domingo, 23 de junho de 2013

TÉCNICA, TÁCTICA E ESTRATÉGIA

A principal razão porque, antes do hino australiano, não se ouviu o "God save the Queen" no jogo Austrália-Lions é simples: a denominação completa dos Lions é British and Irish Lions. O que significa que para além das três rugby unions da Grã-Bretanha engloba também  a Ireland Rugby Football Union (IRFU) que é formada pelos 32 condados das províncias de Leinster, de Ulster, Munster e Connacht que constituem a britânica Irlanda do Norte e a independente República da Irlanda que não está, como a sua denominação indica, subordinada à Coroa britânica. Assim sendo, com republicanos à mistura, o hino monárquico de saudação à Rainha é inaplicável e não constitui qualquer surpresa não ter sido ouvido antes do jogo.

Não tendo hino para cantar, os Lions ouviram o "Advance Australian Fair" - apesar da Austrália reconhecer Isabel II como sua Rainha tem hino próprio sem saudações monárquicas - tiraram os casacos e prepararam-se para jogar. E se é verdade, como o sublinhou o Presidente do Comité Olímpico de Portugal em recente conferência, que o Desporto é, actualmente, o principal responsável por que as pessoas cantem, colectivamente, os seus hinos nacionais, cantar o hino - por maior determinação que se coloque na sua expressão - não faz uma equipa melhor do que ela é: trata-se apenas de um momento de partilha, de comunhão, de pertença, uma demonstração de identidade colectiva. Mas a capacidade de jogar pertence a outra dimensão. E por isso, sem hino cantado, os Lions puderam jogar como uma equipa..

... acabando, com a incrível sorte de verem Murtley Beale falhar dois pontapés no final do jogo depois de O'Connor ter deitado fora oito pontos em três pontapés, por vencer 23-21. Mas houve um ensaio - notável momento de George North com corrida de sessenta metros e ultrapassagem de quatro defensores australianos - de encher os olhos num jogo duramente disputado e que não fugiu às expectativas de equilibrado combate que recaiam sobre ele. Foi um jogo de grande espectacularidade, de grande emoção e com momentos de grande categoria... a rever no próximo sábado.

Mas enorme, numa notável expressão do que significa espontaneidade e imaginação enquanto atributos que devem compor a utilização da bola, foi a construção de Genia para o primeiro ensaio australiano. Numa demonstração de inteligência táctica, Ginea, jogando rapidamente uma penalidade, soube, numa continuidade de tomadas de decisão a alta velocidade - só possível a eleitos - ir colocando problemas á defesa que foi abrindo caminho, tentando tapar o centro do terreno onde havia australianos e libertando o exterior de defensores. No tempo justo e em pontapé rasteiro, Ginea entregou a bola ao já isolado ponta Folau que, olímpico, marcou. A inteligência em movimento, a adaptação permanente à situação. Uma lição de bem jogar.

Da mesma inteligência se pode falar sobre Conrad Smith que, em outro jogo e do lado neozelandês, voltou a dar uma lição de cultura táctica, jogando, fazendo jogar, surgindo onde é necessário e sempre com o mesmo sentido: avançar no terreno - não conheço melhor centro, nem colectivamente mais eficaz, do que ele.

Neste Nova Zelândia-França, perdido pelos franceses por 24-9, ficou, embora com melhoria gaulesa nomeadamente nos alinhamentos, na formação ordenada e na defesa colectiva, demonstrado o que já se sabia: há falta de eficácia no uso da bola na equipa da França. São questões técnicas e tácticas, se não mesmo estratégicas, que estão por trás da falência do modelo pretendido por Saint-André. E de nada serve ter posse da bola se não se consegue avançar no terreno com a determinação de marcar ensaio! Ou dito de outra maneira: se não há capacidade - como é apanágio das grandes equipas - de aproveitamento eficaz dos tempos fortes... e, no quinze francês, não há! Que é o que se vê do lado All-Black, cada vez que têm a bola em seu poder só uma ideia lhes parece passar pela cabeça: ENSAIO! Veremos a 9 de Novembro, próximo jogo entre as duas equipas, o que aprenderam os franceses com os erros cometidos.

Em ambos os jogos - e também no embora mais desequilibrado África do Sul-Samoa - ficou clara a importância do jogo ao pé ofensivo profundo, alto ou baixo mas longo, no curto ou rasteiro mas com uma mesma preocupação: colocar problemas de difícil resolução aos defensores para assim conquistar terreno e retirar o conforto da profundidade defensiva aos adversários. Nestes jogos, raros - raríssimos - foram os pontapés a aliviar: em todos eles há uma intenção táctica que permite a leitura imediata, numa percepção da ocupação do terreno e das linhas de corrida a considerar, para que seja desencadeada uma pressão eficaz. E os passes? De todas as formas e feitios e se longos, sempre tensos a lembrar que a bola anda mais depressa do que o jogador, garantindo assim que o espaço livre visível continua livre para ser ofensivamente ocupado.

Também foi notório o recurso aos pontas que, quais jokers de cada movimento, apareciam onde menos se esperava. Esta tendência traduz o facto de serem hoje os pontas, ao contrário do defesa, os que mais dificuldades colocam à marcação directa dos adversários. Porque se estes os acompanharem, deixam espaços abertos que podem ser ainda mais difíceis de cobrir. E a exploração desta dicotomia obriga a que o defensor se veja na contingência de sair da sua zona de conforto - o que é sempre um problema. Em qualquer dos jogos viu-se também a importância fundamental do jogo no chão e da vantagem táctica imediata de aí conseguir conquistar a bola ao adversário (turnovers). Por outro lado a formação ordenada continua a ser uma componente preponderante do jogo com objectivos claros: bola ganha com a defesa apoiada no pé de trás ou levar o bloco adversário a cometer falta - e pode ver-se as demonstrações de alegria dos jogadores quando do domínio nesta área.

No último jogo do dia, a Inglaterra, derrotando o País de Gales por 23-15, sagrou-se campeã mundal de Sub-20 - IRB Junior Word Championship - com todo o merecimento ao fazer a demonstração de um teorema conhecido: os avançados ganham os jogos, os três-quartos dizem por quantos. Os ingleses, na 2ª parte, venceram todas as batalhas: no chão, nas formações, nos mauls ou na ocupação. E Gales que começou muito bem, não teve resistência capaz para manter a liderança. Mas o jogo, entusiasmante, de grande combate, não foi táctica ou estratégicamente diferente dos jogos dos mais velhos que vimos este fim‑de‑semana. O que significa que o rugby de melhor nível, joga-se assim. Com a simplicidade das coisas bem feitas.

Arquivo do blogue

Quem sou

Seguidores