sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

PORTELA 13

O Miguel Portela fez-me uma entrevista que publicou no seu site PORTELA13. Dias passados após a sua publicação, transcrevo-a para o XV CONTRA XV.

Portela 13 - Os sevens… que papel tem na divulgação do Rugby?
João Paulo Bessa - Não sei… desconfio até se terão algum no que diz respeito ao rugby de XV. Espectadores que gostem de sevens não gostarão necessariamente do XV – formas e conteúdos diferentes: um mais adequado ao pouco conhecimento, à evidência, outro mais interessante se conhecido e analisado; um muito previsível e pouco surpreendente e portanto mais adequado às expectativas do espectador não-conhecedor mas admirador da performance atlética – grandes sprints; passes heterodoxos, exploração de espaços vazios evidentes; outro mais exigente de um ponto de vista da compreensão e do conhecimento – aproveitamento colectivo de desequilíbrios, antecipação organizativa, construção do espaço livre, construção do apoio, etc.
O sevens começou por ser um encontro divertido de amigos no final das épocas – a sua dimensão era a de relação social, da descontracção, do prazer de jogar uns com outros, libertos da formalidade dos campeonatos de XV. Hoje tudo isso está ultrapassado – a festa fica-se cada vez mais e só pelas bancadas – e a versão do sevens a que assistimos pertence a uma modalidade particular e quase independente – apenas sob controlo administrativo comum.
Levará o rugby a locais onde o XV não tem implantação? A bola oval levará, duvido que leve o rugby de XV – estratégica e tacticamente – como o conhecemos.

P13 - É esta uma modalidade que permite lançar jogadores que vingarão no XV? Ou os jogadores que saltam do VII para o XV seriam, por natureza e inevitavelmente, bons jogadores de XV?
JPB - Permitirá lançar jogadores mas nada garante que poderão vingar no XV. São duas modalidades diferentes e a adaptação dos potenciais jogadores de qualidade far-se-á de forma diferente. Se de um lado – XV – o princípio fundamental está definido como AVANÇAR SEMPRE! e do outro a principal preocupação consiste na MANUTENÇÃO DA POSSE DA BOLA, o jogo é necessariamente diferente e os jogadores também o serão nas suas qualidades específicas – ficarão alguns gestos comuns mas apenas de aparência idêntica: o tempo, a relação atacante/defensor, o espaço disponível – o dobro por cada jogador nos sevens -  exigem uma concretização diferente do gesto, uma outra regulação.
A maior possibilidade que vejo para o recurso ao sevens pelo XV é o de testar – em ambientes de pressão superior pelo número de espectadores e sequência de jogos – o carácter e a atitude do jogador. Aí sim, poderá ver-se a fibra de cada um e a sua disponibilidade para o combate. Mas pouco se pode retirar para uma eventual transferência de modo (por exemplo: as questões tácticas que se colocam à placagem que, sendo de natureza diferente – pela colocação do apoio, pelo maior intervalo, pelo menor número, pelo maior espaço – do XV, são também de menor complexidade, significando que um bom placador de sevens, pode não o ser no XV).  
As duas modalidades tendem à diferença – e o futuro se encarregará, como já aconteceu noutras modalidades, de aumentar a evidência. Naturalmente que os jogadores de uma ou de outra das modalidades também tenderão a ser diferentes técnica, táctica e estrategicamente, ficando, cada um, no seu ramo.

P13 - Na minha opinião a forma como os 7´s estão a ser jogados, técnica e tacticamente, tiram algum brilho e fantasia à versão reduzida. A própria fisionomia e características técnica dos jogadores, cada vez mais musculado, parece contribuir para a ideia de que se estão a criar excelentes atletas mas poucos jogadores… Como avalia esta evolução e estas criticas?
JPB - A responsabilidade competitiva que foi sendo colocada no sevens não permite mais os riscos que a fantasia admitia – o que está em jogo é demasiado... Naturalmente que essa responsabilidade levou ao caminho mais fácil e menos arriscado: aumentar a capacidade física. O que leva ao problema referido na pergunta – a criação de excelentes atletas mas pouco jogadores (macacos-de-ginásio na expressão de McGeechan) – e com a dimensão do brilho e da festa a diminuir dentro do campo em relação à festa das bancadas.
Esta evolução será com certeza uma fase quase obrigatória para o encontro de novos caminhos - com outra formação de base, uma superior análise das possibilidades de desenvolvimento do jogo e, até, com a necessária adaptação das regras actuais que, afastando-se do XV, irão proporcionar uma cada vez maior diferença de caráter entre as modalidades.

