segunda-feira, 20 de abril de 2020

RUGBY NO COLÉGIO MILITAR


O Rugby é, como gosto de o definir “um jogo colectivo de combate organizado para a conquista de terreno com o propósito de marcar ensaios” e que tem duas características muito próprias: a bola, que é oval, não pode — uma primeira particularidade — ser passada para a frente, podendo, no entanto, ser chutada e — segunda particularidade — podendo o seu portador ser placado, acto em que, se agarrado, é derrubado até entrar em contacto com o solo.

Estas duas características impõem um conjunto de princípios estratégicos fundamentais que formatam as tácticas do jogo e que são:
 AVANÇAR SEMPRE! contrariando, pelo transporte da bola e porque o “objectivo ensaio” está lá à frente, a obrigatoriedade da regra do passe;
 APOIO, absolutamente necessário quando se pode ser placado no transporte da bola, compondo uma espécie de “corrida de estafetas: chegaste até aí, passa! que eu levo-a até ali” que a eficácia do jogo procura;
 CONTINUIDADE para garantir que é possível, articulando passe e transporte da bola, o movimento encadeado de uns e outros para avançar e conquistar terreno, “indo até lá ao fundo”;
 PRESSÃO, se atacante para obrigar os defensores a encurtarem a largura da sua linha defensiva e permitirem a utilização de espaços tornados livres, se defensiva, retirando espaço e tempo de decisão aos atacantes.
Para um uso eficaz da bola depressa se aprende que no combate, como ensinava Nuno Álvares Pereira no seu conceito estratégico essencial, a manobra deve prevalecer sobre o choque (1). Mas também se aprende a necessidade de camuflar até ao limite a decisão que se vai tomar — razão principal da exigência do transporte da bola em “duas mãos”. E, também rapidamente, se compreende que é o colectivismo e a coesão dos membros da equipa na estratégia e nas tácticas, que produzem a eficácia pretendida, reconhecendo-se, também desde logo, que o valor global da equipa depende do nível do(s) seu(s) elemento(s) mais fraco(s) — o que obriga a um treino de desenvolvimento técnico e táctico constante, equilibrado, objectivo e permanente. Individual e colectivo.

De alto espírito colectivo e subordinado ao conceito — que a nós, Colégio, diz tudo — de “cada um por todos”, num nós sempre superior aos eus e com as características técnicas e regulamentares que o definem, não admira que a americana West Point, formalizada como United States Military Academy em 16 de Março de 1802 (um ano antes da também formalização do nosso Colégio), tenha, em 1965 e dez anos antes da formalização da Federação Americana de Rugby, inserido o Rugby na sua componente desportiva curricular. A justificação do interesse militar pelo jogo pode centrar-se na explicação do ex-Conselheiro de Segurança Nacional de Trump — cargo aceite por “sentido militar do dever” como justificam amigos(2) — e antigo três-quartos ponta do anos oitenta da equipa de West Point, Tenente-General HR McMaster: “Para vencer no Rugby, é preciso estar comprometido com cada um e trabalhar em conjunto, jogando juntos como uma equipa. E isso é o que o combate exige. Exige treino duro sob as mais difíceis condições porque só assim se constrói confiança — confiança nas suas capacidades técnicas, confiança na sua equipa. Essa confiança é o que permite em combate ultrapassar o medo, assumir o risco e tomar a iniciativa. Trata-se acima de tudo de fazer alguma coisa inesperada, explorando as vantagens conseguidas com rápidos movimentos e decisões, actuando em conjunto. Uma operação de cavalaria em combate assemelha-se bastante à forma como uma equipa de rugby joga colectivamente.”(3), acrescentando ainda: “Uma boa equipa de rugby une-se sempre dentro e fora de campo para apoiar um companheiro que caiu.”(4). E assim se explica a relação entre o jogo e o combate.

Depois de ter — após a saída do Colégio — conhecido o Rugby e pelas evidências então reconhecidas, nunca percebi porque não estava inserida a modalidade nas nossas práticas desportivas colegiais. Ajudaria a exemplificar os nossos princípios.

No entanto e graças à notável qualidade e diversidade do sistema de ensino da Educação Física e da Prática Desportiva que o Colégio nos fornecia, muitos de nós dedicaram-se ao Rugby sem qualquer dificuldade de adaptação. E constituímos, apesar de se tratar de uma modalidade desconhecida e num interessante caso de aprendizagem adulta, o maior número de antigos alunos internacionais —18 — de uma selecção principal sénior de Portugal em qualquer modalidade desportiva colectiva.

