segunda-feira, 30 de abril de 2018

A PORRADA COLECTIVA E A LEI DA VIOLÊNCIA

Os malefícios para o Rugby português estão feitos. O jogo da meia-final do CN1 foi uma vergonha com duas cenas de pancadaria colectiva entre jogadores e com um final de batalha campal entre espectadores.
A este propósito a Federação Portuguesa de Rugby emitiu um comunicado, informando que irá proceder à realização de queixa-crime às autoridades judiciais e aos necessários inquéritos disciplinares para determinação dos intervenientes dos factos, acrescentado no seu ponto 3 a determinação de:
3 - Suspender, com efeitos imediatos e sem prazo, o CN1, até que (i) sejam concluídas todas as diligências de natureza disciplinar iniciadas em função da participação referida em 2, e (ii) a Direção da FPR considere estarem reunidas as condições de segurança e integridade moral e organizacional para ser retomada a competição.

Se os acontecimentos não permitiam outra posição que não a tomada, acresce que a questão da suspensão do CN1 - o campeonato da principal divisão do Rugby português - insere-se, no meu ponto de vista e pelo que presenciei, num outro padrão - no domínio da Lei 30/2009 de 30 de Julho, COMBATE À VIOLÊNCIA, AO RACISMO, À XENOFOBIA E À INTOLERÂNCIA NOS ESPECTÁCULOS DESPORTIVOS.

O que se passou no campo, neste jogo Agronomia-Direito, foram cenas de violência com agressões que puseram em causa a integridade física de jogadores (parece - não vi porque foi fora do meu campo de visão - que o árbitro terá andado pelo chão) que não podem ter lugar nos campos desportivos e como tal devem ser tratadas. Para que não haja qualquer hipótese de repetição. Assim não serão os Regulamentos federativos que devem balizar a decisão interventiva mas a referida Lei e que foi feita para evitar casos destes.

Esta Lei 30/2009 na alínea a) do ponto 1 do seu artigo 46º, estabelece:

"Artigo 46º, Sanções disciplinares por actos de violência
1 - A prática de atos de violência é punida, conforme a respetiva gravidade, com as seguintes sanções:
a) Interdição do recinto desportivo, e, bem assim, a perda dos efeitos desportivos dos resultados das competições desportivas, nomeadamente os títulos e os apuramentos, que estejam relacionados com os atos que foram praticados e, ainda, a perda total ou parcial, de pontos nas classificações desportivas."
Ou seja, a Lei estabelece que a prática da violência pode ter como sanção "a perda dos efeitos desportivos dos resultados das competições desportivas, nomeadamente os títulos e os apuramentos" - anota-se: os apuramentos, o que engloba a situação em causa.
Sendo os acidentes considerados pela própria Federação como "os mais graves numa série de incidentes verificados desde a primeira jornada da presente época desportiva" - num reconhecimento implícito que a mera apregoação de valores não os torna de aplicação efectiva ou real - a aplicação desta Lei 30/2009 parece-me justificada e necessária. Porque permite uma intervenção sancionatória adequada à realidade dos factos - violência expressa por jogadores e por espectadores.
O Rugby português, face à repercussão dos incidentes verificados, só pode ser reabilitado com sanções exemplares. Sanções que mostrem a exemplaridade do procedimento, demonstrando uma nítida vontade de não pactuar com situações à revelia do espírito e ética desportivos e que possam servir de exemplo, impedindo a sua repetição. Assim e para que o Rugby, deixado nas ruas da amargura pela irresponsabilidade e violência dos comportamentos verificados, possa de novo mostrar-se como sendo "um jogo de cavalheiros de qualquer classe mas nunca para maus desportistas, sejam de que classe forem" como definia o reverendo WJ Casey em 1894, veria com bons olhos a seguinte sequência de sanções como resultado do procedimento disciplinar:    
  • anulação dos efeitos desportivos do resultado do jogo - aplicação do artº 46º da Lei 39/2009 com a consequente anulação do jogo da Final;
  • penalização dos dois clubes intervenientes com a retirada de 10 pontos de classificação no campeonato - aplicação da mesma Lei 39/2009 com proposta do Conselho de Disciplina, de acordo com o Artº 55º do Regulamento de Competições para factos omissos, de perda - no campeonato em disputa ou no campeonato a disputar - de 10 pontos de classificação para cada um dos clubes envolvidos;
  • penalização individual dos jogadores envolvidos nas cenas de pancadaria com graduação diferenciada de acordo com a perigosidade das acções e correspondente risco da integridade física dos adversários.
Como complemento a estas sanções e em relação às cenas de violência entre espectadores, dever-se-ia:
  • interditar o campo de Agronomia para a sua equipa sénior por tempo conforme com a gravidade dos acontecimentos - para determinar o tempo de interdição efectivo deveriam ser consultados os regulamentos disciplinares de outras federações desportivas;
Com estas sanções determinadas, o exemplo estava dado e as repetições futuras, pelo custo demonstrado, teriam menor espaço de manobra.
O porquê destas coisas acontecerem reside no acumular do laxismo com o deixa andar de maus exemplos, como a falta de intervenção e prevenção das entidades competentes, por ignorância do sistema desportivo nacional, pela propaganda que cega a realidade e pretende fazer passar por virtude aquilo que deve ser a normalidade e, principalmente, pela presunção que a modalidade, só por se chamar Rugby, garante um corpo de boa educação. E acontecem também porque não há adaptação de Regulamentos adequada aos Princípios e Regras Desportivas e ao andar dos tempos.
Exemplos dessa adaptação passariam pela introdução de alterações como: 
  • acabar com a regra do "tempo dos postes às costas" que permite recorrer a qualquer pessoa para arbitrar um jogo. No nível competitivo só se devem poder realizar-se jogos com árbitros oficiais - não há árbitro oficial, não há jogo! 
  • adaptar os castigos propostos no actual Regulamento disciplinar ao nível internacional - um castigo por agressão deve ter, no mínimo, uma dimensão temporal que ponha em causa o lugar do prevaricador na sua equipa; 
  • que seja claro que a este tipo de jogos se aplica o ponto 2 do artº 12º, Qualificação dos espectáculos, da mesma Lei 30/2009 sendo portanto considerados de risco elevado e obrigados às correspondentes medidas de segurança, nomeadamente à definição formal de um coordenador de segurança. 

Uma coisa é certa: aquilo que se passou no jogo Agronomia-Direito é reconhecido como muito grave e não pode ter como tradução penal um quadro de castigozitos na salvaguarda de conceitos que não podem ser atendidos numa modalidade desportiva federada e considerada de Utilidade Pública. O legado de muitos e a história da modalidade exigem a salvaguarda dos valores em que dizemos acreditar.

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