segunda-feira, 19 de outubro de 2015

RUGBY CHAMPIONSHIP EM LONDRES

As quatro equipas que constituem o Rugby Championship do Hemisfério Sul qualificaram-se para as meias-finais do Campeonato do Mundo 2015 que se realizarão no próximo fim-de-semana em Londres e  demonstraram à evidência uma regra do Desporto de Rendimento: o nível habitual das competições define a capacidade dos jogadores.
Os jogos foram bons e de grande intensidade - mesmo o desequilibrado Nova Zelândia-França teve momentos de se lhe tirar o chapéu. Por parte dos All-Blacks, claro.
A Argentina surpreendeu pela facilidade - mais aparente que real - com que construiu o resultado para derrotar a Irlanda recente vencedora do Europeu das Seis Nações. Mas a maior surpresa surgiu na forma como os argentinos encararam disciplinarmente a pressão imposta pelo adversário, ficando-se apenas por um cartão amarelo - mesmo se o árbitro foi simpático ao não mostrar um segundo que se traduziria em vermelho. E esse comportamento esteve na base da sua vitória - não há vitórias a este nível sem disciplina individual e colectiva.
A vitória da Argentina foi merecida e o seu desempenho foi de grande categoria ao fazer jus ao conceito de que o ataque é a melhor defesa, atacando a bola, atacando o espaço e vencendo os duelos da colisão. Uma alegria merecida para o trabalho e convicções de Daniel Hourcade.
Os All-Blacks cilindraram os franceses e puseram a imprensa gaulesa em alvoroço. Alguns perguntam mesmo se as duas equipas jogaram o mesmo jogo. E não deixa de ser intrigante - ou pretensioso apenas - que Saint-Andre tenha preparado a sua equipa para desafiar os neozelandeses no âmbito do conceito do "jogo de movimento". Como os franceses, no dia-a-dia do seu campeonato, já há muito lhe perderam o hábito, foi o que se viu: fogachos sem consequências. E foi tão mau que melhor fora que continuassem com o equívoco do jogo à moda sul-africana...
De facto o conseguido pela França não estaria muito longe do esperado como resultado de um processo interno desajustado à competição internacional - foco apenas no interesse de cada clube, tornado espécie de feudo e indiferença pelo representação nacional. Que, no entanto, enche os oitenta mil lugares do Stade de France. Mas que vem perdendo capacidade competitiva ao longo dos últimos anos: na era Skrela/Villepreux teve 64% de vitórias, com Laporte 63%, com Lievremont 60%, para cair em 45% sob a responsabilidade de Saint-Andre. E com o cúmulo de, nos seus quase 300 000 federados, ter de utilizar jogadores estrangeiros - 3 sul-africanos e um figiano - para formar a selecção nacional. Muito provavelmente esta derrota - ou pelo menos assim esperam aqueles que se lembram da qualidade do movimento do "french flair" - irá obrigar a repensar a organização, os objectivos e a focagem do rugby francês e a sua inserção no espaço europeu. Se assim fôr, a derrota constituirá um novo princípio que o rugby europeu agradecerá.
Quanto aos All-Blacks, estou com Clive Woodward: é um prazer vê-los jogar. Tudo na sua acção se move de acordo com os Princípios Fundamentais que formatam o jogo. E, pela formação que recebem, mostram que de cada especialista que as posições na equipa exigem nasce um polivalente capaz de se adaptar a cada situação de acordo com a posição no campo que ocupa a cada momento. E assim transformam o jogo, numa constante demonstração de apoio e convergência, numa permanente surpresa para adversários e delicia espectadores levando-nos a aproximar dos processos em que se baseiam. Com a clara certeza de que a bola viva cria mais problemas aos defensores que uma qualquer queda seguida de ruck.
Os jogos mais equilibrados tiveram como adversários Gales e a África do Sul e a Austrália e a Escócia. E se no primeiro o equilíbrio era reconhecido, no segundo, a Escócia esteve a um passo de conseguir uma surpresa formidável, explorando muito bem as dificuldades australianas de, sob eficaz e agressiva pressão escocesa, desenvolver o seu jogo de fases à largura do terreno de jogo e à espera da desorganizar a defesa adversária para explorar os desequilíbrios. Quanto a Gales - que ainda não é uma grande equipa por demasiado dependente de uma estrutura previamente estabelecida que a impede de se adaptar em tempo útil (veja-se o 15 contra 13 no jogo com a Austrália) ao situação do adversário, não conseguiu, pese as oportunidades de ensaio, ultrapassar o poder corrosivo da equipa sul-africana. Um pouco mais de liberdade de movimentos e aceitação do risco de acções individuais - só Biggar parece, de momento, disso capaz - poderão trazer Gales de novo para o pódio do rugby internacional. Mas foram uns heróis na capacidade defensiva montada por Shaun Williams - a terceira linha fez 59 placagens a que se juntam ainda 19 do base Wyn Jones
Apesar dos erros dos árbitros que tiveram influência nos resultados - Barnes não viu os mergulhos de dois sul-africanos no ruck e entregou-lhes a introdução da formação ordenada, que permitiu o ensaio da vitória; Joubert não percebeu (para além do fora de jogo australiano num alinhamento rápido no final da 1ª parte) que a bola terá tocado em último lugar num australiano e portanto não terá havido fora-de-jogo escocês e a penalidade que permitiu a vitória não deveria existir - e admitindo que estes erros são sempre possíveis mesmo com TMO, os jogos terminaram com vencedores e derrotados. Uns seguem e outros voltam a casa. 
Facto, facto, é que, quer Gales, quer a Escócia, tiveram a vitória nas mãos e deixaram-na fugir por entre os dedos com erros grosseiros. Mas no final do jogo com o oxigénio a rarear para manter a lucidez cerebral e quando os jogadores já se encontram no limbo do modo piloto-automático, estes erros acontecem. E definem, quantas vezes, um jogo. 
Principalmente se - como também aconteceu com a Inglaterra que na última oportunidade de marcar pontos utilizou o primeiro saltador para captar a bola no alinhamento e assim facilitar a defesa galesa que empurrou o maul para fora - as coisas não foram previstas, conversadas e treinadas. A Escócia a vencer o jogo e nos minutos finais teve um pontapé livre que deveria ser chutado comprido e para fora, ganhando assim tempo, terreno nas costas e organização; chutou de facto comprido mas para dentro do campo permitindo que o contra-ataque australiano voltasse ao meio-campo escocês. Não satisfeita com isto ainda decidiu lançar a bola no alinhamento que se seguiu para o final e não para o seu melhor saltador para garantir conquista e controlo. E o resultado foi um falhanço, penalidade e derrota.
No 89 para a esquerda que se seguiu à rotação da formação ordenada sul-africana, o ponta galês Cuthbert em vez de se manter no seu corredor defensivo, dando tempo para a recuperação da organização defensiva da sua 3ª linha e uma vez que o seu médio Lloyd Williams mantinha o Nº8 Vermulen seguro por uma perna, impedindo-o de avançar, resolveu ir "ajudar" o seu companheiro num monumental erro de apreciação de que resultou um (brilhante) passe em carga, corrida de Du Preez em corredor livre, ensaio e vitória! E tudo poderia ser diferente se Cuthbert tivesse aguentado o seu tempo de acção onde já contaria com Tipuric ou Faletau a fechar o espaço.
Ou seja, mesmo que tenha havido erro dos árbitros e por mais que custe aos adeptos - a de Gales, custou-me - a derrota nos momentos finais, apenas resultaram de erros das equipas. Resultantes das vicissitudes do próprio jogo. Venham as meias-finais.

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