sexta-feira, 17 de junho de 2022

MICHEL LAMOULIE E A ARBITRAGEM

Qual a diferença entre uma equipa que cria o jogo e aquela que reage ao jogo?

Tenho vergonha de fazer uma tal pergunta porque a acho ridícula em comparação com o copiar-colar das técnicas de jogo.


De facto, ouço com demasiada frequência ou mesmo leio a propósito de um árbitro: "Não é um bom árbitro, ele não favorece a equipa que cria o jogo, ele tem problemas de gestão!! ". Conceitos como este ás vezes revoltam-me.


A partir desta frase, estúpida na minha opinião, colocam-se duas questões essenciais:

— O que distingue uma equipa que cria o jogo daquela que reage ao jogo?

— O árbitro deve favorecer uma equipa que cria o jogo?


Vou tentar responder a estas duas perguntas.


Jogar é atacar ou defender. Durante qualquer desafio, o estatuto de cada equipa muda de atacante para defensor. Posso então escrever sem hesitação: uma equipa que ataca joga e uma equipa que defende também joga. 


A maioria das equipas constrói o seu jogo a partir da qualidade e inteligência da sua defesa. Tendo em conta a uniformatização das técnicas de jogo, cada fase de conquista conduz a uma luta empenhada, especialmente na fase de placagem, aquela que mais vezes se repete durante um desafio. É nessa fase que aparece a qualidade da defesa na luta no chão…


Demasiadas pessoas pensam que uma equipa que faz passes cria jogo, mas isso não é suficiente, é preciso atacar especialmente avançando em direcção à linha-de-ensaio adversária para marcar pontos. No Código do Jogo da World Rugby, lê-se:


"O objetivo da equipa na posse da bola é manter a continuidade, evitando ceder a bola ao adversário, e, usando as suas capacidades técnicas, avançar no terreno e marcar pontos. Falhar este objetivo, seja por deficiências próprias ou pela qualidade defensiva da oposição, significa perder a bola e entregá-la à equipa adversária. É o ciclo virtuoso do jogo: disputa e continuidade, utilização e perda.

Sempre que uma equipa procura manter a continuidade da posse da bola, o adversário luta por conquistá-la. É este conflito de interesses, esta luta, que garante o equilíbrio essencial entre continuidade do jogo e continuidade da posse. Equilíbrio este, entre disputa e continuidade, que se aplica tanto às fases ordenadas como ao jogo-em-geral.”


Paradoxalmente, na fase de placagem, os árbitros mostram tolerância despenalizadora em relação aos jogadores da equipa atacante. Com esta tolerância, eles, inconscientemente, beneficiam a equipa que defende. Com efeito, a maioria dos árbitros aceita entradas ilegais e que os jogadores da equipa atacante vão voluntariamente ao chão para garantir a conservação da bola. Tal tolerância conduz, infelizmente, a uma vantagem da equipa defensora. Os defensores, vendo que não podem recuperar a bola, tem um ou dois jogadores no chão, enquanto que a equipa atacante consome, desnecessariamente, muito mais jogadores no chão. Os atacantes que detêm a posse da bola irão, portanto, jogar  contra uma defesa em superioridade numérica e bem organizada. A continuidade só pode ser garantida pelo "pick and go" definidos pelos media como tempos de jogo com movimentos muitas vezes laterais e pouco penetrantes na direção à área-de-ensaio adversária.


Da mesma forma, assim que a equipa defensora se encontrar em superioridade numérica, o árbitro deve aplicar a Lei da Vantagem com moderação (ao contrário do que a maioria das pessoas pensa), especialmente em relação ao placador-bloqueador. Esse desejo de jogar a vantagem sobre uma bola lenta (permitindo a reorganização efectiva da defesa) levará a equipa na posse da bola a jogar sob pressão adversa e a ter dificuldade em usar essa posse de forma eficaz, ficando limitada apenas ao recurso do pick-and-go.


Antes de 2000, as regras do jogo eram acompanhadas por Notas aos árbitros. Assim, no nível das Regras 18 e 19 intituladas Placagem, permanecer deitado o jogador deitado com, sobre ou perto da bola, a Nota (6) dizia: "Vantagem deve ser apenas jogada se acontecer imediatamente”. Para mim isto significa que a luta produziu uma bola rápida. Por uma questão de eficiência e consistência para o jogo, os árbitros actuais devem inspirar-se nesta famosa nota.


Esta uniformização do jogo e das aplicações questionáveis das regras fazem com que o vencedor nasça geralmente de jogadas individuais ou do chutador ou da riqueza do banco


"Ele não favorece o jogo da equipa, ele tem problemas de gestão!!".

Aqueles que usam este verbo "favorecer" têm uma concepção muito particular da função do árbitro. Um bom árbitro deve analisar muito rapidamente os pontos fortes e fracos de cada equipa e permitir que tanto o atacante quanto o defensor pratiquem seu jogo de acordo com as Regras.


O primeiro dever do árbitro é, portanto, levar os jogadores a cumprir a aplicação das regras. Assim, a partida será jogada de acordo com os princípios do jogo. Como prioridade, o árbitro deve garantir a segurança dos jogadores através da justa aplicação das Leis.


A palavra justa mostra imediatamente que o árbitro está ligado a um código ético que pode ser definido pelas 3 palavras: justiça, lealdade, imparcialidade. Essas três palavras destacam que o verbo "favorecer" não pode de forma alguma dizer respeito ao árbitro.


Em todos os momentos, o árbitro deve diferenciar claramente entre o que pode ser apitado e o que deve ser apitado. Ele deve estar constantemente ciente de que a gestão sempre responderá, do início ao fim de um desafio, ao código ético da arbitragem ligado às três palavras: justiça, lealdade e imparcialidade.


É por isso que um bom árbitro nunca deve favorecer uma equipa que ataca em relação à equipa que defende e vice-versa.


Michel Lamoulie, formador e treinador internacional de árbitros


(tradução livre de JPBessa)


NOTA do Código do Jogo da World Rugby apensa pelo tradutor:

Aplicação das Leis do Jogo

Os jogadores têm obrigação absoluta de respeitar as Leis do Jogo e os princípios da lealdade e do espírito desportivo. As Leis do Jogo devem ser aplicadas de forma a que o jogo possa desenrolar-se de acordo com os Princípios do Rugby. Os árbitros devem fazê-lo sendo imparciais, equitativos, consistentes, coerentes, conhecedores e, ao mais alto nível, pela sua capacidade de gestão do jogo. Por outro lado, constitui responsabilidade dos treinadores, capitães e jogadores respeitar a autoridade da equipa de arbitragem

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