Os primeiros vinte minutos dos Lobos foram um pesadelo: dois ensaios sofridos em penaltis-touche, dois cartões amarelos, 18’ com catorze jogadores e 2’ com 13 jogadores (o 2º ensaio espanhol foi marcado nesta altura) e demasiadas faltas a dar a possibilidade ao adversário para dominar a conquista de território. O fantasma do mal perdido jogo com a Roménia voltou a pairar na relva do CAR do Jamor. Outro desastre? Assim parecia com os 14-0 do primeiro quarto...
... mas, voltados a quinze jogadores, o equilíbrio pareceu encontrado e o ensaio de Rafael Simões animou as hostes — afinal também tínhamos força para impor a conquista. Mas a dúvida voltou com a desorganização defensiva que permitiu um ensaio fácil à Espanha. Mas dois minutos depois a esperança veio pelo talento, de Nuno Sousa Guedes — bola captada, leitura, corrida com fintas adaptadas ao posicionamento adversário e entrega da bola no momento certo para garantir a continuidade por Jerónimo Portela que marca praticamente nos postes. Ida para os balneários com sete pontos de diferença e um ânimo redobrado.
Pouco tempo passado do reinício e Portela com um passe ao pé de grande qualidade, entrega a Marta o ensaio que permite o 21-21. O jogo estava encontrado e os espanhóis começaram com o habitual desatino — um amarelo, um vermelho e outro amarelo. E os Lobos com mais transformações a quebrar defesas de Nuno Sousa Guedes, fizeram mais três ensaios para chegar a um resultado final inesperado mas bom: 43-28. Nesta construção de pontos saliente-se Samuel Maruqes que, para além da amarelada suspensão, marcou 18 pontos (1E,5T1P). E a vitória conseguida com uma posse limitada a 46% a provar, mais uma vez, que é a eficácia do uso que define a capacidade. E só não foi um resultado excelente porque se perdeu, a menos de dez minutos do fim, o ponto de bónus.
Duas boas surpresas: a colocação de Rafael Simões a Nº8 que — há quanto tempo não via uma acção destas? — mostrou como o uso de saídas de 3ª linha na FO podem perturbar a defesa que passa a ter que adivinhar movimentos em vez de se manter no conforto do já sabido; a, finalmente!, entrada de Nuno Sousa Guedes no XV inicial — foi só o melhor em campo pelas transformações conseguidas pela capacidade de verticalização que a sua confiança e os seus predicados técnicos lhe conferem — mostrando-se o quebra-linhas com a eficácia necessária para dar continuidade ao jogo e deixar a defesa espanhola sem recursos de recuperação. Numa linha de três-quartos com interessantes capacidades, Sousa Guedes é um elemento fundamental para lhe dar a eficácia atacante necessária.
E Jerónimo Portela, ganhando uma outra maturidade táctica também pode ser um elemento de grande valor e utilidade neste XV porque, como mostrou no jogo, tem momentos de enorme brilho — um passe ao pé de grande nível e a boa leitura do jogo da linha para aparecer em bons movimentos de apoio (e não foi só no seu ensaio que estava preparado para continuar o movimento). Mas para atingir o brilho que a sua estrela parece determinar, falta-lhe ainda algum domínio táctico, o conhecimento do jogo, que lhe permitirá a leitura com a necessária adaptação das decisões à realidade da situação com que se confronta e com o objectivo claro de criar dificuldades à defesa adversária. E neste capítulo duas coisas são necessárias a Jerónimo: um jogo ao pé assertivo absolutamente necessário para o pretendido rugby-de-movimento como forma de obrigar a defesa a manter-se "honesta" e para o qual não chega ter um bom pontapé, mas que exige saber utilizá-lo, não de acordo com um pré-registo mas sim com as circunstâncias que se apresentam à sua frente, explorando os fracos — espaciais ou técnicos — do adversário; o outro consiste numa maior capacidade de receber a bola mais próximo da linha-de-vantagem para se mostrar como uma ameaça que possa surpreender a defesa contrária directa e assim aumentar as dificuldades da defesa deslizante adversária. Qualquer destes dois conceitos tácticos, que exigem decisões sobre o que fazer? e quando fazer? alimentam-se de experiência, conhecimento, tempo. Ou seja de maturidade. Que um trabalho objectivo e específico alimentado na aprendizagem da cena internacional pode acelerar.
Há ainda muito trabalho, como o próprio Patrice Lagisquet reconhece, a desenvolver com esta equipa. Nomeadamente para que o equilíbrio entre sectores funcione — os três-quartos portugueses precisam de avançados que percebam o jogo-de-movimento e que ajudem à utilização eficaz da posse da bola — para que seja atingido um nível que permita lutar, directamente e no domínio do resultado, com as equipas deste grupo da Rugby Europe Championship — neste jogo contra a Espanha, sempre que houve esse acerto, os Lobos mostraram-se muito eficazes. E com este resultado conquistaram 3 posições no Ranking da World Rugby, voltando ao 21º lugar da classificação
E a porta mostra-se, de novo, meia aberta... a ver-se o duro caminho do Mundial... mas a ver-se. Veremos que transformações serão reconhecidas neste três meses que nos separam do próximo jogo. Porque a alma é, agora, outra.