quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

RUGBY: O JOGO DA BATALHA MEDIEVAL

"Na guerra, o propósito é evitar o que é forte e atacar o que é fraco. A água modela o seu percurso de acordo com o terreno sobre o qual desliza; o soldado planeia a sua vitória de acordo com o inimigo que tem na frente." Sun Tzu in "A Arte da Guerra".

O râguebi é, dentro da sua complexidade aparente, um jogo simples. Tão simples que se rege por princípios de fácil entendimento e de utilização permanente numa também constante perspectiva de luta pela posse da bola e conquista de terreno. Assim o râguebi define-se como um desporto colectivo de combate organizado para a conquista de terreno. Um combate, feito jogo, que nasce dos tempos imemoriais da batalha medieval.
De cada lado do campo, um castelo com o seu pátio— a área de ensaio — e a sua torre de menagem — os postes. O objectivo do jogo consiste em conquistar um dos castelos, colocando a bandeira - a bola - no seu pátio interior o que, em termos do jogo, significa marcar um ensaio e conquistar pontos. Ensaio a que se segue a possibilidade da “transformação” — pontapé, do chão ou de ressalto, sem distância definida e na perpendicular à colocação da bola no chão da área de ensaio — que mais não simboliza do que o bombardeamento da torre de menagem para, impossibilitados de manter a sua ocupação, impedir a sua reutilização pelo adversário derrotado.
Para o desenvolvimento desta batalha, as equipas dispõem das clássicas forças que compõem os exércitos: uma infantaria — o bloco de avançados; uma cavalaria — os três-quartos; uma artilharia, formada pelos pontapeadores e uma dupla de estrategos — os dois médios, o formação e o abertura.
Como na batalha, à infantaria competirá atacar as linhas defensivas adversárias, desorganizando-as e criando rupturas por onde se possam fazer avanços — as penetrações — que obrigam as defesas a deslocar elementos de outros terrenos para tapar as brechas e assim desequilibrar a relação de forças e romper a linha da frente - a linha de vantagem - para conquistar o terreno necessário para garantir o avanço.
Conseguido isto, é altura de lançar, na exploração do sucesso obtido, a cavalaria que, em desfilada, ataca o espaço livre e procura atingir o interior do castelo. Quando, por boa organização defensiva, a infantaria se mostra incapaz de cumprir a sua missão e a cavalaria não tem espaço de manobra, compete aos estrategos deste exército recorrer à artilharia — jogo ao pé — para, bombardeando o campo adversário, obrigar ao recuo das linhas defensivas. Ganha esta batalha quem mais vezes conquistar o castelo adversário.
O que se consegue através de uma infantaria poderosa, organizada e conquistadora, de uma cavalaria rápida e acutilante e da capacidade dos estrategos de decidirem, em tempo útil, pelas alternâncias de ataque — penetrante, envolvente ou de bombardeamento — que as forças do seu exército proporcionam. No jogo do râguebi, traduz-se assim essa estratégia: “são os avançados que ganham os jogos, cabendo aos três-quartos afirmar por quantos.”
A particularidade no râguebi da proibição de passar a bola para a frente mais faz relacionar o jogo com a mitologia da batalha medieval e as suas estratégias: na batalha medieval a bandeira que segue à frente do exército só se entrega a quem vem atrás... a um dos nossos! No râguebi passa-se o mesmo: a bola que, como a bandeira que nos guia, vai na frente de toda a equipa, só é passada para trás, para um dos nossos. O que permite continuar o movimento da exploração do sucesso.
Entre o vencer ou morrer da batalha medieval e o jogo de râguebi há, no entanto e pesem as semelhanças táctico-estratégicas, uma diferença abissal: o râguebi é apenas um jogo com regras e comportamentos previamente acordados e estabelecidos e universalmente definidos. Tendo, com a missão de zelar pela sua aplicação, um árbitro que regula e garante que o nível competitivo não ultrapassará o entendimento do jogo.
Apesar desta enorme e visível diferença aplicam-se os mesmos seculares princípios estratégicos: avançar para desequilibrar as forças adversárias e conquistar terreno. Com o objectivo de marcar, lá ao fundo, ensaios! E ganhar os jogos!

(Publicado no p3.publico.pt/raguebi a 24/01/2014)

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