segunda-feira, 8 de março de 2021

BÓNUS PERDIDO, BÓNUS CEDIDO

Com esta derrota Portugal perdeu um lugar no RWR passando, 
por troca com a Rússia, para o 21º lugar

Com o resultado de 16-22, em cima do apito final, Portugal perdeu um ponto de bónus que merecia e que, neste Rugby Europe Championship que qualifica para o Mundial 2023, pode ser decisivo para as contas finais. Até porque a Roménia, adversário do próximo sábado também em Lisboa, conseguiu contra a Rússia, perdendo, em Sochi, por 18-13, um ponto de bónus.

Esta perda não importa nas contas das diferença de 5 pontos ou de 3 contra a Geórgia uma vez que o mais provável será acontecer o que tem acontecido quase sempre: a Geórgia terminar em primeiro lugar, sendo o Europe 1. Mas pode importar na disputa com as outras três equipas, Espanha, Rússia e Roménia pelo outro lugar de apuramento directo ou pela última hipótese de acesso pela Repescagem.

Olhando para o desenrolar do jogo, Portugal podia tê-lo ganho. Aparentemente sim, podíamos ter vencido a Geórgia — no entanto só nas aparências ou se os deuses nos tivessem protegido. Porquê assim? Porque para vencer a este elevado nível competitivo e para além da necessidade de cumprir os princípios básicos da boa defesa, de garantir os meios de conquista, posse e a boa utilização da bola, nos falta a experiência — essa “madre de todas as cousas” como ensina Duarte Pacheco Pereira — para conseguirmos dar o salto qualitativo que permita impôr uma estratégia que se mostre capaz de utililizar a criatividade como forma adaptativa aos fracos e fortes adversários. E para o cumprimento dessa estratégia não chega a atitude — e os jogadores portugueses, cada um por si, mostraram-na durante boa parte do jogo, começando pelas três excelentes captações aéreas de Rodrigo Marta  — porque é necessário uma coesão colectiva que articule consistência, disciplina, arrojo. E, por isso, só na aparência tivemos o jogo na mão.

Faltou-nos consistência. Como habitualmente no jogo-ao-pé que, como nos habituam os jogos internos do campeonato português, se mostrou sempre mais de alívio — pela desapropriação voluntária da posse da bola numa entrega que nunca criou problemas ao adversário — e que teve a sua imagem mais infeliz nas falhadas tentativas de penalidades aos postes. Mas desde logo, retirando a confiança que era fundamental manter para fazer face aos conhecidos pontos fortes georgianos, a inconsistência ficou clara na formação ordenada onde nunca conseguimos constituir uma unidade capaz de impedir a vantagem adversária — e nesta fase do jogo não basta o equilíbrio — que tínhamos — do somatório dos pesos, mas é essencial o domínio técnico das posições e transmissões — coisa que não mostrámos possuir. E, desta diminuição nas formações ordenadas, resultou a máxima clássica: derrotados na FO, derrotados em todas as fases de combate. E foi isso que aconteceu nos “penalti-touches” que produziram quatro ensaios!

Já no anterior jogo do ano passado em Paris se tinha percebido a boa capacidade do bloco de avançados georgianos em se organizar em “maul” depois da conquista da bola no alinhamento. Também se viu que o facto de não disputarmos a bola não se traduzia em vantagem para a defesa do dinamismo da formação alta georgiana. E assim, tenho alguma dificuldade em perceber a vantagem de continuar com a mesma estratégia: não disputar a bola no alinhamento para procurar ganhar tempo de oposição de forças — o que nem sequer é verdadeiro, porque o trio de conquista da bola, já ciente da falta de oposição, prepara-se mais cedo e sem oposição para constituir a frente do triângulo e tem a entrega de bola, para o seu interior, mais facilitada. Muito bem: vamos admitir que a táctica podia ser experimentada... mas porque não foi alterada quando se percebeu que não resultava?... e assim, se a equipa portuguesa não conseguisse — como não conseguiu — uma vantagem substancial, a possibilidade de vitória era sempre uma aparência. Porque estava sempre dependente de um novo ou novos ensaios assentes numa força que se mostrava imparável e para a qual não mostrámos possuir soluções.

