quarta-feira, 12 de setembro de 2018

EXIGE-SE PERSPECTIVA ESTRATÉGICA

Num fim-de-semana desenhado para passar o tempo com os olhos nos ecrãs ora da televisão, ora do computador, foi possível ver o rugby dos jogos da Championship Nova Zelândia-Argentina (46-24) e Austrália-África do Sul (23-18) - os jogos de Portugal no Europeu de Sevens a procurar uma classificação para o apuramento da World Series de Hong-Kong, o jogo de Portugal para o 3º lugar, Medalha de Bronze, do World Rugby U20 Trophy - Mundial B - ou a final do mesmo torneio entre Fidji e Samoa e arbitrada pelo nosso Paulo Duarte. A que se juntava ainda a chegada ciclista aos 1100 metros de Lagos de Covadonga da 15ª etapa da Vuelta 2018 ou as duas finais tenísticas do US Open e que me relembraram o tempo, num resquício dos entendimentos da aristocracia inglesa, em que, no rugby, os treinadores não podiam contactar com os jogadores ao intervalo.
O jogo mostrado pelos AllBlacks — que utilizou sete jogadores diferentes do jogo anterior —mostrou à evidência a qualidade da formação e da competição interna dos neozelandeses. Sob a formação vale a pena lembrar que o desenvolvimento da técnica individual dos brasileiros que, durante anos espantou o mundo do futebol, se fazia com base em dois pontos: liberdade e divertimento possibilitado pelos jogos de rua de equipas e campo reduzido - o hoje dito futsal. Não é assim por acaso que a primeira etapa do programa Long Term Athlete Development (LTAD em que os irlandeses substituíram o A pelo P de “player” para um LTPD, mostrando a sua preocupação pela aplicação do programa às modalidades colectivas) se designa por FUNdamental, apontando para a sua essência de divertimento contra o exagero de grelhas controladoras e imposições de cartilha.
E é essa noção de divertimento organizado com objectivos controlados e com liberdade de experiência quer na tomada de decisão quer no uso da bola a que se juntam noções tácticas individuais e colectivas – a posse da bola tem como objectivos marcar ensaios! ou a equipa está primeiro! – onde a repetição individual muito elevada dos gestos técnicos  leva à facilidade de execução e à capacidade conjunta de leitura simultânea, transformando o espaço do jogo – como se diz do futsal brasileiro – num laboratório do improviso mas aproveitado para desenvolver o culto da camisola que se pretende deixar sempre em melhor posição. Ou seja, não é o talento individual da sorte de meia-dúzia mas o sistema de formação que fazem dos AllBlacks a melhor equipa do mundo. E nós portugueses deveríamos olhar para a formação rugbística dos antípodas com outra atenção e uso. Procurando copiar-lhe o modelo e o processo.
Também com sete jogadores diferentes dos utilizados na última etapa de Exeter a equipa nacional de Sevens – agora comandada pelo experimentado antigo jogador e anterior Director de Equipa, Diogo Mateus – conseguiu a melhor classificação da época, obtendo um terceiro lugar com vitórias sobre a Inglaterra e a França mas não conseguindo ultrapassar o adversário principal Alemanha. No entanto a equipa jogou de forma muito interessante, abandonando o cómodo movimento da bola de um lado ao outro para, procurando ultrapassar a linha de vantagem como de forma a libertar o espaço exterior e conseguir vantagem numérica, atacar os intervalos da defesa adversária – alguns dos ensaios foram de grande qualidade quer pelo jogo de passes permitido pela disponibilidade do apoio em tempo, direcção e linhas de corrida, quer pela leitura eficaz dos pontos fracos da organização defensiva adversária. 

