Se o gosto pelo risco de jogadores e treinadores for o mesmo do que vimos neste último Austrália-Nova Zelândia, o campeonato do mundo - Rugby World Cup 2015 - vai ser muito interessante.
A corrida ao risco começou mesmo antes do jogo com Michael Cheika a colocar, em simultâneo, dois "asas" (terceiras-linha do lado aberto) - Hooper e Pocock, ambos placadores de excelência, sendo o primeiro um dos melhores transportadores de bola e o segundo um dos melhores recuperadores de bola - na terceira-linha do quinze australiano. E mesmo se este risco criou dificuldades na conquista dos próprios alinhamentos - 70% contra 100% -, foram evidentes as vantagens no jogo no chão para os australianos - 99% em 108 contra 93% em 74 e 9 turnovers favoráveis contra 7 - factor que, muito provavelmente, ditou a vitória final australiana. Mas que não seria conseguida se não houvesse a coragem do risco nos passes em cima da defesa a fixar adversários, a soltar companheiros, a evitar placagens e a marcar ensaios - mesmo com o fraco desempenho do par de médios inicial.
Com a qualidade das capacidades defensivas que as equipas mostram o ataque só pode ser eficaz, jogando no limite da exposição. O passe - que só faz total sentido se a entrega da bola se fizer para um companheiro que esteja em melhores condições de dar continuidade ao movimento da bola no avanço da equipa - tem que ser feito, para fixar defensores, desequilibrar a estrutura defensiva e abrir espaços de penetração, em cima do adversário. Dar-lhes a bola a cheirar é o propósito da boa circulação da bola - e para que os adversários a cheirem é necessário proximidade. Proximidade que significa aumento do risco e obriga a capacidades físicas, mentais e técnicas capazes de criar a confiança necessária para ultrapassar as dificuldades que se apresentem. Mas a necessidade de conseguir espaços que permitam ultrapassar a Linha de Vantagem - linha imaginária paralela às Linhas de Ensaio que, passando pelo ponto de colocação da bola em jogo, define a conquista de terreno conseguido por uma ou outra equipa - é decisiva até porque - neste sistema que define as interligações entre as diversas mini-unidades que constituem a equipa - as linhas de corrida dos apoios, nomeadamente dos "asas", partem do princípio que o encontro com o eventual ruck conseguido pela defesa se fará dentro do campo defensivo. O que e se assim for, dará imediata vantagem ao ataque que vê os seus apoiadores a chegar primeiro e de frente para o sentido do jogo - os opositores directos têm que recuar para conseguir entrar no ruck pela "porta" definida na lei - o que permitirá a rápida disponibilidade da bola para garantir a continuidade do movimento da bola, enquanto factor crítico essencial de dominação e não, como muitas vezes se pensa, da continuidade da sua posse.
Um previsível 3x2 prospectiva a ultrapassagem da Linha de Vantagem
e permite uma linha de corrida positiva ao "asa" |
Nesta final entre australianos e neozelandeses a assumpção do risco esteve sempre presente com passes de todas as formas e feitios - o passe clássico já não vence a actual qualidade da organização defensiva - no limite das possibilidades e subordinado à ideia, porque se garante a continuidade do movimento da bola, de que o risco compensa porque "se passa, o ensaio está feito". E assim, como algumas passam, outras bolas caem ou são mal captadas. Porque tudo se joga no milímetro e no milésimo. No limite. No risco. Suportado no conhecido dito de "quem não arrisca, não petisca".
E para os espectadores não há melhor - ansiedade, expectativa, esperança, divertimento formam a mistura que paga o preço do bilhete comprado. E como os bilhetes para o Mundial não são nada baratos, os jogos deste fim-de-semana perspectivam que o alto preço pago tenha retorno condizente.
O jogo da final do Rugby Championship 2015 e em relação ao futuro próximo acabou por ter um resultado final - pesem os diferentes estados de alma - vantajoso para as duas equipas. Para a Austrália, mostrando ao mundo que os All-Blacks não são imbatíveis, foi um encher de peito que lhe abre boas perspectivas para os jogos do Mundial; para a Nova Zelândia esta foi a altura ideal para uma derrota avisadora e que coloca optimismos exagerados no relativismo próprio. Tudo a favor de um agradável aumento de expectativas para o próximo Mundial.
No outro jogo deste campeonato, os Pumas de Daniel Hourcade tiveram um vitória notável a ultrapassar a história da competição para deixar marcas no global do jogo - veja-se o 2º lugar no ranking da World Rugby da Irlanda que também muito ajudou ao vencer em Cardiff contra Gales - uma equipa com pouca experiência mas que deixou, pelos dois excelentes ensaios e apesar da crítica demolidora de Barry John, espaço para alguma esperança. Mas a vitória dos argentinos, apenas não tão globalmente celebrada por uma também "estórica" vitória australiana que, para além de ter sido uma demonstração da capacidade da equipa técnica na construção de uma equipa - mais interessante ainda se nos lembrarmos que o objectivo sempre repetido por Hourcade será o Mundial de 2019 - aumenta ainda a curiosidade sobre o que poderão fazer os Pumas neste Mundial de 2015.
E no próximo fim‑de‑semana há mais, incluindo um Inglaterra-França...