Há pouco tempo li, no jornal francês de referência rugbística "Midi Olympique", um artigo de página inteira - o jornal é editado em formato standart - e onde se analisava o resultado de uma nova Lei do Jogo que tinha já alguns meses (início da época?) de aplicação.
O artigo escrevia sobre uma alteração à duração das linhas de fora-de-jogo nos rucks. A nova Lei de Jogo determina que as linhas de fora-de-jogo se mantêm até que um jogador (na maioria dos casos, mas não necessariamente, o médio-de-formação) levante a bola do chão e não, como até aí, quando tocasse na bola. Esta transformação traz implicações: atrasa a saída da defesa, aumentando o tempo disponível para o "abertura" atacante e exige um "formação" mais passador - rápido no passe - do que corredor. E aquele já usual passo atrás dado para ganhar espaço e tempo aos defensores deixa de ser necessário, podendo jogar-se mais próximo da "linha de vantagem", diminuindo as vantagens da defesa e dando mais hipóteses ao ataque. Daí que deixe de ter a importância que já teve a dimensão física e capacidade de choque e haja de novo, concluía o artigo, uma aproximação ao "formação" clássico.
Apesar de ser claro que assim já se jogava no campeonato francês achei estranho não ter conhecimento de nenhuma alteração das Leis do Jogo sobre esta matéria. Estranho, pensei - como é que deixei escapar uma alteração destas? Procurei saber, na Federação, se havia recepção desta alteração e como tinham feito a comunicação a treinadores e a clubes. Tudo vasculhado, mails, pastas em computadores, memórias de cada um: nada! Não havia conhecimento de qualquer alteração.
Com cópia do artigo do jornal francês perguntou-se à IRB: que significado tinha "aquilo" se nós, rugby português, não sabíamos de nada? A resposta chegou dias depois: que sim, que tinha havido alteração e que, nos próximos tempos, iriam colocá-la no site oficial da IRB. Nos próximos tempos?! Quer dizer: sem qualquer respeito, o órgão responsável pelo rugby mundial tinha decidido uma alteração - com influências óbvias no desenvolvimento do jogo - que não tinha comunicado a todos os membros que constituem o corpo que comanda. Ou seja, comunicaram apenas, presumo, aos da "casa" - os 10 mais - e não quiseram - numa característica atitude dos tempos imperiais - saber da centena dos outros. É aquilo que se pode chamar de preocupação pelos vital few e ignorância dos trivial many.
No recente Europeu de Sevens de Sub-19 um árbitro internacional português interpretou correctamente uma situação passada em campo: pontapé de 22 que, provavelmente pelo muito vento, acabou por sair pela "linha de fundo" do outro lado da campo. Como manda o Art.º 13.15 BOLA PONTAPEADA PARA A ÁREA DE ENSAIO NO “PONTAPÉ DE 22” na sua alínea:
(b) - Se a equipa adversária faz um toque-de-meta, faz com que a bola fique morta, ou esta fica morta por tocar ou atravessar a linha lateral de ensaio ou a linha de fundo, aquela equipa tem duas opções à sua escolha:
- pedir uma formação ordenada no centro da linha de 22 metros de onde foi executado o pontapé, beneficiando da introdução; ou
- mandar repetir o "pontapé de 22".
Após pergunta e decisão do capitão de equipa não executora, o árbitro decidiu em conformidade: formação-ordenada sobre a linha de 22 onde tinha sido realizado o pontapé com introdução para a equipa que não tinha dado o pontapé.
Para espanto de todos, o árbitro levou uma reprimenda do elemento da FIRA responsável pela arbitragem do Torneio porque tinha cometido um erro infantil. Que não! Foi-lhe dito e mostrado. Que sim e não havia mais discussão!, impôs. Perguntámos a quem de direito e temos a absoluta certeza que o árbitro português interpretou bem a situação e que apitou segundo as regras. Mas o presunçoso dirigente - foi ele que definiu que o "nosso" Roham Hoffman - hoje árbitro profissional do Super XV - não teria qualquer hipótese de vir a ser árbitro capaz...- continuou, num claro abuso de poder, a considerar erro, ignorando a evidência das Leis do Jogo.
Vivemos assim entre abusos a que ninguém parece querer pôr cobro e falhas de transparência que permitem a decisão arbitrária ao sabor de interesses que também ninguém parece querer desmontar. Sempre em prejuízo dos pequenotes que parecem destinados a figurantes de corpo de baile.
Veja-se outro exemplo: as "meninas" do rugby português, depois de um excelente 4º lugar na 1ª etapa do Europeu de Sevens, preparam-se para jogar a 2ª etapa em Brive com hipóteses de luta pelo apuramento para o World Series feminino. Mas, espantosamente, não é ainda do conhecimento geral quais os critérios de classificação que serão utilizados: oficialmente, no seu site, a FIRA nada diz. Mas pior, existem informações contraditórias: que estão três equipas já apuradas para o Qualifier de Setembro e que duas outras ainda se podem qualificar; que estão três qualificadas já para o World Series feminino e que duas outras irão poder qualificar-se enquanto que as duas equipas seguintes serão apuradas para o Qualifier de Setembro. Ou seja: numa versão, serão cinco equipas europeias a disputar o Qualifier de acesso ao World Series; na outra serão cinco as equipas europeias que se classificarão para o Women World Series e duas outras que disputarão o Qualifier... Substancialmente diferente, não? Em que ficamos? E quando o saberemos? No final do torneio?
Como se não bastasse o rugby ser um jogo complexo e exigente ainda é preciso encontrar capacidades para conseguir ultrapassar as prepotências que o alto da burra, onde se sentam funcionários dos organismos internacionais, permite.
A versão filhos e enteados exige aos pequenotes um esforço superior para chegar aos ambicionados níveis mais elevados. Vale-nos o tremendo gosto pelo jogo.