sexta-feira, 3 de novembro de 2017

PROIBIR PITÕES DE ALUMÍNIO?!

Os famigerados pitões de alumínio que dão cabo da relva artificial. Será?!
A Federação Portuguesa de Rugby enviou para os clubes - julgo que para todos, mas não confirmei - uma determinação a proibir o uso de pitões de alumínio em campos de relva artificial, demonstrando um óbvio abuso de poder numa manifestação de absoluta ignorância. Porque a Federação não tem conhecimentos técnicos para determinar sobre o assunto e a sua capacidade de homologação exige respeito pelas exigências normativas!

Qual é o problema do uso de pitões de alumínio sobre relva artificial? Nenhum desde que cumpram o Regulamento 12 da World Rugby, responde (a meu pedido) o Director Comercial das SIS Pitches, empresa fabricante e instaladora, por exemplo do anterior e actual campo do Saracens Football Club - clube inglês de rugby de alto nível competitivo que joga no Allianza Park. Em 2010 quando se preparava para colocar o primeiro 3G do rugby inglês, dizia o seu presidente Nigel Wray: "A relva artificial pode muito bem ser o futuro do rugby. Foi aprovada pela IRB e pela RFU e as últimas evidências sugerem que permitirá um jogo mais rápido, mais seguro e mais divertido." E não consta que tenham proibido os pitões de alumínio... mas sabe-se que, desde 2015, foram duas vezes campeões ingleses e duas vezes campeões da Europa.

Também não consta que o francês US Oyonnax - 1º clube francês a montar, em 2015, um campo de relva artificial, tenha proclamado qualquer proibição. E também não consta que todos os outros campos de relva artificial onde se joga rugby tenham a proibição dos pitões de alumínio. Proibição que demonstra, para além de outras coisas, ignorância desportiva. Se não, vejamos.

As Leis do Jogo de Rugby autorizam que o jogo se realize em relva artificial desde que esta cumpra o Regulamento 22 do World Rugby (alínea b) da Lei 1.1). Compete à FPR a homologação dos campos (artigo 43º do Regulamento Geral de Competições 2017/2018) uma vez respeitado o já referido Regulamento da World Rugby ou respeitando requisitos e condições definidos pela FPR. Definições que se encontram no Regulamento de Homologação de Campos e que dizem respeito às dimensões do terreno-de-jogo e à sua orientação mas nada estabelecem sobre a tipologia de piso.

Ou seja: o rugby português pode ser disputado em campos de relva artificial que cumpram o Regulamento 22 da World Rugby. Como aliás qualquer jogo de rugby em qualquer parte do mundo. E é esse constrangimento que a FPR deve assegurar na sua homologação, garantindo campos adequados ao jogo de rugby.
O pitão regulamentar de acordo com a Rugby World 

Definida a única restrição, passemos aos pitões e ao Regulamento 12 que os define na sua formatação (não fala em materiais): um diâmetro de contacto mínimo de 10mm para uma altura máxima de 21 mm. Ou seja: por um lado um limite de altura que permita a tracção e a estabilidade em condições adequadas à modalidade e, por outro, o diâmetro mínimo que garanta a segurança do contacto impedindo perfurações.

E cumpre-se assim a regra evidente: o que não fere a pele humana também não perfura a tela ou corta filamentos da relva artificial.

Lembre-se ainda que compete aos árbitros - por óbvias razões de segurança - verificar, como estabelece a Lei 4.5 - o estado dos pitões das botas, garantindo assim que tudo está em conformidade com as Leis do Jogo.

Com a facilidade de obter pitões de 15, 18 e 21mm enroscáveis e em alumínio, os jogadores podem escolher a dimensão que, para um dado campo, pode tornar a relação atleta/piso mais confortável. Limitando-se portanto a jogos de pitões e à sua troca eventual e não tendo que utilizar dois pares de botas.

Com uma altura máxima de 21mm e quando comparada com as botas normalmente utilizadas pelo futebol - a FIFA tinha, antes do aparecimento das "laminas", um limite de altura de 13mm - verifica-se que os 8 mm de diferença marcam a distância das necessidades de movimentos entre as duas modalidades. No Rugby há necessidade, para além dos equilibrados e transmissões de esforço da corrida, de garantir a tracção no empurrar das formações ordenadas ou espontâneas, nos mauls ou placagens. Ou seja, a necessidade de "estabelecer presa" de uma é muito maior do que da outra.

Estas diferenças não podem ser reduzidas à igualdade por mero capricho. O uso de pitões de borracha ou de solas moldadas não produz a aderência necessária que o jogador necessita nos seus movimentos individuais ou colectivos. O que significa uma maior tendência a lesões, uma maior insegurança. Ou então um afrouxamento das técnicas adequadas com as péssimas consequências daí resultantes. O que significa que os primeiras-linhas ou estabelecem um pacto de não-agressão ou aumentarão os riscos de colapso com o consequentes aumento do risco de lesões graves. Tudo porque alguém decidiu proibir esse enorme papão dos pitões de alumínio...

