segunda-feira, 28 de maio de 2018

DESMEMBRAMENTO DOS JUSTOS E DOS PECADORES?

Falta de Comparência com tantos jogadores no campo?!
Uma contradição nos termos?
Os acontecimentos que marcaram o recente Agronomia-Direito são manifestações de violência e não devem, nem podem, ser admissíveis num espaço desportivo, quer dentro, quer fora do terreno-de-jogo. Essas cenas (aos 4’) de “confrontos generalizados em que participaram praticamente todos os elementos de ambas as equipas” e que se repetirá no final onde “voltaram a envolver-se em confrontos generalizados, em que participaram novamente numerosos jogadores de ambas as equipas” como estabeleceu o Conselho de Disciplina, representam manifestações de violência que degradam os princípios gerais do Desporto e do Rugby — a nossa modalidade — em particular. Ora estas gravíssimas manifestações de violência devem ser sancionadas exemplarmente enquanto contributo dissuasor para que não fiquem dúvidas de que não podem, de forma alguma, voltar a repetir-se. A violência, quer seja individual ou colectiva não pertence - por mais que se pretenda mascarar as ocorrências com ficções distorcidas da relação entre adversários deste desporto colectivo de combate e de contacto físico permanente — ao mundo rugbístico. Não pertence mesmo! É até proibida! O Rugby é uma modalidade dura, com naturais riscos mas não pode admitir que seja transformada numa modalidade perigosa por permissão de violências que, naturalmente, ultrapassam as Leis de Jogo. Por isso é grave aquilo a que se assistiu dentro e fora do terreno-de-jogo na Tapada da Ajuda no jogo da meia-final do principal Campeonato Nacional.   
Estabelecido o princípio, vejamos o que resulta da decisão do Conselho de Disciplina. Considera este Conselho que os factos determinados “são passíveis de consubstanciar a prática de uma infração grave, prevista e punida pelo Regulamento Geral de Competições no seu no art.º 38º, nº1, alínea f)” e que estabelece, numa sequência de óbvia aplicação, que: 
“1. Uma equipa será considerada como tendo dado uma falta de comparência sempre que: 
f. Seja responsável pela interrupção definitiva por incapacidade de manutenção da ordem no recinto de jogo.”
O que, de acordo com o ponto 2 do art.º41 (Desclassificações), não poderá ter, porque não há justificação possível, outras consequências que não:
2. Será desclassificada qualquer equipa da Divisão de Honra responsável por uma Falta de Comparência não justificada.”
Mas como se estabelece no ponto 1 do art.º 30º (Desclassificações) do Regulamento do Primeiro Escalão Competitivo Sénior “a desclassificação duma Equipa do CN1 implica a imediata exclusão de todas as competições seniores em que a Equipa participe, bem como a despromoção ao último escalão competitivo sénior, e ainda a impossibilidade de ser promovida ao CN1 nos 5 (cinco) anos seguintes à Época Desportiva em que se verificou a desclassificação“
Ou seja: começando pela comodidade de considerar que é a Falta de Comparência ás duas equipas que se envolveram em cenas colectivas de violência a figura a aplicar, este uso cego e acrítico da regulamentação vai dar cabo do rugby português para os próximos anos. Com a descida de duas das melhores equipas portuguesas para a III divisão e com a consequência directa de não lhes ser autorizado o retorno antes de 5 anos, pergunta-se: o que vai acontecer ao equilíbrio competitivo do principal campeonato português e como prepararemos os jogadores para as competições internacionais? O que vai acontecer à componente de alto rendimento do rugby português? Onde jogarão os jogadores internacionais das duas equipas? Quem formará os jovens jogadores? Quem tratará do ensino das técnicas e tácticas adequadas à nossa prestação internacional? Que acontecerá aos resultados da Selecção Nacional?
As cenas de violência ocorridas — já o disse — são graves e têm que ser sancionadas de forma exemplar. Mas não têm necessariamente que resultar em prejuízo da totalidade da modalidade.
O primeiro e enorme erro está na possibilidade de ser considerada falta de comparência numa situação em que todos os jogadores das duas equipas estão presentes no terreno-de-jogo. Uma falta de comparência titula situações em que uma equipa ou parte dos seus jogadores não estão presentes ou estão-no irregularmente, não permitindo o normal desenrolar do jogo e não deve ser utilizada como “espelho” de situações diversas. A dureza da construção feita nos regulamentos é, nítida e facilmente perceptível, dedicada a garantir a dignidade e credibilidade da competição de nível mais elevado, evitando eventuais “espertalhotices” ou ameaças.
Uma vez que, como afirma em comunicado, é necessário uma reunião da Direcção da FPR para tomar decisões, espero que seja aproveitada para fazer justiça de forma inteligente — já chega o actual estado do rugby português que não precisa da ajuda de mais achas para alimentar o lume brando em que ardemos. Claramente que as cenas colectivas de agressões mútuas de chapada, murro, pontapés e outros eventuais entre jogadores de ambas as equipas são “responsáveis pela situação ocorrida” de interrupção do jogo e configuram uma situação de violência relacionada com o Desporto. E se é o violento confronto colectivo o responsável pela situação de interrupção definitiva do jogo, então o domínio de enquadramento deverá ser o da violência. E para isso e com base na Lei n.º 39/2009 de 30 de Julho deverá ser aplicado o federativo Regulamento de prevenção e punição das manifestações de violência, racismo, xenofobia e intolerância nos espectáculos desportivos, aprovado em reunião de Direcção de 27 de janeiro de 2010 e actualmente em vigor. E embora regulamente pouco e seja uma desadequada e mal adaptada regulamentação, estabelece, copiando o ponto 1 do art.º 46º da lei anteriormente referida, no seu art.º23º, Sanções disciplinares por actos de violência, que:
A prática de actos de violência é punida, conforme a respectiva gravidade, com as seguintes sanções:
a) Interdição do recinto desportivo, e, bem assim, a perda dos efeitos desportivos dos resultados das competições desportivas, nomeadamente os títulos e os apuramentos, que estejam relacionadas com os actos que foram praticados e, ainda, a perda, total ou parcial, de pontos nas classificações desportivas;
b) Realização de espectáculos desportivos à porta fechada;
c) Multa.
Ou seja, este Regulamento existe para ser utilizado em situações idênticas às que se passaram no terreno-de-jogo da Tapada e contém toda a tipologia de sanções necessárias para demonstrar a gravidade do acontecido e aplicar os diversos castigos desportivos adequados às acções, mostrando-se como exemplo para a intolerância da sua repetição.
Dir-se-á: mas é muito vago, etc. e tal. 
Então e como compete, segundo a alínea t) do Art.º 25º, Competência, dos Estatutos, à Direcção da Federação “Resolver as dúvidas e os casos omissos dos regulamentos”, resolvam e decidam. 
Mas decidam sem perder de vista a exemplaridade de que a resolução do caso se deve revestir e de acordo com a visão estratégica que deve resultar da Missão que incumbe ao Rugby português enquanto modalidade desportiva federada de utilidade pública.

Aproveitando a ocasião para, percebendo que os actuais regulamentos federativos estão mal feitos, estão desalinhados entre si, estão desajustados da realidade, resolvem mal os problemas e têm consequências inesperadas e inusitadas, definir um prazo para a alteração e alinhamento dos diversos regulamentos tendo em conta a realidade do rugby português e a amplitude dos comportamentos anti-desportivos que o envolvem. Ou seja: fazendo aquilo que deve ser feito.

Arquivo do blogue

Quem sou

Seguidores