A final da Divisão de Honra do rugby português que terminou com a vitória do Belenenses sobre o Direito não teve nada de surpreendente: ganhou a equipa favorita e a qualidade do jogo, de acordo com o que se previa do já conhecido pela falta de competitividade da fase de apuramento, teve pouca qualidade táctica e fraca intensidade competitiva.
O vento, que é o pior inimigo que um jogo de rugby tem e que soprou fortemente no Campo do Vale da Rosa em Setúbal, também não ajudou, mostrando que qualquer das equipas — com maior incidência no caso do Direito — não era tacticamente suficientemente conhecedora ou preparada para se adaptar às condições a que estiveram sujeitas.
No meu tempo de jogador, em que o vento — por poucas preocupações de criação de barreiras nos campos utilizados — era uma quase constante, tínhamos a preocupação de nos adaptar a um jogo que tendia a ser jogado quase só — se vento lateral — num dos lados do campo ou —se vento ao longo — num dos meios-campos. Dizia-se então que a diferença de pontos ao intervalo para que a equipa que tinha jogado contra o vento tivesse hipóteses de ganhar o jogo, não poderia ser mais de 6 — hoje dir-se-ia que o limite estaria nos 8 pontos de diferença. E jogávamos tendo esses valores em atenção. Com uma preocupação fundamental: utilizar o jogo pelas costas para nos aproximarmos da área-de-ensaio adversária e marcar pontos da maneira que nos fosse possível. O que obrigava a adaptações técnicas e tácticas no jogo-ao-pé e na forma e distância dos passes.
Se a favor do vento o recurso principal era o jogo-ao-pé, obrigando ao distanciamento entre o 3-de-trás do meio-campo adversários, perseguindo organizadamente a bola para impedir contra-ataques e obrigar os defensores a chutar — naturalmente curto por incidência do vento — então aí e de acordo com o posicionamento adversário, analisava-se a possibilidade de jogar à mão em apoio próximo e com movimento suficiente. Mas nunca desprezando uma hipótese de marcar pontos, não trocando penalidades com postes acessíveis por qualquer outra possibilidade.
E foi isso que o Direito não soube fazer. Por razões tacticamente incompreensíveis (para mais numa final) nas condições atmosféricas então existentes, o Direito optou por jogar formações-ordenadas ou alinhamentos em vez de chutar aos postes, deitando fora possibilidades de marcar pontos e chegando assim ao intervalo a perder — com vento favorável, note-se! — por 12-8. Ou seja, a inexistência dos tais 8 pontos de vantagem com que deveriam chegar ao intervalo, já indiciava, no mínimo, uma difícil hipótese de vitória e, muito provavelmente, uma derrota. E mesmo que a marcação de um ensaio no final dos 40’, aparentasse uma boa resposta ao ensaio de oportuna interceção do Belenenses, foi promessa de pouca dura… Para mais se era ainda possibilitada outra interceção na 2ª parte…
E se uma interceção ainda pode ser tida como um acaso, duas já se integram no conceito de Churchill que, embora detestanto Desporto, sabia — felizmente! — muito de estratégia. E que dizia: “A sorte não existe. Aquilo a que chamas sorte é o cuidado com os pormenores”.
E foi esse cuidado, durante o tempo que jogou contra o vento, que o Belenenses teve, subindo muito bem na defesa, placando bem e provocando sérias dificuldades ao ataque de Direito que, jogando na comodidade da distância à linha defensiva adversária a que somou enorme lentidão na disponibilização da bola dos reagrupamentos — menos de 3 segundos é o tempo de libertação que permite manter os desequilíbrios conseguidos — raras vezes conseguiu ultrapassar a linha-de-vantagem e assim criar movimentos eficazes que colocassem a defesa adversária em dificuldade.
E se a estas ineficiências — que não permitiram a marcação de pontos na 2ª parte — juntarmos o facto do jogo-ao-pé ser pouco incisivo e com entrega fácil aos bem posicionados defensores adversários, percebe-se que a vitória do Belenenses — já favorito pelo demonstrado na fase de apuramento — foi inteiramente justa.
Mas o pior que o jogo nos trouxe foi o facto, para além de 3 cartões amarelos, do somatório de penalidades ter chegado às 32 (15 de responsabilidade do Belenenses e 17 do Direito). Nesta demasiado elevada demonstração de indisciplina, as duas equipas mostraram um verdadeiro problema do rugby português: a ignorância das Leis do Jogo.
A árbitra, a ex-jogadora internacional (campeã nacional portuguesa e francesa) e actual árbitra internacional, Maria Heitor — que mostrou à evidência com a sua actuação que está no topo da arbitragem portuguesa — limitou-se a cumprir o papel que se exige ao árbitro: garantir, a ambas as equipas, a equidade da aplicação das Leis do Jogo, não acrescentando qualquer outra preocupação (essa ideia de que o árbitro não deve apitar demasiado para que o jogo não pare tanto, é uma falácia! Tanto quanto o é também um errado conceito de “arbitragem preventiva” que, feita quase sempre, depois da falta, só dá vantagem ao prevaricador… O árbitro deve apitar as faltas existentes, não prejudicando assim a equipa mais disciplinada. E se um jogo, como foi o caso, tem demasiadas faltas, a culpa será dos jogadores e dos seus treinadores, não do árbitro!).
Portanto, justa vitória do Belenenses, com boa arbitragem de Maria Heitor e sem qualquer responsabilidade na construção do resultado num jogo infelizmente de fraca qualidade e fraco teor competitivo. em que, fosse contra ou a favor do vento, qualquer das equipas — e tratam-se das duas melhores equipas portuguesas da época… — mostrou incapacidades na adaptação e utilização eficaz da posse da bola.
Esta final foi de novo exemplo de que a organização competitiva do rugby português necessita de alterações que garantam a elevação do padrões técnicos, tácticos e de intensidade para níveis que aproximem esta principal competição dos níveis internacionais. Para que o sonho da participação em Mundiais seja uma realidade que ultrapasse ou sonho ou a sorte.