domingo, 30 de agosto de 2020

SE NÃO PODEMOS JOGAR ESTE, JOGUEMOS PARECIDO

A Direcção-Geral de Saúde classificou o Rugby no domínio da actual pandemia como uma modalidade desportiva de “Alto Risco”. E, por muito que nos custe, classificou bem para uma pandemia que se transmite por inalação de gotículas respiratórias e que vive, portanto, do contacto próximo com pessoas infectadas. Com a agravante de muitos dos transmissores serem assintomáticos, isto é, não apresentarem sinais evidentes de infecção.

Assim sendo, é natural que um desporto colectivo de combate com permanente luta directa pela posse da bola e conquista do terreno e que vive muito da proximidade entre jogadores companheiros e adversários, seja considerado como de elevado factor de risco. E portanto, obrigado a testar os seus jogadores.

O fluxograma que se apresenta seguidamente foi realizado tendo em atenção distâncias e tempos mínimos de segurança aplicáveis a modalidades desportivas (1 metro e 3 segundos) para catalogar os riscos das diversas acções que se caracterizam da seguinte maneira: quanto mais próximo e durante mais tempo se está de um adversário, maior é a possibilidade de se vir a ser infectado. O que demonstra, para que o risco não atinja o nível da estupidez, a necessidade da existência de testes que proporcionem a necessária confiança ao fazerem diminuir a possibilidade de infectados dentro do campo de jogo. Porque o objectivo, sendo o Desporto uma actividade de risco — e no Rugby esse risco é evidente — é que se impeça a sua ampliação.
Definidos os níveis de risco de cada uma das acções é possível, recorrendo às estatísticas do jogo, distribuí-los pelas diferentes posições da equipa e verificar da sua repetição tendencial.
Como se pode verificar, existem três acções de Risco Alto em que todos os jogadores da equipa podem vir a participar: Colisões, Placagens-ao-Tronco, Mauls ou Rucks. Os Avançados, números 1 a 8, juntam especificamente e à operação de Alto Risco que constituem as Formações Ordenadas, a acção Alinhamento que coloca face-a-face suficientemente próximo e por demasiado tempo (mais de 3 segundos) jogadores de ambas as equipas, obrigando-os a um Risco Médio. Por outro lado qualquer dos jogadores que constituem a equipa pode ver-se envolvido nas acções de Risco Médio como Placagens Baixas ou acções do Pós-Placagem. 
A partir daqui é possível — desde que haja acesso a estatísticas fiáveis que caracterizem o jogo e que o Rugby português não tem ou não disponibiliza (utilizaram-se as da RFU) — determinar o tempo de exposição que cada jogador terá em média a situações de risco. O que demonstra bem o grau de perigosidade a que os jogadores ficarão sujeitos se não houver a garantia de obrigatoriedade de anterior e sistemática testagem — é bom lembrar que o grupo etário dos 20/29, o dos jogadores-seniores — tem um total actual de 8922 infectados que representam 16% do total nacional (o grupo etário a que pertenço, 70/79 anos, representa, como termo de comparação, apenas 7% do total nacional). Este grupo dos vintes constitui, principalmente porque sofrem, ao que se julga, poucas ou nenhumas consequências, um grupo transmissor que coloca em verdadeiro perigo os seus contactos “seniores” (+65 anos) familiares ou não. Portanto, o rastreio dos jogadores para garantir a eliminação de possíveis contactos contaminadores é fundamental!
Note-se que a 3ª Linha ao acumular um tempo superior a 15’ nas suas 74 acções de Risco Médio atinge, só por isso e como determina o primeiro quadro, o Risco Alto 
Mas aqui surgem dois problemas que enviabilizam o sistema e que fazem com que não seja cumprível o determinado pela DGS.
Por um lado os clubes de rugby, por poucas ou nulas receitas,  não suportam o acréscimo dos custos necessários à realização dos testes exigidos para os 23 jogadores da categoria sénior e que poderão entrar em cada jogo (DGS, Orientação 036/2020, ponto 18 e Anexos 2 e 3); por outro, sendo o Rugby em Portugal amador, ou seja, os seus jogadores têm outras actividades diárias que não lhes permitem — como acontece com jogadores profissionais — um “confinamento” entre o espaço controlado do clube e a casa de família também ela vigiada e controlada. Antes de cada jogo não há estágios e os testes, 48 horas antes, são seguidos de contactos diversos e nem todos controláveis, donde com possibilidades de infecção, podendo um qualquer jogador, qual homem invisível, apresentar-se em campo assintomaticamente infectado e contaminar outros. A segurança para o Desporto amador só será conseguida, como parece óbvio, quando estiverem disponíveis testes rápidos e a baixos custos que permitam que entre o conhecimento dos resultados e a entrada em campo não exista intervalo suficiente para contactos externos ao grupo testado.
