quarta-feira, 20 de dezembro de 2023

COLOCAR OS PÉS NO CHÃO

Com os últimos resultados internacionais obtidos, o rugby português está na altura limite para reflectir. Porque não chega definir como objectivo a presença no Mundial da Austrália em 2027, sendo necessário ajustar as acções internas aos objectivos estratégicos, determinando os caminhos críticos que exigem a atenção e o controlo dos seus indicadores.

Demasiado satisfeitos com os elogios— alguns deles resultantes de uma visão meramente paternalista — recebidos pela prestação dos Lobos no Mundial 2023 e que — embora os jogadores tenham tido um comportamento de elogiar, jogando no máximo das suas capacidades — não terá sido tão boa como a pintam com excepção da vitória sobre Fiji, mas que, no entanto, não chega para tapar as diversas incapacidades demonstradas nos restantes jogos, principalmente na entrega de uma vitória evidente como aconteceu contra a Geórgia ou pela impossibilidade de tirar partido da superioridade numérica de dois jogadores contra a Austrália. Porque a realidade é esta: estamos, com um optimismo cego, a tapar os olhos à envolvente que nos cerca.

Na competição European Super Cup que tem como objectivo permitir aos jogadores um contacto com um nível superior ao seu campeonato interno, preparando-os para uma mais fácil adaptação ao nível competitivo internacional, os Lusitanos, derrotados em três jogos do seu grupo, conseguindo duas vitórias — uma delas só no prolongamento — contra equipas medíocres e que em nada contribuem para os objectivos deste tipo de competição, conseguiram um fraco e desanimador 5º lugar. Nos sub-20 fomos derrotados, num segundo ano consecutivo, pelos Países Baixos — o que não pode deixar de ser uma chamada de atenção a levar em conta. Levaremos?…

… o acesso ao Mundial da Austrália vai exigir vitórias portuguesas no European Championship e não bastará para garantir o apuramento os parabéns e as palmadas nas costas do pós-Mundial 2023 — são necessárias vitórias!

Claro que o “rugby-de-movimento” em que, desde há muito, assenta o jogo português é atraente para os espectadores que se mostram cada vez mais fartos do jogo de segurança de colisões sucessivas mas devemos também convir que a forma que utilizámos se adapta mal aos desenvolvimentos defensivos actuais, tornando este nosso jogo de apoio e continuidade pouco eficaz se não houver uma pouco repetível preparação de cerca de 4 meses como aconteceu para o Mundial — 6 ensaios marcados (1 Gales, 2 Austrália, 3 Fiji) contra 11 sofridos — como se pode ver com a prestação dos Lusitanos no Grupo A do Super Cup— 3 ensaios marcados contra 10 sofridos. Ou seja, para o apuramento não basta o que possámos ter mostrado. Precisamos da eficácia que produz vitórias.

E os resultados dos Lusitanos — que formam parte da elite de um país que se encontra na 13ª posição do Ranking da World Rugby são a clara demonstração de que o nosso campeonato interno tem uma enorme falta de competitividade com os desequilíbrios que o passado fim‑de‑semana deixou à evidência — diferença média de 37 pontos entre vencedores e vencidos.

Se a base do sucesso de um colectivo está na sua coesão seria bom que a organização interna da nossa competição principal garantisse a construção de uma competitividade tal que, desenvolvendo competências, não exigisse, para a prestação internacional, a muito difícil repetição de demasiado extensas concentrações de jogadores. Começando por pensar — analisando o que se sabe das relações no interior dos Lobos — que a coesão se constrói com relações assentes numa possibilidade fácil e clara de comunicação e em hábitos culturais do mesmo tipo. Ou seja: é bom pensar que a selecção nacional deve tender para um conjunto maioritário de jogadores que, embora possam estar a jogar em qualquer parte do mundo, tenham sido formados em Portugal — mesmo conhecimento cultural e dos mesmos hábitos —a que se possa juntar uma ou outra vedeta luso-descendente, então facilmente integrável.

Ora o que está internamente a passar-se, viola — numa pretenciosa ignorância — os princípios das regras da organização desportiva obrigatória no Desporto Rendimento, mostrando uma desatenção absoluta em relação à equidade da organização e articulações competitivas. E se já é difícil conseguir a competitividade necessária com 10 clubes na Divisão de Honra — a que prepara e fornece jogadores para as competições internacionais — pior é esta fórmula de disputa — para além de poder proporcionar “ajustes” ilícitos — com jogos adiados sem qualquer razão objectiva e desportivamente necessária. E assim temos uma classificação oficial que, impedindo o conhecimento da relatividade competitiva entre os diversos clubes, tem uma mistura de jogos disputados que nada tem a ver com as regras mais elementares do tratamento igualitário dos participantes de uma mesma prova desportiva — há quem tenha 9 jogos disputados enquanto que o líder tem apenas 7 e outros dois clubes só disputaram 6 jogos… (isto para além da classificação oficial apresentada no último Boletim Informativo que, aliás, nos aparece sempre com um atraso inexplicável, estar errada). Atingido o final da 1ª volta e não tendo a noção do valor comparativo das equipas, fica-se com a sensação que se joga por jogar e não para disputar um título de Campeão Nacional…

Para definir uma estratégia que nos leve à Austrália, não basta uma visão — é necessário estabelecer um conjunto de acções — com especial atenção às acções críticas (aqueles cuja positiva operacionalidade estabelece o sucesso) — que se articulem e obriguem ao constante desenvolvimento umas das outras. Campeonato sequenciado e com alta competividade obrigando a elevada intensidade, arbitragens de qualidade e de acordo com os parâmetros da arbitragem internacional a que se juntem conhecimentos de treinadores actualizados e cursos técnicos específicos para determinadas posições — o retorno da Força 8 é decisivo — serão alguns dos instrumentos que nos podem preparar o caminho mundialista. Para o que é preciso começar já! 

… o European Championship que vai qualificar para o Mundial, tem o seu início, que definirá os grupos decisivos para as duas voltas de classificação final em 2026 e 2027, no início de Fevereiro de 2024…

… e a questão operativa que se coloca aos responsáveis do rugby português diz respeito à transformação dos bens intangíveis resultantes do Mundial em resultados que ampliem os proveitos desportivos. Como fazer e como juntar as acções necessárias à missão pretendida? Qual a estratégia? 

Defini-la, estabelecendo e controlando as acções e as suas dinâmicas, é o primeiro passo para 2027.  


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