Tudo começou em 1965 - altura do retorno de Portugal às competições internacionais de Rugby interrompidas desde 1954 — com as primeiras selecções de Carlos Pardal, 100/47, Manuel Castelo Branco (Ponte), 384/54 e Luís Matos Chaves, 195/54, continuando-se por 1966 com Pedro Lynce de Faria, 21/54 e Luís Lynce de Faria, 27/57; em 1967 com Júlio Magalhães Faria, 219/54; em 1968 com Nuno Lynce de Faria, 490/58; em 1969 com João Paulo Bessa, 200/57 e Francisco Lucena, 405/58; em 1972 com António Duque, 12/58; em 1973 com José Spínola de Brito, 539/63; em 1974 com Carlos Moita, 392/65; em 1979 e depois de um interregno de representações internacionais de 5 anos, com Olegário Borges, 354/63, Duarte Lynce de Faria, 446/70 e Carlos Duarte Ferreira, 398/64; em 1981 com Vasco Lynce de Faria, 21/60 e em 1986 com Ricardo Durão, 23/70 e António Moita, 214/71. Destes internacionais foram ainda treinadores-seleccionadores da selecção principal de Portugal o Pedro Lynce de Faria, o João Paulo Bessa, o Olegário Borges e o Vasco Lynce de Faria.

Aquando da sua passagem como Director do Colégio — lançando, no que tive a oportunidade de participar, a obra de colocação do tapete de relva artificial no campo de futebol e a construção de inovadoras balizas que suportam os postes que a modalidade exige — o Major-General Raúl Passos, decidiu proporcionar a prática do Rugby aos alunos do Colégio. Como resultado da infraestrutura criada e da aprendizagem que foi permitindo — já há alunos a jogar em equipas juvenis federadas — realizou-se no passado mês de Dezembro, o 1.º Torneio Colegial de TagRugby. Tratou-se de uma iniciativa que ocupou uma tarde e uma manhã de dias semanais consecutivos em que os participantes voluntários do 4.º ao 12.º ano tiveram — numa decisão louvável de reconhecimento da importância educativa da prática desportiva — dispensa das aulas curriculares.
@s alun@s participantes antes da entrega de prémios      foto:jpbessa
Este 1.º Torneio, muito bem organizado por uma equipa coordenada pelos Professores Nuno Leitão e Nuno Fradinho, contou, marcando a sua importância pedagógica, com a presença oficial do actual Director do Colégio, Coronel António Salgueiro, bem como com os antigos internacionais que responderam ao convite feito, António Duque, Carlos Duarte Ferreira, António Moita e eu próprio e teve a participação de 372 alun@s representando na sua totalidade 65,5% dos 568 alun@s que poderiam fazê-lo dos quais 241 eram raparigas (63,5% das alunas possíveis), constituindo 61 equipas mistas de 5 jogador@s de campo para realizar um total de 183 jogos que formataram a competição operacionalizada em diversos terrenos-de-jogo de dimensões reduzidas e proporcionadas à dimensão das equipas em presença.

Embora e como jogo de iniciação o TagRugby não tenha placagens — controla-se o portador da bola retirando-lhe a fita de tecido que leva presa á cintura num gesto que conduz à postura corporal próxima da placagem — o que se viu foi muito interessante e demonstrativo de um bom início de apreensão dos Princípios Fundamentais do jogo, mostrando que há enormes potencialidades para a prática competitiva da modalidade, nomeadamente no seu carácter representativo.

Será aliás uma das enormes vantagens do Clube desportivo em criação que, logo que formalizado, permitirá que equipas masculinas e femininas colegiais de Rugby possam competir nas provas federadas dos respectivos escalões etários. E com a “atleticidade” que possuem e a coesão que transportam não é difícil de admitir que as equipas colegiais possam, com prestações de alto nível, tornar-se “casos sérios” da modalidade — nomeadamente e por razões óbvias que o ecletismo desportivo curricular dita, nas equipas femininas que, hoje em dia, constituem um notável fenómeno de crescimento no Rugby mundial, disputando já provas de dimensão europeia, mundial e olímpica. E então, quer rapazes quer raparigas, irão, com orgulho e certeza de todos nós, ampliar a lista de rugbistas internacionais absolutos oriundos do Colégio Militar. O que será bom para o Rugby português e prestigiante para o nosso Colégio.

Notas:
(1)- Bessa, Carlos, “Batalha dos Atoleiros, seu carácter precursor em Portugal”, Academia Portuguesa de História, Lisboa, 1989
(2)- Keefe, Patrick Radden, “McMaster and commander”, The New Yorker, 30/4/2018
(3) - Pengelly, Martin, “HR McMaster on rugby: The Warrior Ethos is what a good team as”, The Guardian, 28/5/2018.
(4)- op.cit The Guardian
Uma curta explicação do jogo de Rugby

Texto anteriormente publicado em Zacatraz, Revista da Associação dos Antigos Alunos do Colégio Militar, Nº218 - Janeiro/Março 2020

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