quarta-feira, 3 de novembro de 2021

O RETORNO DO 5/8?

O papel do médio-de-abertura, com as alterações de Junho de 2020 referentes à zona-de-placagem, permitindo uma mais rápida disponibilidade da bola, modificou-se. Tornou-se mais exigente na leitura e na consequente decisão. Mas também no movimento e linhas-de-corrida. Para além do facto de serem obrigados a adaptarem-se a outras tarefas — nem sempre serão os primeiros receptores dos passes daqueles que, embora muitas vezes sem o nº 9 na camisola,  os fazem das situações "expontâneas"... 

O recurso a jogadores com características próximas dos tradicionais médios-de-abertura — boa leitura, bom jogo ao pé, capacidade de aceleração e de variação do jogo — em lugares como 1º centro ou defesa não é novidade. Os franceses, os irlandeses, os australianos ou os ingleses já recorreram, desde os anos 80, à utilização de dois aberturas de formação, umas vezes para não deixarem de fora dois talentos, outras para encontrar soluções contra determinado tipo de tendências de organizações defensivas. Mas nunca com as intenções actuais.

Curiosamente os neozelandeses, os inventores dos 5/8, quando recorrem a dois aberturas — e fazem-no muitas vezes para não prescindirem da categoria dos seus talentos na posição (tendo até já jogado com três aberturas — 10, 12 e 15)  — utilizam-nos, na maior parte das vezes nos lugares de abertura e defesa. No fundo o objectivo é o mesmo: permitir que uma jogador com os hábitos de leitura e decisão esteja sempre disponível e suficientemente próximo para tirar partido das rápidas bolas dos reagrupamentos.

O nome de 5/8 para o que hoje designamos por abertura e 1º centro então com a designação de Primeiro e Segundo 5/8  nasceu na Nova Zelândia — terá sido Jimmy Duncan capitão dos All Blacks de 1903 que assim os designou na altura em que o número de avançados estacionou em oito e aumentou o número dos 3/4.

Se o facto da velocidade de disponibilização da bola a que se juntava muitas vezes uma concentração de defensores, já chama a atenção para a vantagem de ter um parceiro de características idênticas junto ao tradicional abertura com a consequente capacidades de uma segunda distribuição do jogo e a possibilidade de explorar de forma mais eficaz quer o recurso do ataque em duas-linhas quer pela capacidade de uso do jogo-ao-pé mais preciso e capaz de explorar espaços vazios na defesa adversária.

Este retorno, com a aplicação da nova Lei dos 50:22, está a ganhar uma maior dimensão. Que, aliás, faz todo o sentido. Porque as alternativas para um 5/8 (12) mostram-se inúmeras... principalmente porque, quando já tem a bola à sua disposição, os seus adversários defensores já tiveram que alterar a sua posição inicial para — perdendo a comodidade do conhecido — tomarem a decisão de novos caminhos a seguir e, muitas vezes nesse necessário movimento de nova ocupação, deixando livres outros espaços que podem ser explorados com proveito.


Veja-se: com as possibilidades que a 50:22 abre, a defesa tem que recolocar uma real 3ª cortina defensiva com uma profundidade tal que permita controlar os pontapés dirigidos para as linhas laterais da área-de-22* e que muitas vezes e de acordo com as características adversárias, necessita ainda de um quarto jogador  nª8, Formação ou o Abertura que, passada a fase-ordenada, se recoloca em profundidade. Se uma inesperada recuperação da bola tem no 5/8 o elemento treinado para tomar a decisão para a sua melhor distribuição a que se acrescenta outro distribuidor (o abertura recuado ou mesmo, como utilizam os neozelandeses, o defesa) que comandará o assalto de uma segunda-linha.

No momento sequente ao da conquista da bola e com a bola entregue ao abertura atacante, o ponta-aberto da defesa terá, logo que percebe que o jogo atacante se fará ao largo, que subir para o nível da segunda-cortina defensiva para não deixar encurtar a defesa em relação ao número de atacantes. E é aí que entra o papel do 5/8 — que pode jogar ao pé para o espaço deixado livre pelos outros membros da anterior 3ª cortina defensiva. E repare-se que o 4ª elemento que se prepara para integrar a 3ª cortina ainda não percorreu o espaço que lhe garantirá a profundidade defensiva necessária.

Pode assim perceber-se as vantagens do recurso a um duplo do abertura. E se o defesa tiver também as capacidades de um abertura actual — esse cada vez mais vagabundo de múltiplas funções — o ataque ganha uma dimensão superior, controlando tacticamente o tempo e conseguindo que o domínio territorial não dependa apenas das vantagens físicas.

A equipa da França, que joga contra a Argentina neste fim‑de‑semana prepara-se para utilizar esta estratégia chamando para abertura e 1º centro os notáveis Mathieu Jalibert e Roman Ntamack numa primeira experiência com vista ao Mundial de 2023. Embora não indo tão longe que recorram a um terceiro abertura para o lugar de defesa, não deixara de ser curioso observar o comportamento táctico da adaptação que o formação e novo capitão, Antoine Dupont, fará na sua cobertura defensiva. Poderá continuar a ser um libero entre a 2ª e 3ª cortina defensivas? Como palpite poderá dizer-se que, para a linha e ângulos-de-corrida defensiva de Dupont, muito dependerá da capacidade de deslizamento da defesa francesa.

Novos caminhos estratégicos com a sua construção táctica parecem assim surgir desta recente alteração que pode, muito bem, tornar o jogo mais espectacular. 

Nota: a Lei 50:22 estabelece que se um pontapé for efectuado dentro do meio-campo do chutador e sair, depois de ter tocado no chão, pela linha-lateral da área-de-22, o lançamento subsequente pertencerá à equipa do chutador. Ou seja, com um bom gesto técnico de pontapé uma equipa pode colocar-se, com a vantagem das decisões que lhe permitem o seu próprio lançamento, dentro da zona vermelha do campo adversário e, realmente, conquistar terreno com o propósito de marcar ensaios.

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