sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

JOGAR COM TREZE NO UNION: UM ESCÂNDALO DE FALSA VANTAGEM

O Rugby League, Rugby de XIII ou, como o designam os franceses, o Treize, joga-se com 13 jogadores, com a mesma bola, num campo igual mais risco menos risco, com postes idênticos, tem marcação de ensaios, tem adiantados, tem formações-ordenadas organizadas em 3-2-1 praticamente sem disputa de bola e tem a diferença de não ter alinhamentos e de se jogar em 6 fases consecutivas de posse. Mas tem placagens, organizações defensivas, combinações de ataque e bastante público interessado nos campeonatos internos da Inglaterra, França, Nova Zelândia ou Austrália.
É uma modalidade profissional desde que nasceu e é, também por isso, um adversário concorrente do Rugby Union ou Rugby de XV, atraindo assistências, jogadores e treinadores. E, naturalmente, patrocinadores e televisões.
O Rugby de XIII nasceu, em 1895 e no Norte da Inglaterra, de uma cisão de classe, entre os aristocratas e os trabalhadores que jogavam nos diversos clubes de então. Os aristocratas, que viviam da renda das suas propriedades, queriam jogar ao sábado; os trabalhadores, que viviam do seu salário, queriam ser ressarcidos do dinheiro perdido pela falta ao trabalho. Que não! que o Rugby é um jogo de amadores e ninguém pode ganhar dinheiro algum por jogar ou ajudar a jogar. E este jogo de brutos jogado por cavalheiros criou o seu cisma: uns para um lado, outros para outro e sem relações ou pontos de contacto. Profissionais uns, amadores outros.
Sem relações mas concorrentes! A um ponto tal que até 1995 — um século depois do nascimento do XIII e quando o XV também permitiu o profissionalismo — qualquer jogador que tivesse estado inscrito nas federações trezistas estava proibido de jogar em qualquer clube da Union. Destes dois mundos à parte de então apenas se alterou o direito de circulação entre ambas as modalidades. Mas mantem-se a concorrência, a distância e as costas voltadas.
Baseada numa ideia peregrina de aproximação ao jogo de XV, em Portugal decidiu-se fazer disputar o Campeonato Nacional Feminino em equipas de 13 jogadoras. Não que se adoptassem as regras do Rugby League - excepto a obrigatoriedade da formação-ordenada organizada em 3-2-1— mas o recurso ao número traduz uma brutal ignorância da história da modalidade e constitui um atentado à sua cultura.
Manda a tradição histórico-cultural: no XV, o 13 não entra excepto na camisola do 2.º centro!
E esta absurda ideia pode ser a adaptação ao XV que se necessita? Não, não pode!

[Aliás e porque penso que o principal objectivo estratégico da Federação Portuguesa de Rugby deve estar centrado na consolidação dos clubes existentes e não na ampliação geográfica da modalidade, tenho naturais dificuldades em entender porque podem as equipas juntar 13 jogadoras e não juntar 15...]

O Sevens jogado no feminino — sendo olímpico deve continuar a ser uma das prioridades — se possibilita a aprendizagem de diversas técnicas, nada prepara em termos de táctica individual para o XV. O Tens, que foi tentado como uma possibilidade de aproximação ao XV, não passa de um Sevens de menos exigência física — mas podia pelo menos permitir uma aproximação ao papel dos asas da 3.ª linha se fosse alterada a regra que obriga os dois jogadores da segunda linha (que prefiro designar por bases) a colocarem a cabeça entre o talonador e pilar e darem os braços um ao outro (ver figura). 
Posições na Formação-ordenada: uma possibilidade de formar terceiras-linhas

