Terminada a fase de Grupos - excelente, aliás - a fase da verdade do "bota-fora" vai começar com muito boas perspectivas de interessantes jogos.
Da primeira fase ficam-nos momentos memoráveis: a inesperada e notável vitória do Japão sobre a África do Sul com a decisão-limite de ir à procura do ensaio e que marcaria, para o bem e para o mal, as decisões de outras equipas; a vitória de Gales sobre a Inglaterra numa demonstração de que o "fighting spirit" pode ser, mais do que uma particularidade irlandesa, uma característica celta e que Dan Biggar tem direito a fotografia, mantendo a tradição galesa de Barry John, Phil Bennett e outros, na galeria dos melhores aberturas mundiais; a derrota da Inglaterra com a Austrália com o melhor ensaio da fase e de que resultou a inesperada eliminação da organizadora Inglaterra; o jogo Austrália-Gales que possibilitou uma lição defensiva dos australianos (serão celtas?) que se baterem, diminuídos de 2 jogadores, "uns pelos outros" como disseram no final e conseguiram impedir que o sistema Warrenballs marcasse o ensaio decisivo - quem lá esteve disse-me que era impressionante o empurrão do público num walles!walles! gritado a plenos pulmões cada vez que havia uma formação ordenada; o terceiro-lugar, com apuramento para o Japão 2019 do nosso adversário europeu, a Geórgia, que, ao contrário da Roménia, mostra um rugby poderoso mas já capaz de utilizar a bola sem recorrer em permanência a colisões e procurando um alargado jogo de passes; o variado jogo de passes de algumas equipas com mudanças de sentido e retorno em cima da defesa para conseguir o intervalo de passagem numa exigência participativa que leva o sentido colectivo ao extremo. E na memória ficará também a escolha francesa, esquecida do "french flair", a comportar-se como sul-africanos incapazes de descobrir a porta aberta para bater permanentemente contra a parede - fisicalidade que o jogo de movimento dos irlandeses não temeu - pesem as lesões - e venceu.
Fundamentalmente a primeira fase deste Mundial mostrou uma maior aproximação dos países vulgarmente designados por Tiers 2 dos mais poderosos. Aproximação que se viu quer nos resultados quer no jogo demonstrado. Esta aproximação teve ainda a enorme vantagem de não defraudar o público pagante - e são caros os bilhetes... - que acorreu em massa (o número de 1,9 milhões de espectadores é impressionante).
Do ponto de vista do que se viu nos jogos, nós portugueses, para continuar na cena internacional com resultados que nos possam garantir um lugar nos 25 primeiros do ranking mundial, podemos e devemos aprender, apetrechando-nos com as ferramentas necessárias, com a mostra que este Mundial proporciona. O que significa mudar o rugby a que nos gostamos de habituar, esquecendo estruturas demasiado rigídas e seguindo as tendências da adaptação ao adversário - e o jogo do Japão deve ser escrotinado ao mais infímo pormenor - "não somos muito grandes por isso nos alinhamentos contamos com a velocidade do salto.", dizem para explicar a adaptação do seu jogo às suas características e caoacidades. Porque a verdade é esta: pelo que se viu e embora se deva reconhecer que as equipas tiveram meses de preparação, Portugal não tem de momento condições de se bater vitoriosamente com nenhuma das vinte equipas presentes - embora quatro delas sejam do "nosso" campeonato. Razões? Acima de tudo a falta de competitividade interna que não nos deixa aproximar da intensidade necessária ao nível internacional. Esquecidos da lição de Séneca de há vinte séculos de que "um atleta não pode chegar à competição muito motivado, se nunca foi posto à prova" ou, como escreveu Duarte Pacheco Pereira à volta de mil e quinhentos, de que "a experiência é a madre das cousas, nos desengana e de todas as dúvidas nos tira", temo-nos afastado das exigências que a competição internacional impõe.
A intensidade dos jogos deste mundial tem sido enorme - a média das ultrapassagens das linhas de vantagem é de 60%, com uma média de 95 placagens e 3 ensaios por equipa e por jogo (as equipas do Tiers 2 - nossos adversários - ultrapassaram a LV em 55% da suas posses de bola, marcaram 1,4 ensaios por jogo e placaram eficazmente uma média de 94 vezes enquanto que Portugal, nos quatro jogos do último Europeu, não atingiu mais do que 40% de ultrapassagens da linha de vantagem, placando 88 vezes em média e por jogo e marcando 1 ensaio por cada jogo. Resultados obtidos sem que, ao contrário dos mundialistas, houvesse qualquer confronto com o Tiers 1).
O treinador All Black campeão mundial, Graham Henry, ensinou que o jogo de rugby era uma corrida pela linha de vantagem. E, porque assim é, o que vimos foi a rapidez de ataque à bola - os passes eram recebidos na linha da conquista apesar da subida das defesas (o rugby é também uma corrida de estafetas para que a conquista de terreno seja eficaz) a obrigarem os atacantes a jogar (e passar) na cara do placador - o que exige treino adequado na preparação e nas experiências competitivas. Ou seja, hábitos que só a competição possibilita.
Apesar da velocidade com que as acções eram realizadas, a convergência - o movimento da bola "comanda" o movimento dos jogadores - foi, ainda assim, possível. Ou seja: embora mais difícil por mais rápida, a capacidade colectiva de leitura da defesa e imediata adaptação, bem como a focagem no portador e seu movimento, permitiu convergências sobre o portador da bola e garantiu rápidas recepções ou "breakdowns" a não deixar a defesa reorganizar-se. E, quantas vezes, permitindo a manutenção da vida da bola - passes em carga, passes antes do contacto, passes antes de chegar ao chão ou, até "chestings" - mantendo a continuidade da sua circulação, garantindo a dificuldade de reorganização defensiva e, portanto, explorando os desequilíbrios conseguidos. Em sequências entusiasmantes a mostrar a beleza deste nosso jogo.
Mas para que este tipo de jogo - de movimento que diversas equipas mostraram ser capazes de utilizar - seja bem sucedido, torna-se absolutamente necessário a disposição dos jogadores para "jogar sem bola". E essa preocupação foi constante dando-nos, a nós espectadores, a possibilidade divertida de ver movimento colectivo em cada jogada com o aparecimento em tempo útil de jogadores disponíveis. As equipas, sem excepção, mostraram, à saída dos balneários, que traziam um plano de acção elaborado e treinado para explorar com os seus pontos fortes, os pontos fracos adversários. Mas não um plano limitador ou castrador da assumpção de riscos e sim uma aposta no uso da bola para chegar ao objectivo ensaio. O que transformou o jogo e explica muito da qualidade do nível atingido.
Neste fim-de-semana, num quase sessões contínuas, um tira-teimas Norte-Sul. Emocionante!