terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

O MOVIMENTO É A CHAVE

Na última jornada do 6 Nações, a Itália foi varrida em Twickenham e não estou certo que tenha percebido as razões do desastre. Como acontece muitas vezes, Nick Mallet - o treinador responsável - apoia-se no classicismo das estatísticas para encontrar o que possa justificar o tratado de oval sofrido: incapacidade de conquista nos alinhamentos e falhas de placagem, detectou. Embora o banho nos alinhamentos fosse um facto – 9 lançamentos próprios conquistados pelos ingleses - a questão-chave não estaria aí… Do meu ponto de vista, embora também legíveis nas estatísticas, as principais razões são outras: os ingleses ultrapassaram 15 vezes a linha de vantagem e realizaram 17 passes-em-carga (off-loads). Ou seja: mostraram que o que conta é a capacidade de uso da bola, ultrapassando a linha-de-vantagem, criando o desequilíbrio que, apoiado em linhas de corrida de ângulos diversos, irá permitir a criação da superioridade numérica profunda – a que realmente conta -  fornecendo a plataforma suficiente e necessária à manutenção da continuidade do movimento. E isso fez – faz! - toda a diferença mesmo que tivesse havido igualdade nas conquistas dos alinhamentos.

No intervalo recebi uma chamada do António Coelho directamente de Twickhenham: “Os ingleses estão a alterar o tipo de jogador. Já não querem os bisontes que não sabem usar a bola.” Claro que não, querem-nos mais dúcteis, mais técnicos, mais capazes de “jogar de cabeça levantada” para ler as forças e fraquezas e tomar as decisões mais adequadas. Que sejam menos gym monkeys – esse ódio de estimação de McGeechan - e mais jogadores. A Inglaterra está a lançar-se para o Mundial, veremos até onde chega – mas a procura do modelo eficiente já lá está.

Os jogos deste fim-de-semana e com a preocupação de surpreender defesas, trouxeram também para a ribalta os pontas. Como gosto de acentuar, o ponta é hoje um ás-de-trunfo do colectivo: rápido, difícil de marcar, com enorme liberdade, pode aparecer onde menos se espera e criar a diferença. Vindos de um lado ou outro do campo, aparecendo como isco ou como actor, mas mostrando-se sempre disponíveis para participar e elevar o nível de alternativas do seu ataque, Chris Ashton, Shane Williams, Mc Fadden, Medard, Cueto ou Gonçalo Foro mostraram-nos a importância da sua utilização. Isto sem falar na cada vez maior presença de aberturas - o recurso de Gales a Hook mostra a evidência - que coloquem dúvidas aos defensores, que sejam capazes de atacar a defesa, bloqueando a subida, ganhando o espaço e o tempo necessários à leitura do posicionamento dos defensores e á construção do apoio. O jogo começa portanto a ter exemplos práticos e cada vez mais amplos do jogo total pretendido por Greenwood e que Gales dos anos setenta de Ray Williams ou o Toulouse de Villepreux dos anos 80 já tinham deixado marcas características – e que All-Blacks e Austrália mostram realizável hoje em dia.  

A configuração dos resultados que aconteceram trouxe à baila uma outra questão a que gostamos de dar importância: que as defesas ganham jogos. Ganham… mas apenas se conseguirem aguentar os pontos marcados pelo ataque. Ou seja, não havendo ataque que marque a única coisa que a boa defesa poderá garantir é que não haverá nenhuma abada, mais nada. Uma equipa ganhadora exige equilíbrio na relação ataque/defesa, exige qualidade em ambos os aspectos: tornando-se capaz de defender, pressionando o adversário e conquistando terreno quando não tem a bola; capaz de ser eficiente no uso da bola, atacando intervalos, pressionando para conquistar terreno e apoiando para continuar o movimento. Jogando um rugby total. E, curiosamente, as duas recentes vitórias do XV de Portugal resultam mais da capacidade de marcar pontos que permitiram comandar o resultado e menos da capacidade defensiva que, nos últimos momentos de qualquer dos jogos, deixou algo a desejar e permitiu a aproximação pontual dos adversários. Em defesa, aguentaram o que o ataque conseguiu… e ganharam.

E a propósito da selecção portuguesa também se gosta muito de acentuar a amizade existente entre os jogadores como elemento essencial de superações inesperadas. Pode ser bonito mas nem é questão essencial, nem tem qualquer importância fundamental para a construção de uma boa equipa. Essencial é, para além da clara definição de uma cultura de equipa – a maneira como fazemos as coisas – que haja, dentro e fora do campo, respeito entre uns e outros e por uns e por outros e ainda, dentro do campo, no tempo do jogo, que haja solidariedade que eleve o individualismo a padrões de confiança que permitam a presença colectiva permanente e a capacidade colectiva do risco. E será desta combinação que resultarão as vitórias significativas.

Penso, cada vez mais, que as vitórias recentes dos portugueses vivem disso: de um maior empoderamento (delegação de poder) da decisão pelos jogadores – menos padrão e mais decisão – e de uma solidariedade feita à volta do que conta: o jogo, o campo, a equipa. E acho que isso se começa a notar em cada movimento do jogo. Com bons resultados.

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