A primeira arma a utilizar para evitar os terríveis “penalti-touches” é constituída por uma evidência: não fazer faltas que permitam penalidades que coloquem alinhamentos próximos da linha-de-ensaio. Ou seja, é preciso disciplina! E não foi isso que se viu. E tal foi a indisciplina que o árbitro suspendeu — coisa que nunca tinha visto num jogo internacional — o capitão, Tomás Appleton, com um “amarelo”... Com o factor indisciplina a dominar os confrontos de combate, a aparência da possível vitória estava sempre dependente da sorte de um pontapé mais desconcentrado e, por isso, mais comprido do que o devido... Mas a segunda, analisada a ineficácia da primeira táctica utilizada, seria a sua alteração disputando as bolas — pelo menos aumentavam-se as possibilidades de evitar uma boa organização do “maul” — e o José Madeira parace ser homem talhado para a tarefa... pelo menos quando aos 50´decidiu disputar uma bola de lançamento adversário... conquistou-a!

Sem arrojo, sem explorar a criatividade de um jogo de movimento em apoio constante onde as nossas capacidades de manuseamento de bola possam ser exploradas, não conseguimos opôr-nos a equipas que fazem da força e da colisão a sua marca. E assim sendo, interrogo-me porque não fez parte da panóplia estratégica do jogo a conquista de terreno a partir das penalidades — que, aliás, já se sabia viriam a ser bastantes desde que houvesse uma pressão rápida — para, alargando o jogo e procurando, com os movimentos adequados, os corredores exteriores, tirando partido da rapidez de passe e de deslocamento das nossas linhas atrasadas. Aliás, das poucas vezes que alargámos o jogo viram-se as dificuldades defensivas georgianas. Onde ficou o arrojo da criatividade tantas vezes louvada?...

Sei bem que os finais de jogo em que se pretende segurar um objectivo — e naquele final o ponto de bónus estava, parecia, no bolso — já não há a clarividência necessária para que a articulação adaptativa da defesa corra da melhor maneira e consiga responder a movimentos estruturados. Talvez tenha sido o cansaço a principal causa da desastrosa defesa colectiva que originou o ultimo ensaio que nos roubou o ponto de bónus — que seria bem merecido, dadas as circunstâncias em que, por efeito da pandemia, o nosso rugby tem navegado. Mas não era precisa (ver foto) tanta desarticulação: jogadores a mais, com os três georgianos já no chão, juntos ao reagrupamento e com o 7 e 8 georgianos já deslocados e colocados para fazerem a jogada como tinham treinado. Pergunta: onde estavam os marcadores desses homens? que estavam a fazer junto do reagrupamento? Aberta a bola, o ensaio estava praticamente garantido — não havia defensores suficientes...Numa ocasião em que se exigia uma rápida capacidade de reorganização adaptativa — a scramble defense — para garantir um prémio mínimo, a desorganização foi a resposta. Por cansaço? talvez...

Se já se tinha visto no jogo de Paris o que valia o penalti-touche georgiano, esperei que tivessemos procurado outro tipo de resposta. Bem como também esperei que a resposta da nossa formação-ordenada se mostrasse mais capaz e acima de tudo que houvesse mais arrojo para deixar a criatividade das nossas linhas atrasadas fluir. Mas... deixámo-nos ficar pelas aparências. E a área do alto-rendimento vive de realidades.

Pelo menos que este jogo nos sirva de aprendizagem e que amplie a experiência dos intervenientes para que se possa usar com propriedade o aforismo de Nelson Mandella que o treinador campeão mundial (2003), Clive Woodward adoptou: Nunca perco, ou ganho ou aprendo!

O 5º ensaio - falta de marcação e atraso na reorganização
defensiva


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