segunda-feira, 20 de outubro de 2014

QUEREM GANHAR? ATAQUEM!

Excelente jogo este entre a Austrália e a Nova Zelândia. Excelente para ver como espectáculo e excelente para - desde que se queira - aprender.
Embora num jogo que não contava para mais do que o prestígio e para pontos no ranking - isto é, não havia nem pontos nem sequer a Bledisloe Cup em disputa - os jogadores deram uma óptima demonstração do verdadeiro espírito do jogo: um combate pelo terreno, pela bola e pelos pontos durante a totalidade dos oitenta minutos de duração do jogo. E a primeira lição vem daqui: nenhum jogo está perdido até que o árbitro apite o seu final. Os All-Blacks acreditam que assim é e procuram a vitória até ela não ser mais possível. Como colocou em título de livro o seu antigo capitão Sean Fitzpatrick: Winning matters.
A segunda lição: a bola é para jogar. Pouco importa a vantagem da posse da bola se a equipa não fôr capaz de a utilizar eficazmente. A estória de se dar conta das inúmeras sequências conseguidas por uma equipa sem conseguir marcar pontos não qualifica uma qualidade e só tem um significado: incapacidade atacante perante a qualidade de uma defesa. E isso significa, na maior parte dos casos, que a equipa na posse da bola nunca conseguiu criar - por isto ou aquilo e em qualidades que devemos atribuir à equipa defensora - os desequilíbrios necessários e não conseguira montar os apoios capazes de permitir jogar entre-linhas e ultrapassar a barreira defensiva para atingir a área de ensaio. E foi destas preocupações que o jogo nos falou: de usar a bola, atacar a linha de vantagem e criar os apoios capazes de permitir a continuidade. 
A terceira lição foi sobre a continuidade. Um dos princípios fundamentais do jogo, a continuidade é essencial ao jogo mas, demasiadas vezes e apesar dos avisos constantes de Pierre Villepreux na construção do seu jogo de movimento, confundida com manutenção da posse da bola. A continuidade de que falámos no jogo deve ser entendida como continuidade do movimento, evitando paragens que permitam a reorganização defensiva e para que esse objectivo do movimento - num jogo de avanço e entrega permanentes da bola - seja uma constante é preciso por um lado, que se ataque os intervalos entre defensores - atacar a porta e não a parede - para criar indecisão e, por outro, que se construa uma sociedade secreta entre o portador da bola a caminho do chão e o apoiador axial para que o passe se faça sem demora e com a eficácia adequada. E a demonstração de como isso se faz, foi uma outra lição do jogo.
Existe a necessidade de criar uma ligação - daí a ideia da sociedade secreta -, uma espécie de pacto para que o portador, na zona de contacto, oriente o corpo de tal forma que possibilite o tempo necessário a uma entrega tão precisa quanto possível, sendo o papel do apoiador axial o de se posicionar pelo lado que maior facilidade dê ao portador. Assim o movimento continua e a defesa vê aumentar as suas dificuldades. E umas de duas, ou o portador ao atacar o intervalo atrai dois defensores e o apoiador axial tem caminho aberto ou será este a interessar o defensor, abrindo o espaço para outro companheiro. Simples mas exigente: exige que se jogue em cima dos defensores, a uma distância reduzida, em velocidade e com a preocupação de servir companheiros.
Mas as defesas também estiveram bem e mostraram, como deve ser, que o seu objectivo maior é recuperar a bola - o que exige passar da mera placagem à colisão: placagem derrubante, penetrante e efectiva. E disso se viu muito.
Ou seja, a base do jogo foi construída por ambas as equipas de acordo com a ideia de que a bola é para usar, a bola é para recuperar. Ou seja, um hino ao conceito de sempre de que o rugby é um jogo de ataque. De facto, com a bola tudo pode acontecer mas sem a bola o que se pode fazer não ultrapassa o adiamento da derrota.
Por outro lado o jogo no chão foi também um combate de bom nível, mesmo com a existência de algumas faltas - foi provavelmente o sector do jogo com mais faltas. Tratando-se de uma área onde os turnovers são meio caminho andado para conquistar terreno ou mesmo conseguir pontos, as equipas têm os seus jogadores suficientemente treinados para tomar decisões de acordo com a circunstância momentânea: atacar a quebra, o ponto da placagem, só pela certa, atrasar a saída da bola não deixando a vida fácil aos adversários e não implicar demasiados jogadores. O que exige conhecimento táctico do jogo para proporcionar adequada leitura a suportar a conveniente decisão.
Um jogo em cheio, com bons ensaios e com o didatismo da constante representação dos princípios fundamentais do jogo e pleno de bons exemplos. Aumentando assim a curiosidade para os jogos de Novembro com as selecções europeias.

Nota: Não tive oportunidade de felicitar publicamente o Daniel Hourcade e os seus guerreiros pela notável vitória sobre a Austrália. De facto a Argentina para além de prometer - como escrevi -, cumpre. E mostrou excelentes capacidades que farão dela e cada vez mais, uma equipa com que se deve contar para o Mundial. E o mais impressivo - trata-se de uma equipa jovem - é a sua margem de melhoria. Como reconhece Hourcade há ainda demasiados erros que só o aumento de jogos de nível mais elevado como estes - onde se ganha e se perde por um erro explorado ou cometido - pode permitir diminuir. Para Hourcade é o reconhecimento mundial da sua aposta, das suas ideias - o jogo-ao-pé argentino caminha cada vez mais para ser uma arma táctica e não uma constante aliviadora como resultou do passado - da sua forma de encarar o jogo. E que diabo, quem inventou o Tango não se pode ficar por um jogo pouco interessante. Hourcade dá ao jogo argentino a frescura da dança porteña. 

Arquivo do blogue

Quem sou

Seguidores