Infelizmente a realidade nua e crua é esta: o Rugby, como o conhecemos, não pode, neste momento de pandemia, ser jogado em Portugal! 
Então não pode haver mais Rugby até que haja uma vacina ou que estejam disponíveis testes de rápido resultado? Pode, se modificarmos o jogo de forma a diminuir o risco da sua prática e poder enquadrá-lo no Risco Médio da classificação da DGS onde, havendo menos riscos, os custos serão mais facilmente suportáveis.
O objectivo que temos que ter, tendo em atenção as participações internacionais onde precisamos de resultados que nos permitam atingir metas sonhadas, será a de que o jogo a construir terá que garantir  a permanência de factores que não desvirtuem ou alterem as necessidades técnicas e o pensamento táctico do jogo real, isto é, que sejam mantidos os Princípios Estratégicos Fundamentais de Avançar Sempre!, Apoio, Continuidade e Pressão bem como as especificidades técnicas que caracterizam o futuro. E para que haja projecção no futuro a placagem tem de ser mantida! 
Mas não vai manter-se tudo igual ao que está.
Lendo os quadros apresentados e com o objectivo definido de enquadramento nas actividades desportivas de Risco Médio, concluímos que a necessidade de alteração está, essencialmente, nas acções de Risco Alto. Assim e como possível proposta:
— a Formação Ordenada tem que ser substituída por um acção sem qualquer contacto físico face-a-face, mas que seja capaz de juntar 16 jogadores num tão quanto possível reduzido espaço de terreno para permitir a existência de intervalos possíveis de ataques. Claro que 
Proposta de alteração da FO
as equipas, preparando o futuro, terão que apresentar o número regulamentar de pilares e talonadores certificados quer pelos seus jogos na posição em épocas anteriores quer por grupo técnico federativo. Uma hipótese de alteração da formação habitual poderia ser esta que se apresenta: cada 1ª linha colocar-se-ia à distância de 50 cm da marcação do árbitro e de costas para o campo do adversário. Os restantes 5 elementos de cada equipa posicionar-se-iam à distância de um braço estendido, para a frente e lado, a partir da colocação de 4 e 5 na projecção dos intervalos entre talonador e pilares. Todos os jogadores, com excepção do Nº8 da equipa introdutora que ficará de pé, formarão com um joelho e uma mão no chão e com a outra perna dobrada pelo joelho. As 3 vozes do árbitro seriam: Braços, Joelhos, Joga!. A esta última voz, o 9 introdutor passará a bola para o seu Nº8 que a coloca no chão atrás de si e que a poderá jogar, transportando-a ou passando-a, desde que lhe dê um toque com o pé ou deixará que o seu formação a utilize, correndo e transportando-a ou passando-a. O médio-de-formação defensor só pode ultrapassar as "suas" linhas de fora-de-jogo — a linha média da formação-ordenada ou a linha que passa pelo último pé do seu Nº8 — depois da bola ter sido colocada no chão. O fora-de-jogo dos restantes jogadores não participantes na formação-ordenada seria diminuído para 3 metros contados do último pé dos jogadores da sua equipa;
— as Colisões só poderão ser feitas com o ombro e o braço adiantados fazendo com que o contacto — cumprindo, aliás, a regra técnica de afastar a bola do defensor — se faça de perfil, eliminando assim, ou diminuindo muito, a interacção face-a-face;
— as Placagens ao tronco passarão a ser ilegais, sendo a placagem  apenas permitida até à altura da cintura do placado, diminuindo em muito o risco do face-a-face que existe na versão regulamentar actual. Manter-se-á, claro está, todo o controlo disciplinar definido (cartões amarelos e vermelhos e penalidades) para placagens altas;
— o Maul, pelo prolongado face-a-face que permite, não será autorizado. O que levará a alterações no Alinhamento que deverá ser jogado com um mínimo de 5+1 jogadores (excepto nos lançamentos rápidos) e que deverão estar todos virados de frente para a linha lateral - o apoio frontal ao saltador, que continua a poder ser elevado, vai exigir um rápido e sincronizado movimento... Os jogadores da equipa que não conquistou a bola só podem avançar para além da linha de lançamento ou deslocar-se lateralmente, ultrapassando a linha-de-15 metros, depois da bola ter sido passada ao “formação” pelo conquistador que o deve fazer de imediato;