Porque surge então esta moda proibitiva? Porque, num país de domínio futebolístico tudo se mede pelos ditames do futebol - a menor altura habitual dos seus pitões terá levado a cortes poupadores com uso de combinações desajustadas dos materiais que compõem o tapete artificial e como também pouco se usam pitões de alumínio, meteu-se tudo no mesmo saco e disfarçamos o mau resultado técnico acusando a vontade devoradora do alumínio. Cheguei a ler, de um ilustrado fornecedor, a justificação do ano que, sensibilizado, transcrevo: não se pode utilizar pitões de alumínio porque, sendo de enroscar e podendo estar mal enroscados, pode prender alguma fibra e causar a queda do atleta ...  E foi na facilidade desta armadilha que caiu a Federação - sem nenhuma vantagem para o Rugby, para o jogo ou para os jogadores. Pelo contrário!
Estes malandros a dar cabo de um relvado artificial...que irresponsabilidade...
que mania esta de empurrarem e de precisarem de agarrar os pés ao chão... 
Há uns anos (2012) e a pedido da direcção da FPR da altura, elaborei um parecer DO USO DE PITÕES DE ALUMÍNIO EM RELVA ARTIFICIAL, que concluía assim:
  1. Não há prova conhecida, nem científica, nem empírica, que os pitões de alumínio [se de acordo com o Regulamento 12 da WR] deteriorem um campo de relva artificial mais do que quaisquer outros. A questão está na adequação às regras definidas e à necessária fiscalização que competirá aos próprios jogadores, treinadores, dirigentes e árbitros.
  2. A homologação de um campo para uma prática desportiva implica resposta material adequada às exigências do desporto que pretende servir. A prioridade pertence ao desporto e são os materiais que devem adequar-se e adaptar-se às características do jogo. Não o contrário.
  3. Assim a proibição de uso de pitões de alumínio não faz qualquer sentido, porque:
    • a sua considerada capacidade de deterioração da superfície de relva artificial não passa de um mito urbano idêntico aliás às apontadas ao comportamento da superfície em relação aos campos de relva natural;
    • as características técnicas do rugby - e lembra-se que a superfície deve estar suficientemente húmida para garantir quer o abaixamento da temperatura, quer a menor abrasividade - exigem que os seus jogadores consigam a "presa" - com capacidade equilibrada de tracção e estabilidade - necessária nos seus apoios para a expressão das suas capacidades. O recurso a botas com solas e pitões que entendem melhor se adequarem às suas capacidades ou estilo é um direito que não pode ser posto em causa;
    • colocaria nos relvados artificiais mais um anátema de desconforto sem qualquer sentido e prejudicial às vantagens económicas da sua utilização - os jogadores das equipas não residentes em campos de relva artificial teriam, por exemplo, de se municiar de "outras" botas; 
    • as referências a cumprir têm como limite e norma o que se encontra estabelecido nas Leis do Jogo, Regulamentos e outros documentos emanados das autoridades que têm competências para o efeito. 
terminando a RECOMENDAR
  1. aos clubes e seus dirigentes:
    • Que não aceitem contratos de termos de garantia com imposições que não estejam de acordo com as normas técnico-desportivas.
  2. aos clubes, dirigentes, treinadores, jogadores e familiares:
    • Que sendo o campo em relva artificial uma nova instalação com características particulares e diferenciadas dos campos de relva natural são exigíveis novos comportamentos - uma nova cultura de utilização - de que são exemplo:
      • a utilização das botas destinadas aos jogos apenas nas áreas de pavimento adequado e adjacentes ao campo com o objectivo de não deteriorar pitões e solas;
      • colocação de revestimento adequado nos percursos balneários/campo e zona de suplentes.
  3. aos treinadores e árbitros
    • Sensibilização dos treinadores para as vantagens de controlo do uso das botas e para - à semelhança do conseguido nos pavilhões - a sua exclusiva utilização no terreno de jogo e áreas demarcadas, tendo como objectivo a sua prolongada adequação à Lei 4.3. 
    • Sensibilização dos árbitros para a absoluta necessidade de cumprimento das Leis 4.3 e 4.5 com o objectivo de garantir a integridade física de jogadores e defender a qualidade do campo de relva artificial.
Apesar do Parecer continuar nos arquivos federativos foi ignorado e nem sequer serviu para levantar uma dúvidazinha aos magníficos decisores. E a única diferença existente de então para cá diz respeito à significativa melhoria das técnicas de fabrico, montagem e instalação - a relva artificial actual está melhor do que era - e a imposição da proibição é, portanto, um disparate - porque se os campos não aguentam o desgaste eventualmente provocado pelos pitões de alumínio que garantem a segurança da absolutamente necessária tracção e estabilidade, então não servem para suportar jogos de Rugby e não devem estar homologados uma vez que a segurança da integridade física dos jogadores é uma responsabilidade prioritária.

Pois é: o pensar para decidir anda pelas ruas da amargura...

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