Pertencendo ao mundo mítico de que a formação-ordenada (FO) era base fundamental da capacidade das duas equipas em presença, esta regra faz cada vez menos sentido e deveria ser dada a possibilidade de escolha de colocação dos dois bases a cada equipa — o perigo não aumentaria (a exigência da colocação da cabeça dos bases desapareceu das Leis de Jogo mundiais desde as alterações de 2018 mas têm sido mantidas em Portugal)  e seria possível a aprendizagem das linhas-de-corrida e das tomadas tácticas de decisão da 3.ª linha que é, hoje em dia e como se viu no último Mundial, uma das posições mais importantes de uma equipa de XV — basta perceber o papel que se lhes pede nos sistemas actualmente em uso que estruturam o jogo.
Este problema é idêntico à FO em 3-2-1, com exigências regulamentares que também pertencem ao universo mítico passadista da visão de que “os avançados ganham os jogos e os três-quartos dizem por quanto”. Aliás as FO têm decrescido em importância e número por jogo — cada vez mais a média se situa de 12 para baixo. Mas o que não decresce são os breakdowns que ultrapassam a centena por jogo e onde a luta pelo domínio táctico da situação exige diversas decisões dos 3.ª-linhas, quer sejam defensores quer atacantes. O que impõe hábitos das já faladas linhas-de-corrida e de decisões tácticas só possíveis pela prática, em treino e jogo, constante.
Com a distribuição em 6-7 no modelo utilizado no Campeonato Feminino, se é verdade que se permite a aprendizagem — cada vez mais necessária e cuja falta de prática específica derrotou o Sporting na 1.ª Taça Ibérica Feminina — das componentes técnicas e tácticas individuais e colectivas do três-de-trás, nomeadamente no jogo-ao-pé e na construção do contra-ataque, continua a não existir qualquer possibilidade de preparar uma efectiva 3.ª-linha — o nº8 não chega nem tem o especial papel de ataque ao breakdown provocado entre três-quartos e, tampouco, tem a possibilidade de sair da FO com o apoio para multiplicar combinações.
Vamos admitir que não há possibilidade de juntar um mínimo de 15 jogador@s para jogar XV. Como fazer então?
- O jogo a 13, para além de não servir o objectivo da passagem ao XV e sendo uma heresia no seio do mundo da Rugby Union, fica irremediavelmente afastado;
- O Tens, embora não permitindo a aprendizagem dos processos do três-de-trás, já permite o posicionamento — como se pode perceber da actual redacção da alínea c) do ponto 7 das Variações para 10s da Lei 19 — de um asa. E se for derrogada a obrigatoriedade de se agarrarem um ao outro, pode permitir o recurso a dois asas de acordo com as necessidades da equipa em cada momento. A Federação Portuguesa no sentido de proporcionar a formação necessária ao jogo de XV deveria portanto alterar a obrigatoriedade da ligação entre os dois bases para permitir a formação de asas.
Mas existe, caso não seja ultrapassável a passagem directa da variante ao jogo maior, uma outra possibilidade que permite responder a ambas as necessidades: o DOZE.
Formando com 5 avançados pode, desde já e como se vê na leitura da lei actual, fazer o encaixe dos dois bases num dos pilares — colocando assim, num princípio de aprendizagem de linhas de corrida e de tomadas tácticas de decisão, um dos jogadores como asa. Retirando a obrigatoriedade de ligação destes jogadores, a possibilidade de jogar com dois asas ficaria feita, embora ficando sempre sem a possibilidade das combinações de 3.ªlinha. Mas era um avanço na progressão.
A equipa distribui-se então em 5-7, tendo jogadores suficientes nas linhas atrasadas para também introduzir a formação do três-de-trás. Ou seja, é possível, sem heresias e desperdícios, encontrar formas de fazer a transição — se não for possível a passagem directa, repete-se, do Sevens para o XV — com o foco nas necessidades prioritárias do jogo, formando objectivamente os jogador@s para terem acesso eficaz às variantes que verdadeiramente contam no Rugby Union: Sevens e XV.
Jogar com 13 jogador@s, não pertencendo ao léxico do Rugby Union ou de XV, mostra ignorância da História do Jogo e representa uma falta de respeito pela cultura rugbística, constituindo-se como escandaloso abuso e pretenciosismo pela imposição e desrespeito. E assim, pelo que culturalmente transporta, não deve ser mais considerado como recurso competitivo. E a Federação Portuguesa de Rugby não deve mais autorizá-lo.

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