Com a derrota aparentemente lisonjeira contra a Itália veio também a sorte grande da confirmação do afastamento da Espanha — se o processo tiver terminado aqui e não houver recurso para o TAD Internacional... — e do acesso de Portugal à repescagem para o Mundial de França.
Neste jogo contra a 14ª equipa do ranking mundial, a equipa de Portugal (20º lugar) perdeu (31-38) por 7 pontos de diferença — diferença que o meu algoritmo perspectivou — e com uma diferença em ensaios de 4 para 6 (com ambas as equipas castigadas com 1 ensaio de penalidade), uma posse de bola de 46% e um domínio territorial de 36%.
O jogo não foi brilhante nem teve a esperada intensidade, tendo muitos erros de parte a parte mas teve na arbitragem de Hollie Davidson e da sua equipa feminina uma francamente boa prestação a homenagear a estreia mundial que constituíram — apenas um erro a reparar ao transformar um “50:22” num pontapé-de-22 mas que no entanto foi amplamente aplaudido pelos espectadores (!). Tiveram decisões difíceis — quatro amarelos e dois ensaios de penalidade — que resolveram adequadamente e, principalmente, não andaram o tempo todo a fazer avisos verbais que beneficiam essencialmente o infractor: verbalmente sinalizaram a passagem de bloqueio a placagem e de maul a ruck e com os braços marcavam as linhas de fora-de-jogo.
Quem fazia falta, era castigado como deve ser neste jogo de conquista de território — Portugal, mais uma vez e repetindo a indisciplina que se tem passado em jogos anteriores, foi penalizado 15 vezes (11 no seu próprio campo) contra apenas 6 da Itália (3 no seu meio-campo).
A estreia mundial de um quarteto feminino a arbitrar um jogo internacional masculino |
Mas se a repetição de erros já conhecidos e perfeitamente detectados já quase não me surpreende, fiquei completamente surpreendido — e até incomodado — com as afirmações de desresponsabilização de Patrice Lagisquet no pós-jogo. Disse assim o principal responsável pelo XV de Portugal e cito do Record: “Se não mudarmos esta mentalidade, até a repescagem para o Mundial vamos perder. É sempre a mesma coisa! Mostramos que sabemos jogar, mas a toda a hora cometemos faltas estúpidas, oferecemos a bola, eles montam “mauls” e marcam. Temos de mudar isto. Não merecemos ganhar! quando estás a ganhar por 14 pontos e tens bola, espaço e o vento contra, tens de jogar com as tuas qualidades e contra-atacar. Não somos a França para estar a defender 60 minutos sem fazer faltas.” E de A Bola: “Foi por pouco, mas falta muito. Tivemos 14 pontos de vantagem [24-10], somos capazes de fazer coisas boas, mas tivemos medo e, por isso, perdemos. É um problema de estado de espírito, temos de mudar, é o mais importante.”
Então mudem! Porque se, como escreve Teotónio Lima, “quem faz a equipa são os jogadores” é bom lembrar que é aos treinadores, nomeadamente ao seu treinador principal, que compete adequar aos objectivos estratégicos as decisões tácticas, através de uma liderança que, como lembra Jorge Araújo, seja capaz de se focar na mudança, na criatividade e na gestão do inesperado. Liderando de tal maneira que se imponha o conceito do treinador de basquetebol, Jack Ramsay, de que “equipas bem treinadas nunca são surpreendidas; elas são capazes de se adaptar a qualquer coisa que vejam”.
E se há muito a mudar — e há — é bom lembrar, como deixou dito o escritor James Baldwin, que “nada pode ser mudado enquanto não for enfrentado”. Portanto enfrente-se e não se espere que a mudança aconteça por queda dos céus.
Enfrente-se a saga, uma 5ª vez, de Portugal deixar fugir vitórias nos últimos minutos do jogo: Roménia em Lisboa com 27-21 aos 79´e 27-14 aos 73’; Roménia em Bucareste com 27-20 aos 60’ e 27-27 até aos 69’; Geórgia em Tbilisi com 25-18 aos 65’; Japão com um ensaio à vista aos 79’ que uma má leitura impediu o nosso e entregou o ensaio final japonês; e agora Itália com 31-31 aos 79´ de jogo mas com 17-10 ao intervalo, um 24-10 favorável aos 43' e mantendo-se na frente, por 31-24, até aos 73'. Cinco vezes e já sem falar do muito mau jogo contra a Espanha em Madrid.