— os Rucks que são formações-expontâneas, não podem existir pelo contacto praticamente face-a-face, de grande proximidade e tempo normalmente superior a 3 segundos que provocam e devem ser substituídos pelas formas de Pós-placagem (ver ponto seguinte) com a chegada do terceiro-jogador a criar linhas de fora-de-jogo determinadas pela distância de 5 metros da Linha-de-Vantagem. A bola não é disputada e pertencerá à equipa do terceiro-jogador que primeiro toca a bola com as mãos;
— a Pós-placagem, que não poderá ser constituída por mais de três jogadores - o placado, o placador e um outro jogador que terá sido o terceiro elemento a chegar. A partir do momento que o terceiro elemento toca com as mãos na bola, ficam definidas as linhas de fora-de-jogo e a bola não é mais contestável (a bola é portanto conquistada pela equipa cujo jogador foi mais rápido na chegada ao ponto da placagem). A bola pode ser movimentada quer pelo referido terceiro jogador quer por um "formação" que terão 3 segundos para o fazerem.
— as Bolas utilizadas no jogo devem ser mudadas e desinfectadas sempre que tocadas por elementos estranhos às equipas ou à organização dos jogos.
Para as outras categorias - e eventualmente para as outras divisões que não a principal e que não têm em vista as exigências da competição internacional - o jogo, evitando a existência de contacto, deverá estar enquadrado no velho Bitoque ou no inglês Ready4Rugby (o TagRugby é de Risco Alto pelo contágio que pode resultar do manuseamento das fitas utilizadas), podendo então o jogo competitivo vir a ser qualificado como de Risco Baixo.
Em conclusão
Na actual situação pandémica o Rugby, pelas suas características de combate e contacto, só pode ser jogado com a garantia de que os seus actores — jogadores, equipas técnicas, médicas, administrativas e auxiliares — não estejam infectados de alguma forma. O que significa a sujeição obrigatória a testes prévios e pelo número de vezes que se entenda necessário para cada caso. Ora o Rugby português não tem condições financeiras para esta quantidade de testes e a actual diferença temporal entre a sua realização e a obtenção do seu resultado não representa, pela qualidade amadora da modalidade que permite a continuidade de contactos exteriores à equipa, segurança suficiente. Assim é forçoso, para que se possam efectuar jogos, que haja uma adaptação das regras e das acções de forma a minimizar os riscos de infecção, diminuindo o tempo de contacto e evitando as interacções face-a-face. Para o que se propõe a eliminação temporária das Formações Ordenadas, dos Mauls e dos Rucks, bem como a adaptação das acções de Colisão, de Placagem, de Alinhamentos e de Pós-placagem e de um controlado uso das Bolas em jogo.     
Com alterações do tipo das propostas apresentadas, será provavelmente possível alterar o estatuto de risco da modalidade, baixando-o e tornando mais viável o cumprimento das obrigações sanitárias. Pena é que se tenha — por óbvia falta de noção daquilo que é a preparação desportiva — demorado tanto tempo a tomar decisões, contribuindo assim para uma nova e maior dificuldade: o pouco tempo de adaptação, técnico, táctico e disciplinar que jogadores e árbitros terão para as diferentes formas com que irão jogar. O que, para além do longo tempo de paragem já sofrido, vai, ampliando o tempo de adaptação, diminuir ainda mais a qualidade técnica do jogo.
Porque o Rugby português é amador, tem poucas receitas e ainda porque se trata de um jogo de contacto permanente, o quadro dos resultados dos testes obtidos nas 48 horas anteriores não representará, necessariamente, a realidade infecciosa das equipas em cada jogo, não sendo, por conseguinte, suficientemente fiáveis para garantir a confiança necessária para a representação do jogo tal como o conhecemos. E é por essa falta de fiabilidade que se propõe estas alterações. Porque estando enquadrados internacionalmente temos que garantir, respeitando as competições em que participámos, que nos podemos preparar o melhor que nos seja possível. Respeitando o legado que representamos!

Nota: se perceber que vale a pena ou a isso solicitado, apresentarei uma proposta mais cuidada das alterações do jogo para esta fase pandémica.

Arquivo do blogue

Quem sou

Seguidores