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Cabe agora, aos actuais e futuros responsáveis federativos, olhar o rugby feminino com outros olhos, definindo objectivos de progresso e internacionalização |
Com uma vitória por 26(4E,3T)-8(E,P) sobre a campeã espanhola Olimpico Pozuelo, a equipa feminina de Rugby do Sporting conquistou ontem, em Lisboa, a Taça Ibérica 2018.
O jogo partia de um desequilíbrio evidente: de um lado uma equipa, a portuguesa, habituada apenas aos jogos de Sevens e Tens; do outro a equipa espanhola que joga um campeonato nacional de XV num país onde os contactos internacionais são já uma realidade (9.ª classificada no ranking mundial). Uma diferença entre a descoberta e a experiência.
E como foi possível então a vitória e por números expressivos?
Acima de tudo com trabalho e com entrega. Durante o último mês, quatro treinos semanais foi o compromisso destas amadoras de dias cheios de estudos ou afazeres profissionais e/ou maternais. Pelo meio, um único jogo de XV contra uma selecção regional de Lisboa, formada por jogadoras de outros clubes.
Passar do jogo de Sevens ou Tens para o jogo de XV é muito difícil. Porque não há mais de comum do que as regras gerais e os gestos técnicos básicos. Mas nada é estratégica ou tácticamente idêntico ou sequer parecido.
No Sevens e Tens o espaço existe, está lá e há que o aproveitar enquanto que no XV o espaço, recorrendo às mais diversas manobras, tem que ser criado para poder ser aproveitado e permitir chegar ao ensaio. E esta diferença entre espaço existente e espaço a criar faz toda a diferença entre os comportamentos colectivos e a sua complexidade síncrona.
E se este aspecto já seria o suficiente para definir realidades diferentes, junte-se o facto do XV exigir - com carácter fundamental - mini-unidades que não existem nas variantes como a terceira-linha e o três-de-trás, para se perceber as dificuldades ultrapassadas pelas capacidades e determinação das jogadoras.
As jogadoras do Sporting, desde logo entusiasmadas com a possibilidade de voltarem a jogar uma Taça Ibérica - disputada pela primeira vez no ano passado nos arredores de Madrid e entre as mesmas duas equipas mas com vitória espanhola por 27-15 - fizeram os esforços necessários à melhor adaptação possível, ultrapassando obstáculos, dúvidas, receios e procurando desenvolver os conceitos colectivos transformadores onde a regra básica para manter livre o espaço criado exige o ataque à defensora directa. E assim, tornando possível que o comprometimento, fixação e concentração das adversárias provocados pela estrutura 2-4-2, tenha a continuidade necessária para explorar os desequlíbrios conseguidos.
No jogo de disputa da Taça Ibérica o Sporting contou com os reforços neozelandeses, ambas Black Fernes, da Kate Matau e Harono Iringa. E naturalmente que estes reforços tiveram importante peso no desenrolar do jogo, possibilitando, com o acompanhamento de Tânia Semedo que se mostrou à altura das suas novas companheiras, uma capacidade de transporte, penetração e manobra do 4-do-meio que criou, como se pretendia, os espaços livres que permitiram a marcação dos ensaios que fizeram a diferença. Mas, clarifique-se, o modelo estrutural de suporte ao movimento utilizado exige uma coerência e sincronização colectivas enorme e permanente e foi a equipa, com a coesão e determinação das suas jogadoras, que impôs a eficácia e permitiu a vitória.
Toda a estratégia leonina foi montada de forma a proporcionar, imediatamente a seguir à conquista da bola, as manobras necessárias para que as integrantes do 4-do-meio tivessem tempo de ocupar as suas posições no corredor central para, então, atacarem a defesa, concentrando, pelo seu avanço no terreno e transporte de bola, defensoras adversárias e abrindo espaços nos corredores laterais por onde um segundo movimento se pudesse realizar. As combinações seguintes far-se-iam de acordo com a situação – “jogando de acordo com aquilo que têm na frente” – apresentada pela defesa e encadeando, naturalmente, pelo lado mais fraco. O ensaio de Kate - já viral nas redes sociais - só na aparência se mostra como resultado único do seu trabalho individual porque houve um trabalho anterior de manobra colectiva criador do desequlíbrio que possibilitou o seu “pick and go” e o caminho para o ensaio. E as jogadoras do Sporting tiveram sempre a qualidade demonstrativa de que o rugby é um desporto colectivo.
O recurso a alinhamentos de cinco jogadoras - embora sendo a forma a que a equipa estava mais habituada pela variante Tens - estava inserida na mesma estratégia geral de manobrar antes de colidir para garantir superioridade territorial e numérica.
À superioridade colectivamente demonstrada nas formações ordenadas - treinadas na máquina e com os jogadores masculinos do CDUL - à rapidez de resolução dos rucks, à articulação na exploração dos desequilíbrios e espaços, a equipa juntou uma capacidade - e quantas vezes coragem - defensiva exemplar. Num verdadeiro espírito de “umas pelas outras” e superando-se permanentemente, as jogadoras sportinguistas mostraram uma notável capacidade de combate e foram defensivamente insuperáveis. Desde as placagens realizadas até à imposição de lentidão nas bolas adversárias. Umas leoas formidáveis a defender o seu território.
A equipa leonina teve momentos de demonstração exímia de qualidades técnico-tácticas em que o todo construído ultrapassou a soma das suas partes, levando assim a situações de superioridade numérica territorial altamente vantajosa - e daí os 4 ensaios marcados.
Ganhar este jogo, conquistar esta Taça Ibérica não foi um acaso. Teve uma preparação exemplar, organizativa, estratégica, táctica, técnica e psicológica com cada um dos envolvidos focados na vitória que queriam e transformaram em possível. Numa demonstração do somatório de competências - o elevado nível de intensidade dos treinos foi uma delas - que devem constituir uma equipa. Mas foram as jogadoras - as 23 da ficha de jogo mais todas aquelas que participaram nos treinos e ajudaram a preparar a equipa - e a sua determinação e exemplo que possibilitaram a convocação global das diversas componentes para o resultado procurado.
A equipa feminina de rugby do Sporting foi uma equipa notável. Uma equipa notável no tempo de treino e preparação, uma equipa notável durante a experiência da aventura de oitenta minutos. Esta vitória com a conquista da Taça Ibérica ficará a representar um marco histórico quer para o clube Sporting Clube de Portugal, quer para o rugby português. Ter participado nele foi um privilégio que agradeço.
As campeãs ibéricas 2018:
Daniela Correia, Thamara Rangel e Josefa Gabriel (E); Leonor Amaral, Francisca Baptista e Isabel Ozório (c) ( 3T); Antónia Braga; Maria Heitor, Catarina Pargana e Sara Saúde (E); Margarida Arriaga e Harono Iringa; Kate Matau (E), Inês Marques (E) e Tânia Semedo.
Suplentes utilizadas:
Filipa Gavinho, Maria Branco, Maria Teixeira, Mariana Sobrinho, Catarina Esaguy, Marcela Máximo, Ana Freire e Constança Serra.
Nota final: Conseguida a vitória a ninguém assiste o direito de afirmar ou tirar conclusões de que o Tens - como esta vitória prova como alguns ignorantes pretenderão - representa o bom caminho para atingir o XV. Não! Não é o bom caminho nem representa qualquer estádio de progressão. O Tens não serve para chegar ao XV como o sabem todas e todos os envolvidos na preparação da equipa do Sporting para esta vitória.