Mas estes resultados também são consequências de decisões erradas, desde a escolha de jogadores com poucos jogos efectuados e que são colocados em posições onde a sua prestação — como agora aconteceu — não traduz justificação para a sua chamada ou de um inexplicável critério de substituições como retirar Tadjer sobre um alinhamento a 5 metros da nossa área-de-ensaio e em altura de resultado já crítico ou substituir, apenas aos 59‘, o desadaptado Thibault por Tojal, desfazendo a dupla Cerqueira/Madeira que tinha até então sido de muito boa consistência como indica o seu comportamento na formação-ordenada e as 27 placagens (15 e 12) com que eliminaram muitos ataques italianos de canal 1. E Isto sem falar na entrada de jogadores sobre o apito final que mais parece uma simpática preocupação de conceder internacionalizações do que servir a equipa, melhorando-a em tempo útil. Também se percebe mal as queixas sobre a dificuldade —ou mesmo impossibilidade — de defesa dos mauls que é conhecida desde os primeiros jogos. E fica a pergunta: que treino foi feito desde então para garantir a melhoria da oposição do grupo e ultrapassar o visível “cada-um-por-si”? E, admitindo que algo foi feito, se não existem melhorias, há que mudar processos e garantir a eficácia. Com treino melhor e diferente, claro!
Também se percebe mal o lançamento dos ataques de fases ordenadas: o receptor recebe a bola demasiado recuado, deixando que a defesa suba sem qualquer perigo e ultrapasse a linha-de-vantagem criando superioridade numérica e diminuindo as hipóteses de exploração dos intervalos. Dois erros surgem aqui e que o treino já devia ter alterado. Graham Henry diz que o jogo de rugby é uma corrida pela linha-de-vantagem, o que exige da parte dos receptores que sigam — ao contrário do que se vê na nossa selecção — a sequência correr-receber-passar, permitindo assim ao primeiro receptor — normalmente o abertura — que fixe três adversários — o adversário directo, o terceira-linha e o médio-de-formação que tem que se manter no corredor do canal 1 e não pode partir de imediato a formar a segunda cortina defensiva — e que garanta quer a manutenção dos intervalos, quer a construção do apoio, dando assim à linha atacante oportunidades de quebra da linha defensiva quer pelo ataque directo, quer pelo ataque envolvente . Pelo contrário, os jogadores portugueses —o abertura bem como os avançados na recepção das fases expontâneas — esperam parados pela chegada da bola para só depois arrancar, dando assim todas as vantagens ao adversário defensor e deixando o talento atacante de Sousa Guedes, Appleton ou Marta à espera de momentos em que a reutilização da bola é suficientemente rápida para não ser necessário o recomeço da tentativa de fixação e penetração próximos. Alterar a situação é uma questão de explicação, treino e confiança. E objectividade!
E se as formações-ordenadas mostram problemas, principalmente após a realização das substituições, lembro que já houve um programa designado Força 8 — internacionalmente aplaudido — que eliminou muitas das dificuldades que então tínhamos. A solução é sempre a mesma: muito treino com ensino e prática das técnicas específicas.
O jogo ao pé (28 pontapés com 8 de Portela e 6 de Guedes) também não tem passado — principalmente no jogo a partir da conquista ordenada — de uma simpática entrega de bola aos defensores adversários que, sem problemas, recuperam a sua posse sem que a equipa tenha conquistado território. Ora a modificação desta situação também tem que ver com o treino aplicado — não basta dizer, é preciso treinar para que a bola chutada coloque problemas aos defensores depois de lido o posicionamento do adversário e fazer a bola cair em espaços livres. No caso da recepção profunda de pontapés adversários e a queixa de que chutam em vez de contra-atacar também se ultrapassa pelo treino. Obrigando os restantes jogadores a recuarem e organizarem-se em apoio para permitir o contra-ataque. No que também não basta dizer, exige prática!
O rugby é um jogo de conquista de território — pouco importa ter a bola se não sairmos do nosso meio-campo — e se o domínio territorial — com vento favorável, lembre-se — pertenceu a Portugal até aos 15 minutos, a partir daí o domínio virou italiano para terminar numa vantagem de 64% (55% na 1º parte e 74% na segunda). E a partir do momento que o domínio territorial caiu para o lado italiano, as dificuldades para Portugal chegar à vitória começaram a aumentar. E que fez o responsável técnico para virar a situação? Que alterações propôs? Ficou-se pelo ver o que fariam os jogadores ou não notaram a inversão?
É claro que Lagisquet tem toda a razão quando diz que “se não mudarmos não vamos lá”. E a quem pertence a responsabilidade da mudança?
A concessão de um ensaio de penalidade no último momento do jogo, permitindo aos italianos não saírem de rastos do Restelo, é uma demonstração de falta de maturidade táctica e de preparação de competitividade desportiva. A mesma falta que permitiu a derrota nos últimos momentos de outros jogos. E a consistência necessária ao aumento da competitividade desportiva também se treina.
E o que custa é sabermos que poderíamos estar apurados para Mundial e ainda temos que ir jogar a última oportunidade de qualificação. Com a desvantagem do principal responsável colocar a responsabilidade da mudança nos jogadores e não no processo de treino. Mudanças que devem iniciar-se tão breve quanto possível porque Novembro é já ali.
Enfim, que a sorte nos acompanhe como administrativamente nos acompanhou até aqui…
NOTA: as estatísticas foram recolhidas na Ultimate Rugby