terça-feira, 16 de janeiro de 2024

O JOGO NÃO PERTENCE AO ÁRBITRO

Texto de Michel Lamoulie, antigo árbitro internacional, dirigente e formador de árbitros.

“Face a uma falta, o árbitro reage como o portador da bola.

O portador da bola lê, percebendo, o ambiente: adversários, parceiros, posicionamento em campo, condições climáticas, etc. Essa percepção leva-o a analisar a situação para decidir como jogar: 

        1) evitar o adversário; 

        2) colidir com o adversário; 

        3) passar a bola para um companheiro ou 

        4) chutar a bola. 


Diz-se que ele percebe, analisa e decide. O comportamento do árbitro diante de uma falta baseia-se nos mesmos verbos perceber, analisar e decidir.


Extraído do Código do Jogo da World Rugby:

“As Leis do Jogo devem ser aplicadas de forma a que o jogo possa desenrolar-se de acordo com os Princípios do Rugby. Os árbitros e seus auxiliares devem fazê-lo  sendo imparciais, equitativos, consistentes, coerentes e conhecedores e, ao mais alto nível, pela sua capacidade de gestão do jogo.”


Tentarei, portanto, desenvolver os problemas essenciais ligados à arbitragem e, em particular, à gestão.


“O primeiro dever do árbitro é conseguir dos jogadores o respeito pela aplicação das regras, garantindo assim que o jogo será disputado de acordo com os Princípios do Rugby, devendo, prioritariamente, garantir a segurança dos jogadores através da justa aplicação das Leis do Jogo.»


A palavra equitativo mostra, de forma clara e de imediato, que o árbitro está ligado a um código moral que pode ser definido por 3 palavras: justiça, lealdade, imparcialidade.


Se alguns definem o árbitro como um censor, da minha parte eu defino-o como um actor do jogo que, assim como os jogadores, toma decisões.


Como actor do jogo, o árbitro procura uma colocação para evitar a falta e garantir a continuidade. Porque ele não quer punir, quer que os jogadores não cometam faltas: é isso que chamamos de prevenção.


A forma de arbitrar baseia-se nos mesmos princípios da forma de jogar. O árbitro, assim como o jogador, percebe, analisa e decide. Assim, o árbitro percebe a falta e a sua análise levá-lo-á à decisão. Após a análise da falta, três decisões são possíveis:

        1) A falta não tem efeito no jogo: o árbitro “coloca a falta no bolso”, o jogo continua

        2) A falta tem efeito no jogo: o árbitro joga a vantagem ou,

        3) O árbitro apita imediatamente.


Assim como o árbitro é obrigado a decidir quando surge uma falta, podemos escrever sem hesitação que ele gere a falta (Alguns mais velhos dizem que o árbitro classifica as faltas mas para mim este verbo classificar não faz sentido e é um verbo a banir). 


É assim que a palavra gestão ganha todo o seu sentido na arbitragem de uma falta. Não devemos confundir vantagem com gestão, a vantagem é apenas uma das ferramentas de gestão.


Infelizmente, a gestão, que conduz a uma decisão (apito imediato, vantagem e sua aplicação, ocultação da falta), estará muitas vezes na origem da frustração sentida por muitos treinadores.


Gerir uma falta representa um certo perigo em relação à consistência que o árbitro deve demonstrar. Se este último tivesse apenas que aplicar a Regra da Vantagem ou o apito para punir a falta, a frustração dos treinadores seria menor e a inconsistência também.


Esta gestão da falta não deve fazer com que as pessoas acreditem que o árbitro é negligente, mas deve consciencializar as pessoas de que certas faltas não são punidas desde que não tenham efeito no jogo (infelizmente aos olhos do árbitro).


É óbvio que esta gestão será sinónimo de incoerência entre os árbitros. Com efeito, a análise da falta está demasiado ligada à cultura do árbitro em relação ao jogo. Percebemos então que a formação de um árbitro tem que ter em conta o conhecimento imperativo do jogo. Afirmo sem hesitação que um bom árbitro capaz de uma gestão coerente deve conhecer o jogo antes de conhecer as Leis do Jogo. Também escrevo sem hesitação que um mau árbitro impedirá que as equipes que querem jogar, joguem. Por outro lado, um bom árbitro nunca fará jogar equipas que o não queiram fazer: o jogo pertence aos jogadores e não ao treinador e sobretudo não ao árbitro.”


Comentário: Cabendo ao árbitro aplicar as Leis do Jogo de forma imparcial, equitativa, consistente, coerente e conhecedora e, ao mais alto nível, gerir o jogo, não lhe cabe avisar das faltas já cometidas mas sim avisar da vantagem ou da penalidade para que não se entre no domínio do benefício do infractor Ou seja, não pertencendo o jogo ao árbitro não lhe compete estar a intervir, falando, nas fases que considera haver falta e na intenção de evitar paragens do jogo mas apenas indicar a vantagem ou marcar a penalidade correspondente. Porque as equipas estão em campo a tentar ganhar o jogo e não podem ser prejudicadas nos seus objetivos por interferências desajustadas.

Arquivo do blogue

Quem sou

Seguidores