Não fosse lembrar-me que o meu amigo Dario gostava de bares e não se faria rogado a telefonar-me a "dar parabéns" a altas horas e teria, com aquele telefonema das 4 da manhã - hora a que nasci -, apanhado um enorme susto. Do outro lado da linha a voz suave e serena da minha amiga Maria João: "É agora! Liga o Rádio Clube! De que lado?", perguntei receoso de alguma aposta desesperada que, depois do 16 de Março, os duros do regime procurassem. "São dos nossos! passa palavra!"
Passei e entre saídas à proximidade do Rádio Clube Português a ver os soldados armados a perceber que estava dominado pelos revoltosos e as notícias da rádio e da televisão até ouvir: aqui Posto de Comando do Movimento das Forças Armadas, preparei-me para ir até ao Carmo onde assisti ao que foi importante - a saraivada de balas no muro do quartel e a saída dos governantes depostos com as mais variadas peripécias pelo meio. Uma festa! A terminar e com os amigos de sempre e a horas mais de jantar do que outra coisa, acabámos na tasca do Galego a deitar abaixo um branco de estalo que o homem lá tinha numa comemoração única de aniversário. Que dia!
No dia seguinte, o caminho indicava Caxias na exigência da libertação dos presos políticos.
Tínhamos jogo, a 27 de Abril e em Praga, contra a então Checoslováquia. Como se imaginará naquele início de malta na rua, numa anarqueirada louca, linda de morrer, naquela forma de ser, por dias, poder absoluto à moda de cada um, nunca mais me lembrei que havia jogo da Selecção com uma viagem pelo meio. Numa das passagens por casa - não havia telemóveis - um recado: não há jogo! o aeroporto está fechado.
Pronto, resolvido! o mundo estava na rua e abre-se na nossa frente! Mas guardei a camisola com o número 9 - é verdade, iria jogar a médio-de-formação - e ainda hoje a tenho na gaveta das memórias.
O CDUL, onde jogava e era capitão, não tinha um formação disponível e eu tive, capitão obriga, que ocupar o lugar. Treinei o suficiente e não me saí mal - fomos campeões nacionais e fui convocado para jogar, nessa posição, na selecção nacional. Por não ser esta a minha posição habitual e também pelas razões da sua não utilização, esta camisola 9 tem um valor especial. Está guardada e lembrar-me-á, para sempre, os momentos épicos e generosos do 25 de Abril.
Também não imaginei que esse inexistente Checoslováquia-Portugal seria - embora ainda tivesse sido convocado e nomeado capitão de equipa para a digressão a Inglaterra que uma lesão, num último treino, impediu - a minha última possibilidade de internacionalização. E foi assim porque surgiu a ignorância de uns mandantes federativos que, limitados à visão dos que, não conseguindo entender e resolver o presente, se refugiam nas fábulas do futuro, resolveram inventar: terminaram com a participação internacional sénior. Levamos, ao contrário do que acontecia então nas mais diversas actividades do país, cinco anos a voltar à cena internacional sénior. E sete às competições da FIRA.
Ficou-me a camisola 9...