segunda-feira, 3 de julho de 2017

EIS A NEGRA

Os deuses, ao entortarem a bota de Beauden Barrett, estiveram do nosso lado e permitiram assim uma negra, no próximo sábado, que encheria quatro ou cinco estádios se o Eden Park fosse elástico. 

Apesar da chuva, o jogo foi formidável com uma notável demonstração das características de conquista de cada centímetro de terreno - e com uma curiosidade: com a mesma dimensão de posse de bola, o resultado foi inverso, isto é, com apenas 39% da posse da bola (e 42% de domínio territorial), os Lions ganharam.  E ganharam com uma defesa espectacular - 122 placagens (91% de eficácia) e apenas a admissão de uma ruptura - um bloco de avançados a impôr a sua presença e um meio-campo capaz de colocar permanentes problemas à defesa adversária (45% das bolas utilizadas ultrapassaram a linha de vantagem para 218 metros conquistados).

De facto a escolha de Gatland, de Saxton - que mais uma vez demonstrou a enorme vantagem da sempre surpreendente dobra - e Farrell a juntar a Jonathan Davies e deixando de fora os melhores demonstradores da filosofia das Warrenballs, deu às linhas atrasadas europeias uma fluidez e capacidade atacante que permitiram surprender a defesa neozelandesa - 6 rupturas conseguidas para 2 ensaios.

Não fora a enorme indisciplina dos Lions - 13 faltas das quais 10 a serem tentadas e que Barrett apenas converteu 7 - e o jogo poderia ter tido um outro resultado. 
Momento-chave, para além das decisões tácticas para evitar o jogo atacante próximo ou permitir que o abertura neozelandês jogasse com confortável tempo e espaço, foi a expulsão de Sonny Bill Williams. Justíssima aliás! Ao ponto de se escrever no New Zeland Herald que o neozelandês “não tem instintos rugbísticos, não os genuínos” uma vez que continua no modelo antigo de uso defensivo do ombro da Rugby League...
[contradição óbvia da lei: o defensor não pode usar o ombro para o embate sem uso dos braços mas o portador da bola pode utilizá-lo - cutting edge, é a expressão inglesa - sem preocupações]

Reduzidos a catorze jogadores os All-Blacks fizeram uma notável demonstração de capacidade competitiva e que levou o comentador Stuart Barnes, antigo abertura da Inglaterra, a dizer que “com os All-Blacks com menos um jogador, o jogo fica agora equilibrado”. Mas o facto, apesar do domínio territorial e de posse da bola no primeiro quarto dos neozelandeses, é que, completos, não conseguiram apoquentar a bem montada defesa vermelha. 

Diga-se que Vunipola, neozelandês nascido em Wellington mas inglês por opção, teve também a sorte dos deuses ao ser castigado apenas com um amarelo - julgo que deveria ter sido expulso e portanto as equipas jogariam os últimos vinte minutos em equilíbrio numérico - ao lançar-se de forma violenta sobre o abertura neozelandês. O que daria evidente vantagem à equipa da casa. Ou pelo menos assim se pensa embora a muito bem estruturada jogada do ensaio de Faletau tenha sido conseguida em equilíbrio numérico de 14 para cada lado - equilíbrio desfeito pela já referida dobra de Saxton.

Empatados 21-21 a 10’ do fim, os Lions viram Jerome Garcés marcar penalidade a uma placagem sobre Sinckler que havia saltado para agarrar uma bola que lhe foi passada demasiado alta. Polémica a decisão - Kieran Read, capitão neozelandês, observou, indignado, que iria passar a saltar quando o fossem placar - mas certa de acordo com a lei: “um jogador não pode placar um adversário que não tenha os pés no chão. Sanção: pontapé de penalidade”.

Esta situação com a observação de Read deverá obrigar a World Rugby a melhor explicitar a aplicação da regra nomeadamente, como muitos defendem, limitando a sua aplicação quando a bola vem de um pontapé - a situação verdadeiramente perigosa que se pretende proteger.

Houve ainda o caso de O’Brien - muito elogiado pelo treinador de avançados e antigo pilar internacional, Graham Rowntree - que terá “engravatado” Waisake Naholo (que não continuou no jogo) mas que foi ilibado pela Comissão de Análise Disciplinar e que, ao contrário de SBWilliams que foi punido com 4 jogos de suspensão, poderá jogar no próximo sábado.

No fim de todas as peripécias de um jogo, repete-se, de excelente nível, a justeza da vitória pertence aos Lions: marcaram dois ensaios contra nenhum (um intervalo de vinte anos desde a última vez que os All-Blacks não conseguiram marcar) e tiveram em Owen Farrell - pai e filho têm todas as razões para comemorar - um pontapeador eficaz num cinco em seis de categoria.

O jogo do próximo sábado tem todas as condições para ser especial e a curiosidade estará em ver como se comportarão os Lions frente à mais que esperada e dura reacção - odeiam perder como demonstraram no segundo jogo contra a Irlanda - dos neozelandeses. 
Como se prepararão os europeus? Trabalhar a disciplina técnica de certeza porque, como avisa Rowntree, “não podemos perder a série de testes por causa de penalidades estúpidas, isso será inaceitável. Como poderemos viver com isso o resto das nossas vidas?”. Um jogo muito mais do que um jogo na visão do “todos por um” dos Lions.

Arquivo do blogue

Quem sou

Seguidores