P13 - Portugal tem tido melhores prestações nos VII do que em XV. Quais as 3 ou 4 principais razões para este facto?
JPB - Não tenho a certeza que as prestações sejam assim tão diferentes se ultrapassarmos uma visão imediata de aparências e descontarmos vitórias ou troféus cujo nível não ultrapassa o que sabemos: conjunto de equipas sem qualidade internacional reconhecida.
Portugal na World Series tem cerca de 35% de vitórias nos jogos disputados – aí com a possibilidade de defrontar adversários mais acessíveis. Também aí as suas prestações têm sido definidas, pode dizer-se e com excepção das duas únicas presenças na CUP (o quadro final principal), a jogar ao nível que joga no XV, na segunda divisão.
No XV e nos últimos 23 jogos (pós-Mundial 2007), defrontando na sua maioria equipas colocadas em lugares superiores do ranking, a percentagem de vitórias estará nos 30%. O que não revela particular desequilíbrio, atendendo às circunstâncias de uma e de outra modalidade.
O impacto mediático do sevens com as diversas taças em disputa permite muitas vezes uma aparência de sucesso que não passa disso mesmo: aparência. No XV e na sua tradição mais profunda não há essa possibilidade – o jogo é entre duas equipas cujo posicionamento no ranking é conhecido e que estabelece de imediato uma relação de forças e a derrota ou a vitória podem ser qualitativamente consideradas. E dada a natureza do jogo as vitória-surpresa de médios sobre grandes são, como sabido, praticamente inexistentes.
Não acho, portanto, que haja grande diferença no posicionamento entre uma ou outra modalidade. Pelo contrário, parece-me que há equilíbrio posicional: Portugal vale o mesmo nas duas modalidades. E a expressão de estarmos quase lá tem acontecido em ambas as modalidades.  

P13 - Jogos Olímpicos ou Mundial de 2015? Qual teremos mais hipóteses de nos qualificar?
JPB - Se os Mundiais mantiverem o número de vinte equipas, se aprendermos colectivamente a exercer o “direito a ganhar” e uma vez que as diferenças entre o 14º e o 23º do ranking – no fundo os nossos possíveis adversários na qualificação final - não são inultrapassáveis, se forem limadas deficiências notórias na nossa forma de jogar, se o bloco de avançados continuar a subir nas suas capacidades e se houver a percepção de dirigentes, treinadores e jogadores das necessárias transformações competitivas internas, Portugal pode estar presente no Mundial de 2015.
Para a presença nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro as dificuldades são várias: a) são 12 equipas participantes; b) o Brasil, enquanto organizador já está qualificado, sobrando portanto 11 lugares; c) os anéis olímpicos são de 5 cores diferentes e representam os cinco continentes. O que significa que tem de haver, não os 11 melhores do Mundo, mas, no mínimo 1 representante de cada continente, sobrando 5 lugares para os melhores qualificados de diversas qualificações possíveis; d) ou pode ser outro o caso: os 11 lugares são distribuídos equitativamente pelos 5 continentes – quatro com dois e um com três equipas. E para quem vai o grupo de três? Para a Europa que, nos grandes, tem uma preocupação de qualificação menor para os organizadores pela presença da Grã-Bretanha ou para a Oceânia que se apresenta com os melhores como Samoa, Nova Zelândia, Fiji e Austrália? No meio destas hipóteses, onde cabe Portugal? Numa qualificação geral onde caberão grande parte dos trutas, numa qualificação na Europa - a dois ou a três - contra a Grã-Bretanha, Irlanda, Rússia, Geórgia, França e Itália. Não é fácil e não pode ser visto como adquirido. E nos femininos, o panorama é idêntico.
A entrada do sevens nos Jogos Olímpicos não é nenhum presente para emergentes – a IRB pensou sempre (ou melhor: deu sempre a entender) que a disputa se faria, pelo menos, um número de equipas como nos maiores torneios da World Series (16 a 24). Mas a estratégica prenda olímpica para os pequenotes – para equilibrar/calar as legítimas razões das exigências de carácter financeiro ao nível do XV – saiu pela culatra: só lá vão estar os mesmos. E agora?

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