quinta-feira, 3 de maio de 2018

PRIVILEGIAR A FORMA OU A DECÊNCIA?

...e eu a pensar que era a rainha da festa.
Quando escrevi o anterior texto propondo a aplicação, aos acontecimentos da Tapada, da Lei 39/2009 de 30 de Julho que Estabelece o regime jurídico do combate à violência, ao racismo, à xenofobia e à intolerância nos espectáculos desportivos, de forma a possibilitar a realização dos mesmos com segurança, não fazia ideia que existia, aprovado pela Direcção em 27 de Janeiro de 2010, um Regulamento com o nome de Regulamento de Prevenção e Punição das Manifestações de Violência, Racismo, Xenofobia e Intolerância nos Espectáculos Desportivos, e que é uma cópia - modificados ligeiros aspectos (nem todos) não aplicáveis - da Lei a que me referi. E como está aí - como está na Lei - a definição de Espectáculo Desportivo enquanto
"o evento que engloba uma ou várias competições individuais ou colectivas, que se realiza sob a égide da mesma entidade desportiva, decorrendo desde a abertura até ao encerramento do recinto desportivo". - a referência é a mesma. De domínio e de matéria.
Ou seja, obrigada a contemplar e integrar um regulamento contra a violência, a Federação Portuguesa de Rugby utilizou o método do copy-paste e transcreveu a Lei. Não regulamentando portanto a lei com as adaptações necessárias às características específicas da modalidade e daí que a Secção I, Ilícitos Disciplinares do Capitulo do seu Regime Sancionatório se limite a dar ordem diferente do descrito na Lei 39/2009 mas transcrevendo todo o Artigo 46º, Sanções disciplinares por actos de violência que transforma no Artigo 23º, com a mesma referência. Curioso é que o designado regulamento federativo apenas regula as sanções de interdição, limitando-as a cinco jogos, e de multas, nada referindo sobre as sanções desportivas a aplicar a clubes, como seja perda dos efeitos desportivos ou perda de pontos de classificação.
Ou seja, os dirigentes do Rugby português, federativos, associativos ou de clubes bem como treinadores, jogadores ou árbitros, não podem desconhecer as consequências da Lei 39/2009. Um, porque são cidadãos e outra, porque existe um Regulamento federativo da sua modalidade que a ela se refere e que transcreve as suas sanções. Dir-se-á: mas não está nada regulamentado. Sendo verdade, também é verdade que o facto, por si só, não é impeditivo de acção. O Artigo 55º, Dúvidas e omissões, do Regulamento de Disciplina da Federação permite, ao estabelecer,no seu ponto 1, que "As dúvidas e os casos omissos serão decididos pelo Concelho de Disciplina [...]", que seja dado enquadramento às sanções que decorram da aplicação do Regulamento da Violência pelo Conselho de Disciplina.
Por outro lado, num aviso sobre o que disciplinarmente tem sido a actualidade do rugby português,  pode encontrar-se, numa das decisões do Conselho de Disciplina, uma nota que se transcreve:
"Por fim, e a título de registo, sentimos necessidade de registar que infelizmente nos últimos 12 meses foi este Conselho de Disciplina confrontado com diversos casos de invasão de campo por elementos estranhos ao mesmo (sejam adeptos, diretores de equipe, agentes desportivos, dirigentes ou mesmo jogadores não convocados ou que se encontravam nas bancadas), algumas das quais inclusive resultando em agressões ou tentativas de agressões a jogadores ou árbitros, muitas inclusive em escalões em que jogam menores de idade.
O rugby é conhecido por ser uma modalidade diferente da maioria, justamente porque não admite ou aceita este tipo de comportamento, que deve em primeira análise ser repudiado pelos clubes, pelos próprios participantes da modalidade (sejam jogadores, treinadores, dirigentes, árbitros ou adeptos), assim como pela federação que os representa.
E isto, antes que aconteça uma situação ainda mais feia e com consequências mais graves do que as já registadas até ao momento.
Coimbra, 06 de Março de 2017"
E as coisas mais feias aconteceram porque, que se saiba, nada foi feito para o impedimento da continuidade deste tipo de acções violentas. Tão pouco a adaptação à realidade dos regulamentos e sanções dos tempos "dos postes às costas" e menos ainda o recurso às leis e regulamentos existentes e que protegem os campos desportivos da violência. Portanto, avisados andávamos e, mais do que nunca, urge que se cumpra a lei! Para que o 28 de Abril se não repita nunca mais!
Entretanto surgiu novo comunicado federativo. Que não me deixa nada tranquilo quanto à firmeza das acções e objectivos federativos.
Porque, com a reunião - a propósito de quê?! - realizada entre as equipas presumíveis finalistas e sobre a sua égide, a Federação Portuguesa de Rugby, instituição de Utilidade Pública Desportiva, deixa praticamente claro que a sua grande preocupação é que a Final do Campeonato se realize. E não deve ser: a Final, depois do que se passou, não deve ser disputada e o título deve ser, quanto antes, entregue ao Belenenses. Ou seja mais do que deixar claro que o tipo de comportamentos - dentro e fora do campo - são inadmissíveis no campo desportivo, a Federação mostra-se mais preocupada com a aparência formal da realização de um jogo que está inquinado na imagem pública de violência que os jogadores deram. 
E se for verdade o que corre de que a Roménia, Espanha e Bélgica serão desclassificados e que Portugal jogará com a Alemanha para definir o Europa 2 - o Europa 1 será a Rússia - então e ao contrário do que se possa pensar, mais razões haverá para uma inequívoca demonstração de repúdio da violência e defesa da decência.  O que se passou no sábado 28 de Abril não foi um acidente - foi uma realidade violenta que, para evitar a sua repetição, exige sanções exemplares. Para que conste e garanta a memória.  
Existem instrumentos legais para dizer ao país, à comunidade rugbística e à comunidade desportiva que o Rugby não pactua com o anti-desportivismo e que esta preocupação de um Desporto decente e 
éticamente irrepreensível é tão grande que se superioriza a todos os outros interesses. Porque sem Ética não há Desporto!

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