terça-feira, 2 de junho de 2020

ALTERAÇÕES QUE NADA ALTERAM

COVID_19 Temporary Optional Law Trials, May 2020
As 10 Leis Opcionais Temporárias propostas pela World Rugby para fazer face à COVID-19, para além de mostrarem o princípio do fim do maul, não resolvem o problema fundamental: o jogo do Rugby não é — por mais que nos possa custar — compatível com a existência de possíveis infecções que se transmitam pelo ar que respiramos. Ou seja: o Rugby que conhecemos não pode e não deve ser jogado antes da existência de vacinas ou medicamentos que controlem a propagação da COVID-19 com excepções de poucos casos pontuais. Casos esses que exigem um controlo constante, testando sistematicamente os protagonistas em momentos muito próximos do jogo e obrigando, provavelmente, a pedidos de quarentena de todos os agentes intervenientes. Situação, portanto, só possível para grupos restritos e determinados, isto é, para um reduzido grupo de Alto Rendimento que, jogando em estádios sem público, verão o seu jogo ser transmitido para as televisões de todo o mundo, potenciando assim receitas que ajudarão a modalidade a ressurgir no pós-pandemia. É o que vai acontecer na Nova Zelândia a partir do dia 13 de Junho com 5 equipas constituídas pelos melhores jogadores neozelandeses — as "franquias" — a disputarem um torneio designado por Super Rugby AOTEAROA que durará 10 semanas com 20 jogos, envolvendo entre 150 a 200 jogadores num universo de 150 mil jogadores e num país que, até agora, teve apenas 4 óbitos por milhão de habitantes (em Portugal existem, para o mesmo milhão de habitantes, 141 óbitos).

A World Rugby que tem produzido alguns documentos normativos para o retorno do jogo, decidiu através do seu grupo Law Review Group, introduzir 10 alterações experimentais às Leis do Jogo para o adaptar à actual situação pandémica. Mas não creio que tenham conseguido alterações eficazes — se é que, mantendo o jogo como o conhecemos e para além de um ou outro pormenor, o jogo pode ser adaptado... porque:
  • A Formação Ordenada, ultrapassando a visão imediatista de uma prova de força, é essencial para, juntando 18 jogadores dos 30 em campo numa reduzida área, permitir terreno livre para que os ataques tenham espaços para ultrapassar as defesas — e é por assim ser que se considera que uma equipa capaz sabe ser eficaz no 1º tempo de jogo. Mas a Formação Ordenada é também o principal factor de risco numa situação como a actual — de facto, 14 jogadores respiram o ar uns dos outros a poucos palmos de cada cara;
  • Afirma a World Rugby que, com as suas propostas, diminuirão o número de Formações Ordenadas. Claro que sim uma vez que não se efectuarão repetições de FO (substituídas por pontapés-livres), não haverá opções por FO nos pontapés de penalidade ou livres nem haverá FO a 5 metros da linha-de-ensaio por eficácia defensiva sobre o portador da bola ou por este ter deixado cair a bola substituída por um pontapé-de-ressalto sobre a linha-de-ensaio — por acaso idêntica ao Rugby League...).
Mas estas alterações não retirarão a FO do jogo, portanto, mais do que fazer diminuir o risco de contágio, limitam-se a diminuir o desgaste físico dos avançados... Ná... o elevado risco de contacto com infectados continua lá.

E inventaram ainda um "pé-travão" do talonador cuja função é, dizem, equilibrar a formação-ordenada — não percebo a função (uma vez que continuam a existir pilares) e, pior!, não vejo como poderá ser arbitrado, tornando-se mais uma zona de discricionariedade. E também receio que venha a provocar lesões ao único jogador que tem, para além de exercer força, a obrigatoriedade de se movimentar.

Para evitar o contacto provocado nos Mauls, principalmente nos Alinhamentos, propõem que só possam formá-lo os jogadores que já lá estejam... De imediato se pode perceber que 4 jogadores estão em condições de pertencer ao Maul... mas um 5º jogador torna-se em mais um problema para o árbitro: chegou antes ou só depois? Tacticamente este conceito vai estabelecer, através de um inicial "pass and go" uma série de rucks porque será necessário concentrar jogadores defensores. Dir-se-á: é mais interessante do que o fu...ing rucking maul. Certo, mas o contacto próximo e com duração não foi evitado... e o vírus pode estar lá.

E já não vale a pena falar no Cartão Laranja porque exige vídeo-árbitro e não se aplicará aos jogos em Portugal. Já a designada choke-tackle — essa espécie do velhíssimo "tenu"  — uma situação que tem por objectivo manter o portador da bola de pé para que possa ser criado um maul mas, com a bola "asfixiada", isto é, não jogável, procurando a equipa defensora conquistar a introdução da bola na FO subsequente e que pretendem que passe a placagem para obrigar o portador da bola a jogá-la ou largá-la, faz-me uma enorme confusão. Não lhe vejo utilidade: se agarrar ao pescoço, gravata, é falta; se o agarrar daí para baixo só se torna placagem, de acordo com as Leis do Jogo, se o portador-da-bola e placado forem, conjuntamente, ao chão. Então para quê mais confusão?

De todas estas pretendidas alterações ressalta, para além do sofisma em que assenta, uma evidência: o resultado dos jogos vai ficar mais dependente do critério dos árbitros. O que é um disparate! Vale que deverão ter a vida curta: a Nova Zelândia, a Inglaterra e Gales já disseram que não aplicarão nenhuma das propostas.

Espero que aqui em Portugal também não sejam aplicadas — porque induzem a uma falsa sensação de segurança e a realidade deve ser esta: o Rugby não pode ser jogado enquanto o controlo da pandemia não for absoluto. Para bem de todos e da nossa saúde.

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