são capazes, que é possível, pela simples razão que os seus apoiantes, os seus fãs, assim acreditam. 
Pena é que haja jogos das provas internas em zona próxima do jogo internacional marcados para a mesma hora. O que impedirá a presença considerável de jogadores, treinadores e árbitros.
Um jogo internacional é - deve ser - para uma modalidade desportiva o máximo ponto de encontro dos amantes da modalidade. O rugby português não foge - não pode fugir - à regra. A presença na bancada dos companheiros de equipa de quem está no campo a defender a camisola portuguesa é reconfortante, pode ser inspiradora e ser ainda um factor de superação. O seu apoio, se mantém a mística do jogar por uma selecção nacional, dá ao jogo a escala, dimensionando-a, das capacidades habituais pelas quais se foi seleccionado - e que se traduz no conforto de uma piscadela de olho, de uma palmada nas costas, da demonstração de confiança antes do começo do combate.
Por outro lado a não presença nas bancadas dos companheiros - por decisão dos dirigentes dos clubes pela sua responsabilidade na marcação horária dos jogos - representa uma criticável atitude de secundarização do jogo internacional. Não sendo uma atitude concordante com a missão das federações desportivas - em que a competição internacional é uma das suas principais razões de existência actual - esta atitude de marcação de jogos em, praticamente, sobreposição com jogo internacional é, obviamente, um erro na perspectiva da valorização dos seus próprios jogadores. Saber e ver que um companheiro com quem se joga e treina todos os dias atingiu o nível máximo que um atleta ambiciona - jogar pela selecção portuguesa - mostra que o sonho é possível. E esta consciência traduzir-se-á numa maior adesão ao treino e à superação, numa melhoria da prestação desportiva e, portanto, numa vantagem para o clube.
Ignorar as vantagens da adesão aos jogos internacionais como ponto de encontro maior dos amantes da modalidade, é um erro que pode fazer o rugby português pagar cara factura. Por sobreposição dos valores de uma prática desportiva de lazer aos valores do desporto de rendimento.

quinta-feira, 20 de novembro de 2014

LEIS DE JOGO E INTERPRETAÇÕES


Num dos últimos programas televisivos Total Rugby que vi, dois dos melhores árbitros mundiais, Owen e Joubert, apareceram a explicar os resultados da conferência internacional de árbitros em que tinham participado. No final, para uma reunião que, julgo, teria como objectivo estabelecer equilíbrios e coerências nas diversas interpretações, fiquei com a sensação que, um e outro, voltavam para casa com visões diferentes. E a menos de um ano do Mundial a falta de uniformidade não garante nada de bom.

Com 22 Leis de Jogo - e nem todas elas suficientemente claras e independentes da interpretação das altas esferas, o rugby não é fácil de arbitrar, deixando muitas vezes em espectadores - e também em jogadores e treinadores - enormes dúvidas sobre o acerto da decisão, nomeadamente no jogo no chão e nas formações ordenadas. Tratando-se de um jogo colectivo de combate não se pode esperar que os jogadores não lutem pela conquista de terreno e da bola e, se cada árbitro tiver o seu critério, ninguém se entende.

Há uma regra fundamental a cumprir nos jogos desportivos: são as equipas e os seus jogadores que devem fazer o resultado, não o árbitro! Infelizmente o rugby não tem dado ao princípio o devido valor. 

Ou porque, como denunciou Kaplan (um dos árbitros mais internacionais, agora retirado), os árbitros inventam interpretações - um péssimo exemplo da invenção foi a exigência da voz para a introdução da bola na formação ordenada bem como a invenção do placador assistente do qual não se encontra definição em lado algum - ou ainda porque as associações regionais internacionais criam as suas próprias interpretações que impõem aos seus árbitros. 

E o resultado não é o melhor: os treinadores ficam sem saber que indicações devem seguir nos seus treinos e os jogadores não sabem como devem agir para não serem penalizados.

