Sempre pensei que deveria haver uma codificação para que a equipa a que é atribuída a eventualidade de uma vantagem, possa recusá-la quando por considerar não ter qualquer vantagem ou pretender, desde logo, tirar partido da falta obtida. A decisão da efectiva vantagem não deveria competir ao árbitro mas aos jogadores, competindo apenas ao árbitro garantir a possibilidade de exploração de eventual vantagem tendo por base o conceito de “não beneficiar o infractor”, mas sem que o domínio da interpretação táctica lhe seja, como é, absolutamente conferido. Como se reconhece, se diz e escreve por todo o lado: o jogo pertence aos jogadores. E o papel dos árbitros, enquanto reguladores, é o de garantir a igualdade das equipas perante as Leis-do-Jogo.
A este problema - colocando a decisão táctica nas mãos de quem não é caracterizado para isso - acresce um outro que tenho visto como altamente prejudicial, porque coloca uma das equipas sob um duplo castigo com a mesma origem - se não defendes, entregas pontos; se defendes, voltas a entregar a bola - numa evidente armadilha de preso por ter cão ou preso por não ter e em desacordo com a já referida igualdade que caracteriza o jogo desportivo. Juntando-se à exclusiva decisão do árbitro este excessivo tempo concedido para determinar a boa exploração da presumível vantagem, acaba por destruir os bons princípios que estiveram na origem da sua construção.
A vantagem e a sua aplicação deveria assentar no risco da decisão: ou queres jogar a falta ou queres correr o risco de perder a bola ao pretenderes explorar o que te parece ser uma óbvia vantagem - a decisão é tua e o risco é da tua responsabilidade. Não sendo assim, estava a prever-se o que iria acontecer: alguém encontraria um truque exploratório...
Num dos jogos do outro lado do mundo deste último fim‑de‑semana o árbitro considerou, assinalando-o devidamente, haver vantagem para a equipa atacante sobre uma falta dos defensores muito próximo da sua linha-de-22.
... a equipa atacante, a portadora da bola, em vez de avançar no terreno, ficou-se, praticamente parada, a passar a bola numa colocação muito profunda e longe da linha-de-vantagem. Naturalmente que os defensores subiram, entrando no campo do adversário e ultrapassando em alguns largos metros a linha da falta - linha-de-vantagem - então cometida.
Para que tudo se fizesse na aparência do melhor espírito desportivo, o momentâneo portador da bola, já com um adversário em cima dele, tentou ultrapassá-lo para atingir o espaço vazio que a equipa defensora tinha deixado nas suas costas. Placado, ouviu-se o árbitro determinar o final da vantagem e apontar o local da falta.
De imediato a bola é passada para um jogador próximo do ponto da falta que tendo, obviamente, indicações para aí se ter mantido, reiniciou o jogo. Com a maior parte dos jogadores defensores ainda - pela provocada subida defensiva - muito à-frente da linha de reposição da bola em jogo e com quase todos os restantes ainda “dentro” do espaço dos 10 metros e, portanto, impedidos de intervir, o novo portador da bola - sem defensores que o apoquentassem - não teve muito mais trabalho do que correr em frente e a direito para a área-de-ensaio adversária e conquistar, em vez dos possíveis 3 pontos da conversão da penalidade, 7 pontos para a sua equipa.
Trata-se, no fundo, de um nítido prejuízo para quem atendeu, de boa-fé, à decisão do árbitro e procurou fazer o que lhe competia, isto é, impedir o adversário de marcar pontos. Mas...
O truque só é possível pelo exagerado tempo de aplicação da lei-da-vantagem. E que, para que este benefício artificial não se torne um hábito, irá ter como também preparada resposta a não subida da equipa defensora, ficando as duas equipas,vigiando-se à distância, à espera que o árbitro dê por terminada, porque de nenhum efeito, a utilização da eventual vantagem. O que não se coaduna com o desporto colectivo de combate que o rugby é.
Ou seja: uma alteração é absolutamente necessária para garantir a manutenção do carácter do jogo e nem é necessário limitar o tempo de validade da vantagem ou que não seja permitido jogar-rápido a penalidade que a iniciou, basta, para que a igualdade seja real e os princípios estratégicos se possam cumprir, que a decisão da sua aceitação pertença aos jogadores - definindo um gesto codificado para a sua não validade - e que, por isso, assumirão o risco inerente à sua exploração. Porque, de outra forma, iremos ver o recurso, de um e outro lado do terreno-de-jogo, a truques diversos para tirar (ou evitar) o melhor partido, não do jogo e da forma de o praticar, mas do circunstancialismo que o envolve.