QPM - Quota de pontos marcados- Percentagem dos pontos marcados sobre a totalidade de pontos marcados e sofridos
Esta equipa de Sevens mostrou que, havendo interesse e organização capaz, é possível colocá-la de novo em posição competitiva que possa permitir o retorno à World Series e olhar para a classificação olímpica de uma forma minimamente realista.
O terceiro lugar dos U20 na versão B do Mundial da categoria etária é um excelente resultado. E melhor resultado é se consideramos o jogo conseguido na maioria do encontro contra a Namíbia. E também aqui – coisa pouco vista quer nos jogos internos, quer noutras selecções portuguesas – a equipa tinha, na sua organização atacante, a preocupação permanente de atacar a linha de vantagem, reduzindo a largura e a profundidade da linha de defesa e conseguindo os intervalos de penetração necessários para a obtenção dos 11 ensaios para um resultado final de 67-36. A coesão da equipa, demonstrada na sua capacidade defensiva, permitiu a necessária confiança ao correr de riscos que dominou o movimento atacante da bola. Interessante de ver e eficaz na construção dos resultados. 
Principalmente o que esta equipa U20 – na sequência de outras equipas de Luis Piçarra – nos vem mostrar é que temos qualidade competitiva enquanto jovens. O que significa que a distância competitiva a que, na equipa principal, nos encontramos é motivada pela má organização e competitividade internas e ainda pela despreocupação sobre a importância dos resultados internacionais. Ora estes resultados vêm exigir à comunidade rugbística portuguesa que se mostre capaz de se integrar na lógica do desporto de rendimento, sabendo separar águas e não misturando mais interesses e propósitos distintos. No Desporto os resultados contam e são base da expansão, do interesse e da notoriedade. Aquilo de que o rugby português precisa para garantir a sua afirmação internacional.
Destas duas participações portuguesas em Sevens e Quinze, uma estranheza, dado, principalmente a importância relativa das duas provas: António Aguilar tido como treinador principal da selecção portuguesa de Sevens deslocou-se com o quinze dos U20 para a Roménia, ficando a equipa de Sevens, na Polónia, entregue ao anterior Director de Equipa, Diogo Mateus. E a estranheza resulta do facto da evidente prioridade dos Sevens — modalidade olímpica e que exige, por razões de adaptação competitiva, a presença de novo de Portugal na World Series —sobre a participação dos U20 no Mundial B onde a procura de um 1º lugar que permitisse o acesso ao WR U20 Championship se mostrava naturalmente de enorme dificuldade e sem maiores consequências imediatas para o futuro do rugby português. Não estando em causa a competência de Diogo Mateus – experiente antigo internacional com 75 internacionalizações em “quinze” e diversas em “sevens” e treinador qualificado de 3° grau e com enorme experiência no mundo competitivo dos Sevens enquanto Director de Equipa da selecção portuguesa – não se percebe a inexistência de uma explicação oficial das razões da mudança. Porque as exigências e responsabilidades da competição internacional não se compadecem com decisões voluntaristas. Tão pouco a organização que se exige a uma federação desportiva.
A final do Trophy entre Fiji e Samoa – vitória dos fijianos por 58-8  – teve como árbitro o internacional português Paulo Duarte que teve uma excelente prestação. Foi exigente, sereno, atento, focado, amigável e possibilitou aos jogadores presentes o clima ideal para a sua expressão rugbística. Num importante momento da sua carreira, Paulo Duarte que faz parte do grupo de árbitros sob observação para participarem nos Sevens dos Jogos Olímpicos do Japão, marcou pontos ao não deixar, agora no Quinze, os seus créditos por mãos alheias e demonstrando a necessária confiança e capacidade que distingue um árbitro de nível internacional.

Este Trophy foi jogado com a aplicação de uma regra experimental na placagem que só permitia o contacto entre adversários abaixo da linha do peito. Das impressões que obtive o resultado não foi brilhante e não possibilitou a análise pretendida uma vez que o pouco tempo entre a decisão e a sua aplicação não terá permitido, quer a árbitros quer a jogadores ou treinadores, a adaptação necessária. E assim a tentativa de solucionar o grave problema do aumento das concussões pelo choque na zona das cabeças, ficou-se por uma enorme subjectividade de decisões sem a homogeneidade que se exige na competição desportiva.
Pode dizer-se que neste fim-de-semana o rugby português mostrou perspectivas de qualidade interessantes. Resta saber como o trataremos a partir daqui e qual a estratégia que pretendemos aplicar para garantir que o seu desenvolvimento se faz com o propósito de atingir o objectivo de resultados internacionais futuros consequentes com o melhor historial da modalidade.

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