quarta-feira, 4 de outubro de 2017

DE QUE NOS SERVEM ESTAS IDEIAS?

Começou o Campeonato Nacional de Primeiro Escalão Competitivo Sénior - o CN1. Não sendo a designação de grande felicidade, tem a vantagem (enorme, diria eu) de ter deitado fora a designação de Divisão de Honra, permitindo assim a clareza da segunda divisão deixar de ser conhecida por Primeira Divisão.
O Campeonato começou mas não começou bem - jogos sem árbitros por faltas de pagamentos anteriores (o actual regulamento no ponto 1 do seu  Artigo 10º, indica que são os clubes da CN1 que têm a seu cargo as despesas referentes à arbitragem), continuidade dos desequilíbrios com todos os jogos a terem vencedores por 15 ou mais pontos - com mais de 15 pontos de diferença o vencedor, no ranking da World Rugby, é majorado 1,5  vezes - e dois dos jogos a mostrarem a enorme diferença entre o nível principal e secundário.
Sendo estranha a fórmula encontrada para reduzir o 1º nível de 10 para 8 equipas - aumentar para 12 para reduzir a 6 na presente época e chegar a oito na próxima época - não será também a solução mais eficaz para garantir o equilíbrio competitivo da próxima época.
Aliás a fórmula encontrada tem um perigo evidente! Porque permite recursos pouco desportivos e sem garantia de sustentabilidade actual e futura. Definindo que os dois primeiros classificados de cada uma das três séries formarão a CN1 desta época, acrescentando para a próxima - 2018/2019 - duas equipas, fica estabelecido que equipa que consiga agora o seu apuramento, ficando até ao 2º lugar de cada série, terá garantida a manutenção no Primeiro Escalão na época 2018/2019. Ou seja, a exigência competitiva desta época situa-se na disputa das curtas séries da Fase de Apuramento, tornando-se diminuta na Fase Regular porque uma equipa que perca a possibilidade de atingir um dos quatro lugares não tem qualquer necessidade de garantir o seu desenvolvimento competitivo. E assim sendo - e porque a Fase de Apuramento termina a 2 de Dezembro - pode surgir um factor distorcivo: recurso a jogadores estrangeiros durante este curto período - e apenas nele - para garantir a qualificação. Porque o resto já não conta ou conta muito menos.
Não satisfeito com esta possibilidade distorciva, o Regulamento do Primeiro Escalão Competitivo (RPEC) impõe mais. 
Começa desde logo, ignorando a prática federativa vigente desde 2010, por permitir que treinadores de Grau II possam ser responsáveis por equipas de 1º nível. Existindo, na lista da FPR, 54 treinadores certificados com o Grau III, abrir ao grau técnico inferior representa uma absurda menor exigência de conhecimento, experiência e capacidades para os responsáveis coordenadores e supervisores do treino das equipas de élite do rugby português. Principalmente se o objectivo é o de conseguir - será? - resultados internacionais que nos coloquem de novo no patamar a que pretendemos pertencer. Pergunta-se: faz então algum sentido permitir a diminuição da qualidade técnica dos treinadores das equipas onde actuam os jogadores seleccionáveis para a principal equipa nacional representativa? 
Há anos a FPR teve que responder em Tribunal pelo facto de considerar - em defesa das selecções nacionais - que, cada equipa, não poderia ter, em simultâneo e no campo de jogo, mais do que três jogadores não seleccionáveis por Portugal. Do Tribunal veio a apreciação que nada de ilegítimo existia nesta obrigação. Obrigação que, em documento da responsabilidade de um grupo de trabalho nomeado pela Secretaria de Estado do Desporto e Juventude para estudar a questão da protecção das selecções nacionais e datado de 2011, foi assim caracterizada: “Um bom exemplo disso é o caso da Federação Portuguesa de Rugby. As equipas poderão utilizar jogadores estrangeiros, em número indeterminado, mas não mais de três em simultâneo em campo […]”
Vá lá saber-se porquê, tudo mudou com as decisões da direcção da FPR* que agora, definindo em três alíneas, permite um número ilimitado de jogadores de origem comunitária ou equiparados, um número de 4 jogadores não seleccionáveis em simultâneo em campo para 6 nos 23 lugares da folha de jogo, obrigando apenas a 6 jogadores formados localmente em simultâneo no campo (que, por casualidade, podem também ser estrangeiros por não terem a nacionalidade portuguesa) e permitindo 10 nas folhas de jogo. Ou seja: qualquer equipa se pode apresentar para um jogo com, pelo menos, 13 jogadores estrangeiros e não seleccionáveis - lembre-se que a nossa legislação, ao contrário de diversos países, exige a nacionalidade portuguesa para a representação nacional, ficando assim anulada qualquer decisão temporal determinada pela World Rugby. Repita-se que os jogadores formados localmente não têm, necessariamente, de ser portugueses, isto é, seleccionáveis. Não se percebe a vantagem mas vêem-se, à vista desarmada, as desvantagens...
Para além de abrir a porta ao prejuízo das selecções nacionais portuguesas e ao eventual comando desportivo interno pela capacidade financeira, abre-se ainda - numa altura em que aumenta o conhecimento da manipulação de resultados desportivos - a porta a uma entrada de estrangeiros - provavelmente a preços convidativos - que, mesmo se comunitários, podem não ser mais do que paus mandados dos diversos e clandestinos sistemas de apostas. E não se diga - com aquele ar costumado de que pertencemos a outro imaculado mundo - que “Isso não acontece no Rugby!”. Porque os relatórios policiais europeus dizem outras coisas…
Portanto esta nova época não começa da melhor maneira com um regulamento (RPEC) que estabelece:
  • um campeonato com uma fase de Apuramento de tal maneira curta que os resultados desportivos podem ser distorcidos; 
  • uma fase Regular - rapidamente passada a quatro interessados e onde apenas estará em disputa o 1º lugar - de pouca competitividade;
  • um desnecessário abaixamento técnico pela permissão de treinadores de Grau II enquanto responsáveis pelas equipas da élite rugbística portuguesa;
  • uma imposição de pagamento aos árbitros por parte dos clubes de que não se vê resultados mas se notam consequências;
  • uma excessiva permissão de jogadores estrangeiros que podem, assim, criar problemas às selecções nacionais seniores para além de poderem tornar-se num gasto desmesurado que irá criar óbvios problemas financeiros à área de desenvolvimento dos clubes...se não representarem perigo maior.
… e a distorção desportiva pode ser ainda maior ao colocar, no poderio financeiro e não na sustentabilidade da formação desportiva, a chave do sucesso. O que nada augura de bom para o desenvolvimento do rugby português!…
… que corre o risco de retorno aos tempo das trincheiras.  E o futuro, que parece ali, passa a longínqua miragem.  
* Curiosamente, mas anacronicamente face ao que agora pretendem, este conceito prevalece no actual regulamento da Taça Europcar Challenge.   

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