quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

O QUIM PEREIRA FAZIA ANOS HOJE

O Quim fazia hoje 84 anos. Infelizmente, deixou-nos antes de o podermos comemorar...

Tive com o Quim uma relação de profunda amizade construída na relação de jogadores de uma mesma equipa — CDUL —e com uma mesma visão rugbística, entre o treinador que ele era e o jogador que eu fui e entre o treinador que sou e o jogador que ele foi. Ou seja: jogamos juntos, ele foi meu treinador e eu fui seu treinador num ciclo invejável. A sua última selecção foi, comigo a seleccionador, contra a Espanha em 1984 — tinha então 46 anos! E jogou pelo CDUL até aos 50. Uma força da natureza.

E tivemos diversas aventuras nas viagens pelo país fora. Numa delas, numa vinda de um jogo em Coimbra já depois do jantar e de uma cervejolas no clube, ficámos sem gasolina no carro — o Quim tinha-se esquecido de verificar o depósito... Já era noite e com o carro parado na estrada, só víamos faróis aos quais acenávamos a ver se alguém parava... Parou um e quando explicávamos que éramos dos rugby e tínhamos ficado sem gasolina ouvimos um "Do Rugby?! Você é o Quim Pereira, não é?" e tivemos a oferta do Joaquim Meirim, treinador de futebol, que, com toda a simpatia, nos disponibilizou toda a gasolina que precisássemos. Uma sorte!

Recordo também e sempre os seus telefonemas quando estava na tropa: “Podes vir jogar no domingo?”. E quantas vezes, de serviço, mas com o apoio do “sargento-de-dia” vinha de Tancos a Lisboa numa ida-e-volta com jogo pelo meio. Belos tempos passados em treinos, em viagens, em jogos, em recuperações à mesa e sempre com o Rugby como tema.

O Quim foi, no rugby português e numa longevidade ímpar, um “homem dos sete ofícios”: jogador internacional, formador de centenas de jogadores, jogador-treinador, treinador-jogador, treinador de selecções jovens, adjunto de selecções nacionais.

Como jogador, foi 17 vezes internacional a ponta, terceira-linha e pilar (a ponta foi uma maldade que lhe fizeram: como era grande e forte podia parar os “monstros” dos romenos...). No CDUL, onde participou na conquista de 11 campeonatos nacionais,  tinha a qualidade de obrigar os companheiros a darem o seu melhor nem que fosse com uma palmada disfarçada — pedagógica, dizia — numa qualquer molhada, de “agressão do adversário” — “Então já te deram e tu ficas-te?!” perguntava com um ar mal disfarçado de brincadeira. E nunca saiu do campo zangado fosse com quem fosse.

Nuns tempos em que ainda havia muito de “postes às costas”, o Quim Pereira foi, pelos processos e métodos utilizados, um modernizador do rugby português. Com ele houve um salto do “vamos lá
jogar” para uma organização relacionada com o Desporto de Rendimento que o Rugby português haveria de percorrer. 

O Rugby Português em geral e o CDUL em particular devem muito ao Quim. O CDUL porque foi ele que, durante anos e alguns deles muito difíceis no pós-revolução de Abril, o manteve vivo, na permanência como clube rugbísticamente qualificado. A sua mala do carro foi, ao longo de anos, a secretaria do clube. Aí se guardavam todos os documentos como as fichas e licenças dos jogadores, os equipamentos e as bolas. Em dia de jogo era, depois de ter passado na lavandaria e de definir a equipa, abrir a mala, retirar as licenças, preencher o boletim-de-jogo, distribuir os equipamentos, pegar nas bolas, fechar o carro e ir para o campo para jogar. Mas os trabalhos do Quim não acabavam aqui, se ao sábado eram seniores, ao domingo eram juniores. E os treinos, para uns e outros e numa sequência constante, eram quase todos os dias da semana...Uma vida dedicada ao Rugby.

Nuns tempos em que ainda havia muito de “postes às costas”, o Quim Pereira foi, pelos processos e métodos utilizados e para além do contributo para a formação humana, desportiva e cívica de centenas de jovens, um modernizador do rugby português. Com ele houve um salto do “vamos lá jogar” para uma organização relacionada com o Desporto de Rendimento que o Rugby português haveria de percorrer.

Para o Rugby, o Quim Pereira não morreu, mantém-se e manter-se-á vivo na nossa memória como um dos mais distintos praticante e educador. Um inesquecível!

Tão inesquecível que o seu nome — Quim Pereira, assim dito e assim escrito — deveria ser dado ao novo Campo 2 do Estádio Universitário.

(A base deste texto foi publicada neste blog em 12/04/2019 quando da sua condecoração pelo Governo português com a Medalha de Mérito Desportivo)

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