quarta-feira, 8 de agosto de 2018

AAP: ANTECIPAÇÃO, APOIO, PRESSÃO

Os Crusaders venceram de novo e pela 9.ª vez o SUPER RUGBY. E venceram-no, por 37-18, de forma soberba. 
Durante todo o tempo de jogo os Crusaders mostraram capacidades com base numa enorme confiança alicerçada no estudo do adversário, das suas forças e fraquezas, enquanto equipa e enquanto indivíduos. Com estes conhecimentos a equipa dos Crusaders utilizou em permanência o processo AAP (Antecipação, Apoio e Pressão) quer em defesa, quer em ataque, criando os desequilíbrios necessários quer pela possibilidade de diversas opções de continuidade que o apoio, adequado na forma e útil no tempo, permite e que cria a pressão necessária para, diminuindo o campo de tomada de decisão pela diminuição do espaço e do tempo, encurtar a linha da defesa para, com a paciência demonstrada na sequência de acções e pela notável capacidade e inteligência de jogo dos seus principais transportadores, Read e Whitelock, encontrar os melhores espaços de penetração de que resultaram 13 quebras da linha da defesa para 4 ensaios marcados num valor de eficácia real de 30,8% contra 28,6% dos Lions - 7 quebras para 2 ensaios. Curiosamente os Crusaders tiveram apenas 44% de posse de bola a que corresponderam 128 bolas conquistadas enquanto que os sul-africanos Lions com 56% de posse - e 66% de ocupação do meio-campo — demonstraram pior eficácia na utilização das 158 bolas conquistadas.

Esta pior eficácia dos Lions assentou principalmente numa absoluta incapacidade de adaptação à realidade do jogo adversário — tentaram o que treinaram e não mostraram nunca capacidade para procurar outras soluções ou inovações. O exemplo do controlo conseguido pelos Crusaders sobre o ponto forte sul-africano dos maul-penetrantes nos alinhamentos e que foram repetidos, embora sempre derrotados, até à exaustão é significativo: nunca procuraram soluções diferentes formatados que estavam no seu fixo modelo.
Curiosamente os números globais não variam muito — como se pode ver no quadro seguinte — em relação à final de 2017 que os Crusaders também venceram, então em Joanesburgo, por  25-17. Pelo que se viu não houve lição retirável pelos sul-africanos da derrota de 2017...

Eficácia relativa = Ultrapassagem da LV/Nº de bolas disponíveis
Eficácia efectiva = Rupturas da defesa/Ultrapassagem da LV
Eficácia global = Nº de ensaios/Ultrapassagem da LV
Eficácia real = Nº de ensaios/Rupturas da defesa 
























Mas foram várias as demonstrações retiráveis deste jogo final.
1ª Demonstração — O Rugby trata do uso da bola
Com menos 30 bolas disponíveis os Crusaders, ao marcarem o dobro dos ensaios dos adversários resultantes de praticamente duas vezes o número de rupturas da defesa, mostram com clareza que é a capacidade de uso de bola — a qualidade — que determina o resultado e não o número de bolas disponíveis — quantidade. O que significa, naturalmente, que é o domínio da antecipação — prever colectivamente o que vai acontecer — do apoio e da pressão resultante que exige uma permanente velocidade de deslocação e execução, que determinam a diferença entre as equipas.
A capacidade dos Crusaders de jogar, circulando a bola, é de uma eficácia notável. Atacam a linha defensiva com diferentes ângulos de corrida, mostrando-se capazes de diversos movimentos como dobras ou cruzamentos pela mera detecção da colocação de ombros dos defensores — nada parece previamente combinado mas fruto da leitura e decisão momentâneas. E foi para atingir os níveis de excelência demonstrados que foram buscar, por recomendação de Daniel Carter, o irlandês Ronan O’Gara que soube trazer uma maior inventiva ao jogo das linhas-atrasadas dos Crusaders. 
2ª Demonstração — O Rugby é uma corrida de estafetas
Como no Rugby a bola não é passável para a frente, uma equipa nunca deve ceder terreno em relação áquele que conseguiu anteriormente conquistar. Sendo assim os passes entre jogadores da mesma equipa devem ser tão próximos quanto possível da linha que passa pela bola e é paralela às linhas de ensaio. Para que isso seja possível é necessário que entre a conquista da bola e a sua movimentação haja a maior velocidade possível para, ao não ceder terreno, fixar os elementos da defesa e contribuir para o seu encurtamento.
Neste jogo da final os Crusaders mostraram, por diversas vezes, essa capacidade de “passe na linha” e as vantagens que lhe são inerentes: conquista de terreno, fixação da defesa, encurtamento da defesa e consequente abertura de espaços.
Como numa corrida de estafetas o ponto de partida de cada recepção deve ser o ponto onde se encontra o portador da bola. 
3ª Demonstração — O Rugby é um jogo de adaptações 
Com maior velocidade e pressão utilizados no jogo, mais adaptações momentâneas são necessárias. Colectivas — das diversas unidades — e individuais. O que implica uma maior capacidade de leitura e de decisão por parte dos jogadores, implicando também diferentes formas de formação e treino de jogadores que possam permitir uma organização colectiva — total ou por grupos — que se possa opôr à movimentação adversária. Se à antecipação que o treino da leitura baseada na diversidade de situações permite, juntarmos o movimento do apoio adequado à situação, a adaptação e a organização que lhe é necessária está feita em movimento e sem perda de tempo ou cedência de terreno.
Ao contrário do treino organizado em “grelhas” com repetição dos mesmo movimentos, o treino — desde as primeiras idades — deve ser organizado de acordo com os conceitos do “game sense”, aproximando as situações do treino daquelas com que os jogadores se irão confrontar em jogo. E se a velocidade é um dos elementos necessários nas mais variedades situações do jogo, a velocidade aplicada no pós-placagem pode mostrar-se decisiva — como aconteceu neste jogo da final do Super Rugby — na definição da vantagem de uma equipa sobre a outra. O que significa que, para este jogo de movimento, a disponibilidade para a acção, sem considerar o número da camisola, deve ser total e constante
4ª Demonstração — O Rugby é um jogo de ataque
Muitas vezes se diz que é a defesa que ganha jogos. É relativo — muito relativo mesmo — este conceito. Uma defesa sózinha, por melhor que seja, não ganha jogos.
A defesa tem, claro!, enorme importância na composição do resultado... desde que o ataque seja eficaz e marque os pontos necesários.
O que a defesa pode conseguir é não perder jogos — os Crusaders conseguiram 84% de êxito nas suas 205 placagens enquanto os Lions se ficaram por 79% das 135 placagens tentadas. O que significa que é preciso que o ataque tenha marcado os pontos necessários à construção do resultado. Portanto mantém-se o princípio de sempre: o Rugby é um jogo de ataque! 
Os Crusaders são uma equipa notável recheada de internacionais All Blacks.E é tão notável que é corrente dizer-se: se queres ser um All Black junta-te aos Crusaders. Foi o que fez, aliás, Scott Barrett que prescindiu de jogar na mesma equipa dos irmãos Beauden e Jordie, para, como então disse, ir aprender com os melhores e ser All Black. Já é!

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