Há dias e quase em simultâneo em Portugal e em Inglaterra dois Nº8 e numa formação ordenada que avançava prenderam a bola com os pés e, saltando, levaram-na a ultrapassar a linha de ensaio para fazerem o toque de meta. Polémica num e noutro país. Feitas as devidas perguntas a quem de direito - IRB e Rugby Europe - duas respostas diferentes. Da IRB: ensaio válido e com uso de uma técnica que consideraram muito interessante. Da Rugby Europe: falta, a bola não pode ser presa com os pés. Cada um com a sua e embora nas Leis do Jogo se refira apenas (alínea b) da Lei 20.9) que a bola, na formação ordenada, não pode ser segura pelas pernas, é minha interpretação - para além da inestética dos saltos de canguru - que e seja qual fôr a situação, a bola só pode ser presa com as mãos e nunca com os pés que apenas a podem conduzir ou chutar. Mas isto, a minha opinião, é apenas um pormenor, na necessidade que seja definida uma norma comum a todos os intervenientes no jogo. E que, quando houver alterações elas sejam imediatamente conhecidas por todos sem divisões de importância.

O jogo é complexo e difícil de dominar na sua totalidade para além da clara noção que toda a gente tem que a bola não pode ser passada para a frente. As Leis do Jogo, a forma como estão escritas e a forma como se considera a possibilidade de novas interpretações a que treinadores e jogadores internacionalmente menos qualificados quase só têm acesso quando são confrontados com elas em campo, desclassifica o jogo. E nem a propaganda sobre o vídeo-árbitro que começou, pesem embora os diversos avisos, a estender-se a um ponto tal que os realizadores de televisão já se sentem autorizados a impôr a sua visão do jogo, serve para cobrir as enormes dificuldades que se estão a criar para uma compreensão global que possa ultrapassar o domínio cultural inicial do jogo. O livro das Leis de Jogo não parece ser o mesmo para todos e até o treinador dos All Blacks, Steve Hansen, já o disse publicamente: o livro das leis deveria ser rasgado e reescrito numa linguagem que todos possam entender. No entanto são as Leis do Jogo que fazem a linguagem comum para que gente diferente possa entender-se no mesmo jogo - o que define a vital importância de não haver interpretações diversas.

Quando frequentei, recentemente, o Curso de Sevens da IRB realizado em Lisboa percebi, pela explicação sobre a aplicação das Leis do Jogo dada pelo árbitro internacional Paulo Duarte - ainda recentemente arbitrou a final de uma das etapas do Campeonato da Europa de Sevens - que a arbitragem e a interpretação das situações depende do organizador responsável do torneio ou campeonato - IRB ou organismos internacionais regionais. Foram dados diversos exemplos de diferentes interpretações para a mesma situação - e nós, referiu, temos que apitar como eles exigem. Claro! e é se querem continuar uma carreira internacional... E o problema é este: os mesmos jogadores têm que ter atenções diferentes se estão a jogar o Campeonato da Europa ou o World Rugby Series da IRB e o entendimento sobre a mesma situação pode ir, como se analisou, até esta diferença: não é falta ou aqui é assim, falta e cartão amarelo! O que, no mínimo, representa uma falta de respeito pelos actores principais, por aqueles que fazem verdadeiramente o jogo: os jogadores.

Tentar globalizar o jogo, tentar que às dez/doze melhores equipas mundiais se juntem com igual capacidade competitiva as outras oito/seis que uma recente classificação, juntando os países que anteriormente constituíam o Tiers 1 e 2, considera o escalão de alto rendimento da IRB, não terá êxito sem que as Leis do Jogo possam ser identicamente interpretadas e utilizadas. Com a cega estratégia de marketing colocada acima de tudo o resto, tenho dúvidas que haja atenção devida para que o desenvolvimento possa vir a ser globalmente equilibrado.

No fundo, prejudicados são sempre os pequenotes: as grandes equipas têm possibilidades de ter ficheiros completos sobre as características ou manias de cada árbitro que vão apanhando no grande circo internacional e têm a possibilidade de treinar as adaptações necessárias; as equipas - como Portugal - apanham árbitros de que pouco ou nada sabem e passam metade da 1ª parte a tentar adaptar-se com os prejuízos, quer para o jogo, quer para o resultado, daí decorrentes. E é mais fácil do que parece resolver o problema, basta que haja liderança. 

Resta-nos a esperança que, à mudança do nome - de IRB para World Rugby - corresponda uma mudança de atitude.

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